A pergunta do título desta coluna não saía da minha cabeça enquanto eu assistia, sentado na plateia, à performance de erum computador instalado no palco. Minhas sensações oscilavam entre o medo e o encantamento -e até, devo admitir, certo complexo de inferioridade.
Fui a um auditório, na semana passada, com a ilusão de assistir a uma vitória de humanos -ex-alunos de Harvard e do MIT- contra um computador. Era um teste de conhecimentos gerais, que abrangia de cultura pop a personagens históricos, passando por geografia.
A novidade não era o computador guardar tantas informações -cerca de 1 milhão de livros-, mas ele ser capaz de reconhecer as sutilezas da fala humana.
Até que os jovens se saíram bem, mas o computador, criação da IBM, batizado de Watson, é imbatível.
Enquanto me encantava com as possibilidades que aquela descoberta poderia produzir, ajudando profissionais -médicos, por exemplo- a tomar decisões, ficava imaginando quantos trabalhadores aquela máquina não iria pôr na rua.
Talvez minha sensibilidade estivesse aguçada porque, antes de entrar naquele auditório, eu tinha passado a manhã num seminário sobre o futuro do trabalho -e um dos personagens tinha sido o Watson.
Ninguém ali era contrário à inovação. Aqueles indivíduos sabem que, embora sejam cercadas de temor no início, pois provocam abalos nas velhas estruturas, as novas tecnologias logo geram diferentes empregos e prosperidade. Perguntavam-se, porém, se havia algo de novo no ar sobre a rapidez com que as máquinas vêm substituindo os seres humanos. Mesmo que a economia volte a crescer rapidamente, o emprego vai crescer? Isso significa o risco de piorar cada vez mais a distribuição de renda.
Um dos palestrantes era Andrew McAfee, pesquisador do Centro de Negócios Digitais do MIT, autor de um recém-lançado livro que está chamando a atenção do mundo acadêmico, cujo título é “A Corrida contra a Máquina”. Logo ele pede: “Por favor, não me confundam com esses tipos que têm medo de novas tecnologias”. Até porque, se fosse assim, ele não estaria naquele emprego.
Mas os números que ele tem coletado de economias em várias partes do mundo, especialmente nos Estados Unidos, trazem uma preocupação. Pergunto-lhe em que o temor dos trabalhadores de hoje é diferente do daqueles ingleses, que, na Revolução Industrial, destruíam as máquinas. A resposta: “O problema é que os computadores estão adquirindo cada vez mais rapidamente habilidades que eram essencialmente humanas”.
Segundo ele, a tendência deve afetar menos os que estão no topo da pirâmide educacional e os que estão na sua base: empregadas domésticas, garis, passeadores de cachorro, manicures. “Quem está no meio, ou seja, a maioria, vai sofrer.”
As novas invenções -e o tal Watson, com seu complexo sistema de reconhecimento de voz, é uma delas- radicalizam esse movimento e, em certos casos, superam com vantagem os humanos, segundo McAfee.
“Quantos empregados você conhece que podem guardar na memória o conteúdo de 1 milhão de livros e sabem encontrar a resposta certa quando indagados por uma voz?”, pergunta ele. Programas desse tipo estão sendo usados em escritórios de advocacia e vêm pondo na rua muita gente com diploma de ensino superior.
A cada dia, aparecem novidades sobre a capacidade de coletar, armazenar e selecionar dados. Aposta-se até que, com tantos dados gerados pelas redes sociais a cada segundo, seria possível prever o futuro – por exemplo, o que vai ser sucesso na música ou o surgimento de movimentos políticos. Haveria no mundo social leis semelhantes às leis físicas. Chegaram até a inventar a “econophysics” -o uso das leis da física aplicadas à economia.
Segundo McAfee, um dos problemas é a velocidade da mudança, o que dificulta o treinamento dos trabalhadores para novas demandas. As escolas e faculdades deveriam estar mais próximas do mercado de trabalho e fazer mudanças em seu currículo quase em tempo real.
Aí vai estar quem vê um Watson com medo ou encantamento.
PS – Já está em andamento a transformação do Watson num médico, capaz de ajudar no diagnóstico e até na medicação de pacientes. A ideia é que ele seja uma espécie de GPS para os médicos. Afinal, o robô vai ter na memória todos os casos de pacientes com doença semelhante e o tratamento dado a cada um, podendo comparar os resultados. No lado do encantamento, vejo isso como um jeito de ajudar no atendimento de pacientes, especialmente na rede pública. Como o câncer de Lula, graças ao seu tratamento de primeira qualidade, estimulou o debate sobre saúde pública no Brasil, invenções do tipo Watson mostram que, no futuro, será possível agilizar o atendimento e diminuir as filas.
* Gilberto Dimenstein é colunista e membro do Conselho Editorial da Folha de S.Paulo, comentarista da rádio CBN, e fundador da Associação Cidade Escola Aprendiz.
(Portal Aprendiz)