sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Tecnologia de tratamento térmico do lixo


Tratamento de resíduos sólidos


Prefeitura de São José dos Campos opta pela queima de lixo urbano, gera renda com a venda de energia elétrica resultante da combustão e aumenta vida útil do aterro da cidade

Por Marina Pita



Contando os dias para o fim da vida útil de seu aterro, São José dos Campos decidiu tomar providências antes de ter de remediar a gestão de resíduos da cidade. Depois de um ano e meio de estudos, o município tem hoje em consulta pública um projeto de licitação para conceder o direito de construção e operação do sistema de aproveitamento energético do lixo a uma empresa privada, por meio de uma parceria público-privada.


Usina termoelétrica


As áreas 1 a 5 são divisões do aterro sanitário, sendo que 1, 2 e 3 não recebem mais resíduos sólidos. 
Área 4 está funcionando com novas melhorias implantadas.
Área 5 ainda não entrou em operação.
ETRS.ADM é a área destinada à implantação da sede administrativa da Estação de Tratamento de Resíduos Sólidos.
Área 6 está destinada à construção da usina de recuperação energética de São José dos Campos.


A sexta maior cidade do Estado de São Paulo com cerca de 630 mil habitantes e dona do 21o maior Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil produz diariamente 672 t de lixo, volume semelhante ao produzido por grandes cidades do País e com tendência de crescimento. Apesar de ter ampliado os programas de conscientização da população e a coleta seletiva de lixo cobrir praticamente toda a área urbana, o município trava uma corrida contra o tempo para definir como lidar com o esgotamento do aterro sanitário em cerca de 13 anos se nada for modificado.
Dois fatos agravam o problema. O primeiro deles, a predominância de área de preservação ao Norte da cidade por ser região de manancial. E, em segundo, a impossibilidade de novo aterro sanitário na zona Central e Sul do município por conta da resolução 04/95 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), que impede a construção de aterros a menos de 20 km de aeroportos.
Para evitar maiores gastos futuros com a destinação final de resíduos sólidos urbanos, uma das soluções encontradas foi o tratamento térmico do lixo, aproveitando o calor para geração de energia elétrica, que, por sua vez, pode ser comercializada de forma a não onerar o contribuinte, por meio da instalação de uma Usina de Recuperação de Energia (URE). "Não apoio a energia termoelétrica, mas sim uma solução para o problema da destinação final do lixo com reaproveitamento de energia em um momento de desenvolvimento tecnológico que nos permite ter a garantia de não poluir o ambiente", afirma o secretário de meio ambiente de São José dos Campos, André Miragaia. A iniciativa encontra respaldo no plano nacional de saneamento básico, que prevê a busca de alternativas ao aterramento do lixo e a expansão da vida útil do atual aterro.

Adotada em diversos países como Portugal, Itália, França, Alemanha, Holanda, Espanha e Estados Unidos, a tecnologia de tratamento térmico do lixo ganhou força como alternativa para amenizar o passivo que representam hoje os aterros depois da atualização da política estadual de resíduos sólidos (lei estadual 21.300) pelo decreto 54.645, em agosto de 2009, e da aprovação da política nacional de resíduos sólidos (lei federal 12.305) em agosto de 2010 e regulamentada pelo decreto 7.404, de dezembro de 2010.
As duas leis somadas à Resolução da Secretaria de Meio Ambiente (SMA) de novembro de 2009 - que estabelece os limites operacionais, de emissão, critérios de controle e monitoramento para disciplinar o processo de licenciamento do aproveitamento energético de tratamento térmico de resíduos sólidos em usinas de recuperação de energia - fecham o arcabouço legal que sustenta este tipo de iniciativa.
Para se certificar da viabilidade técnica, econômica e ambiental do projeto, a prefeitura encomendou um projeto de engenharia, realizado pela Estruturadora Brasileira de Projetos (EBP), que se valeu de informações técnicas obtidas em seis instalações visitadas - sendo uma no Canadá, uma na Bélgica e quatro na Holanda - e de discussões com fornecedores em relação à disponibilidade atual de tecnologia, para definir qual a melhor solução para o caso brasileiro e, mais especificamente, de São José dos Campos.
A EBP considerou ainda a resolução do Conama 316/02 que determina que a implantação de sistema de tratamento térmico de resíduos de origem urbana seja precedida de implementação de programa de segregação de resíduos integrado com o sistema de coleta e tratamento térmico para fins de reciclagem ou reaproveitamento. O entendimento da diferença do lixo produzido no Brasil para lixo produzido na Europa também foi levado em consideração, uma vez que há maior volume de matéria orgânica (lixo úmido) nos resíduos sólidos urbanos nacionais - em São José equivale a 56% do total produzido -, o que diminui o poder calorífico da mistura e reduz a produtividade de energia.
Há ainda um componente da posição política da gestão municipal que aposta na reciclagem e que já conta com um centro de triagem para separar o material advindo da coleta seletiva, que vem sendo estimulada e ampliada. Assim, foi escolhido um mix de tecnologias para o caso de São José dos Campos, que combina três principais processos: a separação inicial, a biodigestão da fração úmida - com indicação para a anaeróbica - e a incineração da fração seca do lixo.


AGECOM
Instalações da usina de recuperação energética de São José dos Campos deve ser semelhante a infraestrutura da usina termelétrica Termoverde, de Salvador (BA), na foto ao lado
Recuperação de energia

Como se vê no projeto que abre esta reportagem, fará parte do sistema de recuperação energética um sistema mecânico de pré-processamento, com o objetivo de separar os componentes orgânicos digestíveis, ou seja, parar partículas com pequeno diâmetro (menor que 45 mm) que contém elevadas quantidades de orgânicos, como sobras de comida. Este sistema incluirá cilindros (trommel), grades, peneiras e telas, equipamentos para remoção de metais ferrosos e não-ferrosos e esteiras para transporte dos resíduos ao longo do processo e encaminhamento dos materiais processados até áreas de estocagem designadas. Depois do pré-processamento de resíduos - fundamental para maximizar o retorno de energia e minimizar os investimentos do capital - será separado o material reciclável, do conjunto inorgânico.
Em seguida, o material orgânico será decomposto por meio da biodigestão anae­róbica. O material resultante será bombeado aos reatores de digestão, onde ficarão de 20 a 25 dias. Este é o reator que produzirá biogás, especialmente o metano, 21 vezes mais poluente que o gás carbônico, e que poderá ser vendido para o uso em veículos.
Miragaia lembra que o processo de biodigestão traz vantagens ambientais em relação ao simples aterramento do material orgânico, uma vez que todo o metano pode ser captado, enquanto no aterro cerca de 50% do gás acaba escapando pela camada porosa de terra que encobre o lixo e causando poluição. Os detritos desses processos também podem ser reutilizados como fertilizantes, a depender de sua composição. A dispensa do resíduo no aterro será cobrada do concessionário, que continua sendo de gestão da Urbam, o que acaba estimulando o empreendedor a dar outro fim a este material, aponta Miragaia.
O sistema de combustão de queima em massa terá capacidade de 388 t/dia e utilizará a fração separada durante o pré-processamento, ou seja, aquilo que não puder ser reciclado. A queima será feita por meio de um sistema de turbina a vapor, um gerador. Como resultado da combustão, estima-se a produção de 35.000 t/ano de cinzas pesadas e 3.900 t/ano de cinzas leves.
O equipamento de controle da poluição do ar previsto será usado para remover contaminantes dos gases de exaustão antes da liberação à atmosfera. De acordo com Miragaia, o valor dos sistemas de filtros e demais tratamentos para evitar poluição correspondem a dois terços do valor do empreendimento.



Veja imagem ampliada aqui

PPP: modelo de concessão
O projeto de usina de recuperação de energia de São José dos Campos deverá ter uma capacidade mínima de processamento de 750 t/dia, escala que exigirá um investimento estimado em R$ 189 milhões. Neste valor, financiado junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), não está considerado o custo de desapropriação da área para instalação, a cargo da prefeitura, da planta ao lado do atual aterro municipal.
A usina terá capacidade de geração de 16 MW, sendo que 4 MW devem ser usados para o funcionamento da própria unidade de reaproveitamento energético. Os 12 MW sobressalentes poderão ser comercializados pela concessionária e são a base da viabilidade econômica do projeto. Essa quantidade de energia equivale a um quinto do consumo de eletricidade da população de São José.
O modelo de exploração se dará por meio da parceria público-privada (regulamentada pela lei 11.079/04) em que o concessionário pagará pelo resíduo sólido fornecido pela Urbam, responsável pela limpeza urbana do município e disposição final do lixo. O maior lance por tonelada será um dos fatores a serem considerados no processo licitatório. O concessionário terá como fonte de renda a comercialização da energia produzida e a venda de materiais recicláveis obtidos com o processo de separação inicial do lixo. Não foi considerada na modelagem econômica a venda dos subprodutos do processo e de crédito de carbono, embora a prefeitura considere que essas sejam receitas acessórias possíveis de exploração pelo concessionário. O prazo de concessão será de 30 anos, com perspectivas para retorno do investimento inicial em oito anos. Segundo estimativa da prefeitura, depois de concluída a licitação serão necessários cerca de quatro anos para o início das atividades.
De acordo com o secretário do meio ambiente, André Miragaia, a parceria público-privada foi escolhida para evitar que o município tivesse de taxar os contribuintes para a realização do investimento na planta e manutenção do processo. Além disso, aponta, o parceiro privado possui experiência no negócio e é capaz de prover serviços de alta qualidade.