Paula Adamo Idoeta - BBC - 12/04/2012
Correntes ambientalistas
Enquanto países afetados pela crise se esforçam para voltar a crescer, e os
emergentes, como o Brasil, fomentam seu mercado de consumo interno, há um
movimento defendendo o "decrescimento econômico" como a única forma de garantir
a sustentabilidade do planeta a longo prazo.
O decrescimento (degrowth, em inglês) significaria tirar as economias
globais da "perpétua busca pelo crescimento" do Produto Interno Bruto (PIB),
reduzindo a escala de produção e consumo, distribuindo melhor recursos e
trabalho, com a meta de criar uma economia mais sustentável e frear o uso de
recursos naturais.
A proposta não é exatamente nova - já vem sendo defendida há alguns anos por
correntes ambientalistas -, mas ganhará repercussão com uma conferência sobre o
tema em Montreal, em maio, e com o
encontro Rio+20, em junho, que reunirá delegações de todo o
planeta para discutir sustentabilidade.
Desenvolvimento demais
Em relatório recém-lançado, o instituto de pesquisas ambientais WorldWatch
Institute, dos EUA, dedica um capítulo para defender o decrescimento "nos
países que se desenvolveram demais", ou seja, onde o consumismo e a dívida
tomaram proporções excessivas.
O autor do capítulo, Eric Assadourian, um dos diretores do instituto, defende
que, "países e populações superdesenvolvidos terão que proativamente buscar o
decrescimento, ou seguir no caminho atual até que o litoral se inunde (por conta
do aquecimento global) e outras grandes mudanças ecológicas os forcem a não
crescer".
Em entrevista à BBC Brasil, Assadourian explica como esse "decrescimento"
poderia ser aplicado na prática, reconhecendo que seria necessária uma
significativa mudança na forma como pensamos a economia e o consumo.
O que o senhor quer dizer com o "decrescimento em países
superdesenvolvidos"?
Eric Assadourian - Países com altos índices de desenvolvimento, como os EUA,
abraçam demais o consumismo, apresentam altas taxas de obesidade, excessivo uso
de automóveis, tudo isso às custas do meio ambiente.
Como esse decrescimento ocorreria, considerando que vemos o consumo
como sinônimo de prosperidade?
Eric Assadourian - São quatro pontos-chave:
- Transformar a indústria do consumo, tornando a ideia da vida sustentável tão
natural quanto a ideia de consumir. Por exemplo, a noção de que cada um de nós
tem que ter um carro próprio é antiquada;
- Redistribuir os impostos, cobrando mais de indústrias que poluem, da
publicidade (que fortalece o consumismo) e de quem ganha além do necessário para
a sobrevivência básica;
- Reduzir as jornadas de trabalho, dando às pessoas mais tempo, redistribuindo
riquezas e gerando mais empregos;
- Fortalecer a chamada "economia da plenitude", em que as pessoas plantam mais
para prover para sua própria alimentação, cuidar de sua família, aprender novas
habilidades, e os recursos são melhores usados. Se podemos produzir um livro da
série "Jogos Vorazes", para ser usado por milhares pessoas em uma biblioteca,
porque produzir 10 mil para serem comprados por milhares de pessoas? Teríamos um
uso mais eficiente, com a mesma qualidade.
Mas haveria uma perda econômica, não? A autora deixaria de vender
milhões de livros.
Eric Assadourian - Sim, mas teríamos milhares de árvores de pé.
E as pessoas confundem consumo com prosperidade, mesmo que a maioria não
esteja próspera. Acumulamos sacrifícios escondidos - por exemplo, na questão da
mobilidade. Em vez de andar 400 metros, muitos preferem usar um carro, objeto
que custará dois meses de seu trabalho, provocará poluição e ficará parado no
trânsito.
Acho que o decrescimento nos deixaria mais ricos. Ganharíamos em tempo e
qualidade de vida.
Ao mesmo tempo, Barack Obama recentemente comemorou indícios de
retomada da indústria automobilística dos EUA, o que reforçaria o crescimento da
economia americana em geral. Isso não mostra o quanto a política econômica vai
na contramão do que você falou?
Eric Assadourian - Estamos presos num mito de que o crescimento econômico é
essencial; a imprensa fica horrorizada se não há crescimento. Se eu fosse um
líder lidando com uma recessão, não buscaria o crescimento.
Veja, por exemplo, que, com a crise dos EUA, cresceu o número de casas
multigeneracionais (filhos morando com pais e avós, por exemplo). Isso estreita
os laços e promove economia de gastos com creche e cuidados médicos, porque um
ajuda o outro. Assim, temos menos hipotecas e menos gastos, o que pode ser visto
como algo ruim para o crescimento econômico. Mas também temos menos pobreza e
estamos fazendo mais com menos dinheiro.
Esse seria o lado bom da recessão?
Eric Assadourian - Decrescimento não é o mesmo que recessão. O decrescimento
é como uma dieta controlada, em que o objetivo é ficar mais saudável. A recessão
é como passar fome. Agora, para fugir da recessão, estamos (os EUA) comendo
loucamente de novo, com uma grande parcela da população trabalhando demais e
outra sem emprego.
Os países emergentes estão estimulando o consumo interno - algo que, no caso
do Brasil, ajudou o país a não ter sido tão afetado pela crise mundial. O
decrescimento vale para emergentes?
Para eles, a questão não é apenas decrescer, mas sim combinar isso com
crescimento verde - num mix de políticas públicas, que desestimulem a posse
individual de carros para desafogar as cidades, melhoras no transporte público e
desenvolvimento que não prejudique o meio ambiente. Talvez sua busca tenha de
ser por progresso, em vez de crescimento econômico.
Dá para convencer um consumidor normal a pensar em termos de
decrescimento?
Eu iria pelo caminho do choice editing (direcionar as escolhas das
pessoas por meio da ação do marketing, políticas públicas, etc).
É fascinante como temos pouco controle sobre nossas escolhas, como elas são
determinadas inconscientemente. Atualmente, elas são direcionadas para estimular
o consumo. Temos que quebrar esse processo, direcionando-o para (promover um
estilo de vida) de baixo consumismo.
Você tem as expectativas de que alguma decisão nessa direção seja
tomada na Rio+20?
Gostaria de dizer que sim, mas não espero esse nível de decisão política da
reunião. Se conseguirmos retomar algum tipo de acordo para o clima, já será
muito.