10. Novembro 2010 - 12:07
Os cientistas ainda têm que estudar como implementar o sistema nos países em desenvolvimento. (Eawag, Stefan Kubli)
Por Susan Vogel-Misicka, swissinfo.ch
Já sem utilidade para o corpo que a excreta, a urina está recebendo uma segunda vida na forma de adubo, graças em parte a engenheiros suíços.
O Instituto Federal Suíço de Ciência e Tecnologia Aquática (Eawag)  junto com especialistas da África do Sul transformaram urina humana em  adubo.
"Nós tratamos a urina, extraindo nitrogênio, fósforo e potássio em pó.  Nossa idéia no momento é granular esse pó para obter um adubo granulado  normal, que pode ser espalhado nos campos", explicou o engenheiro Kai  Udert, do Eawag.
O fósforo encontrado na urina é particularmente  precioso. As plantas precisam dele para o crescimento, mas ele está se  tornando cada vez mais raro. Normalmente o fósforo é extraído em minas,  mas especialistas prevêem que a oferta mundial vai acabar dentro dos  próximos 50-100 anos, dificultando a fertilização dos campos.
No  mês passado, o projeto Eawag recebeu uma doação de 3 milhões de dólares  da Fundação Bill & Melinda Gates. O dinheiro vai servir de apoio ao  instituto e ao seu parceiro, o “eThekwini Water and Sanitation utility  (EWS)”, na África do Sul, para continuar desenvolvendo sistemas de  recuperação de nutrientes de dimensão comunitária.
Udert informou  que a doação vai ajudá-los na pesquisa dos aspectos técnicos,  econômicos e sociais do projeto, para que eles possam entender melhor  como tratar a urina e como implementar o sistema nos países em  desenvolvimento. "A idéia é que alguém possa coletar a urina, produzir  fertilizantes com ela e fazer algum dinheiro com isso", disse Udert.
Vasos especiais
O principal para o projeto são os banheiros. Chamado "vaso divisor de  urina seca", os sanitários não podem estar ligados a qualquer tipo de  sistema de saneamento central. Os vasos têm dois compartimentos, o que  posssibilita a coleta da urina separada das fezes.
A parte  delicada é encontrar alguém que lide com o tanque. De acordo com Udert,  há um estigma associado aos resíduos humanos em algumas partes do mundo.  No entanto, o verdadeiro problema é o mau cheiro.
"Armazenar  urina é realmente muito fedorento e por isso ninguém faz isso com boa  vontade. Também não é bom para o meio-ambiente, porque o que causa o mau  cheiro é a amônia. Em nosso processo fixamos a amônia e o nitrogênio em  uma solução que remove toda a água, restando no final só os sólidos",  disse Udert.
Além de processar a urina e convertê-la em adubo,  Udert e sua equipe esperam melhorar as condições de higiene nos países  em desenvolvimento.
"Saneamento é um problema mundial e os os  sistemas centralizados que temos aqui na Suíça e em outros países  desenvolvidos não são aplicáveis em muitos lugares do mundo", disse.
Ângulo humanitário
O instituto Eawag realizou diversas pesquisas no Nepal, onde muitas  pessoas não têm acesso a banheiros. O projeto desenvolvido em  Siddhipur,perto de Katmandu, demonstrou que a urina pode ajudar a fechar  o ciclo regional de nutrientes, já que os agricultores que participam  no projeto também se beneficiam, não precisando importar mais  fertilizantes químicos. "Nessa região, um vaso sanitário para ser  instalado deve funcionar bem e ser confortável de usar", acrescentou  Udert.
Carolien van der Voorden é diretora da Rede de Gestão de  Conhecimento do Conselho de Abastecimento de Água e Saneamento  Colaborativo (WSSCC), com sede em Genebra. Ela concorda que tais  projetos de recuperação de nutrientes podem funcionar bem, mas enfatiza  que a saúde deve ser o objetivo principal.
"A principal razão  para tentar promover o saneamento básico é limitar o risco de infecção,  possibilitando às pessoas uma vida mais saudável e mais digna", disse,  lembrando que 800 milhões de pessoas fazem as necessidades ao ar livre.
Algumas  estão tão acostumadas a agir dessa forma, que os projetos de latrina e  banheiro falham por falta de interesse local. "Não é difícil construir  banheiros, mas o problema é mudar o comportamento das pessoas.  Saneamento deve estar ligado a programas de educação sanitária", disse  van der Voorden.
Ela observou que nas zonas rurais, os programas  de reciclagem de resíduos tendem a ter sucesso porque os moradores  apreciam o resultado. O projeto Eawag da África do Sul, previsto para  durar quatro anos, ainda se encontra no estágio inicial. Udert está  otimista de que também será um sucesso.
"A urina contém a maior  parte dos nutrientes necessários na sua composição, nós estamos muito  confiantes de que será um bom fertilizante".
Susan Vogel-Misicka, swissinfo.ch
(Adaptação: Fernando Hirschy)
 
