29/01/2013
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03h00
Casas da morte
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/janiodefreitas/1221956-casas-da-morte.shtml
Janio de Freitas, colunista e membro do Conselho Editorial da
Folha,
é um dos mais importantes jornalistas brasileiros. Analisa com
perspicácia e ousadia as questões políticas e econômicas. Escreve na
versão impressa do caderno "Poder" aos domingos, terças e
quintas-feiras.
Arquitetos e engenheiros, uni-vos!
As edificações que se transformam em cenários de tragédias, por defeitos
intoleráveis, repetem-se com uma indiferença que não permite esperança
alguma do seu fim.
Não se fizeram por si mesmas: foram criadas. Por arquitetos, por
engenheiros, por decoradores, por mestres improvisados, por gananciosos.
E pelo poder público.
Não importa mais discutir a cota de cada um na perversão que cria ou
agiganta as tragédias repetidas e repetidas e repetidas. A discussão não
atenuaria o problema.
O poder público não é capaz nem de remediar os riscos de tragédia que
estão por toda parte nas cidades. Não só nas casas noturnas e soturnas.
Também nos prédios altos, em centros comerciais, no fogaréu dos
restaurantes, em ginásios esportivos, lugares de diversão, por toda
parte.
Não se pode crer que esse imenso mundo de riscos e imprevistos venha a
ser fiscalizado pelo poder público. A falta de pessoal, o despreparo, a
corrupção desmentem que o poder público seja poder fiscalizador.
Engenheiros e arquitetos, sim, podem sê-lo. Voluntários da guerra às
tragédias evitáveis. Basta-lhes atentar para o que veem de irregular e
de risco. Aos de maior senso humanitário ou comunitário, passear ou
entrar em lugares apenas para ver como estão, nada lhes custaria. E
depois comunicar às suas entidades de classe, aos setores municipais
apropriados e a jornais o que precisa ser corrigido --esse seria um
serviço impagável em benefício da sociedade. E da vida.
O ar inofensivo de prédios, de centros comerciais, de lugares de
diversão, largados ao seu cansaço e a seus defeitos, esconde que
inúmeros deles são potenciais casas da morte.
Engenheiros e arquitetos têm algo a ver com isso. Não seria demais que
homenageassem as vítimas de Santa Maria tomando a sua tragédia como
ponto de partida para uma missão de grandeza.
29/01/2013
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05h00
Depoimento: Burocracia e corrupção também causam tragédias
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1222046-depoimento-burocracia-e-corrupcao-tambem-causam-tragedias.shtml
ANDRÉ BARCINSKI
CRÍTICO DA
FOLHA
Acordei no domingo fulminado pela tragédia em Santa Maria. De quem foi
a culpa? O que poderia ter sido feito para ser evitado? De uma coisa,
tenho certeza: o governo precisa rever o processo de liberação de
alvarás. E não só para casas noturnas, mas para todo tipo de comércio.
Não conheço os meandros da burocracia em Santa Maria, mas conheço os de São Paulo. Trabalhei em casas noturnas.
A impressão que tenho é de que leis e regulamentos são propositalmente
absurdos e kafkianos, para dificultar a vida de quem deseja tirar
alvarás. E quando isso acontece, sabemos a consequência: corrupção e
falta de fiscalização.
Não estou eximindo nenhum comerciante de suas responsabilidades. Mas
desafio qualquer pessoa a entrar sozinha numa secretaria e conseguir um
alvará, sem a ajuda de despachantes, advogados e "técnicos" e sem
apelar, no fim, para liminares judiciais.
Se os regulamentos forem levados a ferro e fogo, nem o governo se salva.
Faça um teste: procure na web notícias sobre prédios do governo sem
alvará. Você terá uma surpresa.
Em momentos assim, quando o país está chocado, governantes correm o
risco de tomar decisões populistas e que, no fim, não levariam a nada:
fechar comércios, trancar lojas, fazer ajustes cosméticos e sem
efetividade a longo prazo.
O que é preciso fazer, de verdade, é mudar o processo todo, rever a
longa cadeia de burocracia e acabar com as dificuldades. Só assim,
"limpando" tudo, poderíamos ter uma fiscalização eficiente.
Tragédia em Santa Maria
Moradores se agrupam diante da boate Kiss para uma passata pelas ruas de Santa Maria, no Rio Grande do Sul
28/01/2013
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04h30
Tragédia em Santa Maria (RS) ocorreu após sucessão de erros
EDUARDO GERAQUE
DE SÃO PAUO
PEDRO SOARES
DO RIO
Erros de gerenciamento da casa de shows foram a causa da tragédia de
ontem, em Santa Maria, no interior gaúcho, segundo especialistas ouvidos
pela
Folha. De acordo com eles, a lição que fica é que é preciso cultivar uma cultura de prevenção a grandes incêndios no país.
Entenda como ocorre a morte por asfixia
Veja a lista de 231 mortos identificados em incêndio
Sobreviventes de incêndio na boate Kiss voltam a hospitais
O incêndio deixou ao menos 231 mortos (a maioria por asfixia) e 106
hospitalizados. A boate Kiss era uma das principais casas noturnas da
cidade e era famosa por receber estudantes universitários. Segundo o
coordenador da Defesa Civil, Adelar Vargas, o fogo começou na espuma de
isolamento acústico quando um dos integrantes da banda que se
apresentava acendeu um sinalizador, que atingiu o teto.
O guitarrista da banda Gurizada Fandangueira, Rodrigo Lemos Martins, também disse à
Folha
que o fogo começou depois que o sinaleiro (chamado por ele de
"sputinik") ter sido aceso. Um segurança da casa e o vocalista da banda
tentaram apagar o incêndio, afirma o guitarrista, porém o extintor não
funcionou.
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Editoria de Arte/Folhapress |
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Editoria de Arte/Folhapress |
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Para Valdir Pignatta e Silva, professor da Poli/USP e especialista em
segurança contra incêndios, houve ali uma sucessão "absurda" de erros.
Ele cita a falta de sinalização para a saída de emergência e o fato de
haver apenas uma porta de acesso ao local. Também afirma que o teto da
boate era feito de material inflamável.
O pesquisador da Coppe/UFRJ (Coordenação de Programas em Pós-Graduação
em Engenharia) Moacir Duarte diz que as pessoas foram vítimas de uma
"desorganização primária".
"Uma vistoria simples, de menos de duas horas, feita por um bombeiro,
bastaria para vetar o local para a realização de shows", disse. "Há uma
cadeia enorme de responsabilidades."
Além das falhas na estrutura, Duarte cita ainda o problema da falta de rádios para a equipe de segurança.
Sem saber o que acontecia, seguranças na porta da boate pensaram
inicialmente que o tumulto havia sido causado por uma briga e barraram
as pessoas para que elas não deixassem o local sem pagar a conta.
Enquanto isso, outros funcionários tentavam combater as chamas em outro
local.
CULTURA
Pignatta e Silva, da Poli, afirma que as pessoas precisam criar um
cultura de salvaguardar sua vida em situações como a encontrada ontem no
Rio Grande do Sul.
"Infelizmente, o fato de existir uma casa com capacidade para mais de
mil pessoas, em um ambiente totalmente fechado, não deu um alerta na
cabeça de ninguém. Ainda mais com objetos pirotécnicos no palco",
afirma.
Segundo ele, em outros países do mundo, como na Inglaterra, as pessoas
têm na memória incêndios que ocorreram no século 17. "Provavelmente, nem
você nem eu teríamos nos preocupado com um incêndio, se tivéssemos
naquela boate", diz.
01/02/2013 - 03h00
Seguro de boates é pouco frequente no Brasil
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/mercadoaberto/1223962-seguro-de-boates-e-pouco-frequente-no-brasil.shtml
Maria Cristina Frias, jornalista, edita a coluna Mercado Aberto, sobre macroeconomia, negócios e vida empresarial.
O mercado de seguros para casas noturnas é pouco aquecido no Brasil, segundo especialistas.
As condições que propiciaram o incêndio na boate Kiss, em Santa Maria (RS), como o material usado no isolamento acústico, seriam recusadas por peritos de seguradoras, que pediriam ajustes antes de assinar os contratos.
Diante das altas exigências feitas pelas companhias do setor para fechar seus contratos de cobertura, as casas de menor porte se desinteressam, de acordo com o diretor-executivo da FenSeg (Federação Nacional de Seguros Gerais), Neival Freitas.
"É um seguro de difícil aceitação. Muitas vezes as empresas não têm condição de cumprir. Ou, em outros casos, não se interessam. É difícil saber", afirma.
A exceção são as grandes casas de shows, que, além de um seguro empresarial de apólices semelhantes às praticadas em outros segmentos, procuram coberturas específicas para cada um dos eventos que realiza.
"O empresarial, que faz parte da carteira de riscos patrimoniais, cobre danos materiais provocados por incêndio, queda de raio e explosão", afirma Freitas.
O seguro de eventos faz parte da modalidade de responsabilidade civil e costuma ter valores maiores. A ideia é proteger o público.
Entre as situações que passam por análise técnica das seguradoras estão a verificação de portas de emergência, a lotação máxima e o plano para saída das pessoas em caso de pânico.
O material utilizado na estrutura do local como isolamento acústico e divisórias, também são avaliados. São exigidos aparelhos modernos e em bom estado, de acordo com o executivo.