Bonamigo lembrou um exemplo em que a religião se aplica a esse caso, e que os médicos já respeitam o desejo do paciente. “Mesmo não tendo nada escrito nos códigos de ética nem na lei, as Testemunhas de Jeová já têm isso. Eles não querem [receber transfusão de] sangue em hipótese nenhuma”, lembrou o representante do CFM.
Agência Brasil
O paciente vai poder registrar no próprio prontuário quais procedimentos médicos quer ser submetido no fim da vida, como prevê resolução divulgada nesta quinta-feira, 30, pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e que trata dos limites terapêuticos para doentes em fase terminal.
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As regras estabelecem critérios para o uso de tratamentos considerados invasivos ou dolorosos em casos onde não há possibilidade de recuperação. A chamada diretiva antecipada de vontade consiste no registro do desejo do paciente em um documento, que dá suporte legal e ético para o cumprimento da orientação.
O testamento vital, de acordo com o CFM, é facultativo e poderá ser feito em qualquer momento da vida – inclusive por pessoas em perfeita condição de saúde – e poderá ser modificado ou revogado a qualquer instante.
São aptas a expressar esse desejo pessoas com idade igual ou maior a 18 anos ou que estejam emancipadas judicialmente. O interessado deve estar em pleno gozo das faculdades mentais, lúcido e responsável por seus atos perante a Justiça.
O registro poderá ser feito pelo médico assistente na ficha médica ou no prontuário do paciente, sem a necessidade de testemunhas. O documento, por fazer parte do atendimento médico, não precisa ser pago pelo paciente. Se considerar necessário, o paciente poderá nomear um representante legal para garantir o cumprimento de seu desejo.
Caso o paciente manifeste interesse, poderá registrar o termo também em cartório. Conforme o CFM, a vontade do paciente não poderá ser contestada nem mesmo por parentes – o único que pode alterá-la é o próprio paciente.
Segundo as diretrizes, o paciente poderá definir, com a ajuda de um médico, se deseja passar por procedimentos como, por exemplo, o uso de respirador artificial (ventilação mecânica), tratamentos com remédios, cirurgias dolorosas e extenuantes ou mesmo a reanimação em casos de parada cardiorrespiratória.
O presidente do CFM, Roberto Luiz D’Ávila, considerou a resolução histórica, já que trata de um dilema provocado pelo próprio avanço da tecnologia. “Ela [resolução] tem permitido que tudo possa ser feito tecnicamente”, disse.
“Na medicina, trabalhamos com variáveis, as coisas se modificam. O que estamos tentando resgatar é que as pessoas morram no tempo certo, mas de maneira digna”, completou.
D’Ávila ressaltou que a diretiva antecipada de vontade não é válida para alguns casos, como um acidente de carro quando a pessoa tem chance de recuperação e, portanto, deve ser submetida a procedimentos de ressuscitação. “Com o documento, eu [paciente] só estou sinalizando que, quando estiver em uma fase terminal crônica, não quero nenhum esforço fútil ou extraordinário.”
O CFM informou que o Código de Ética Médica, em vigor desde abril de 2010, veda ao médico abreviar a vida, ainda que a pedido do paciente ou de um representante legal – prática conhecida como eutanásia. Entretanto, é previsto que, nos casos de doença incurável e de situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico pode oferecer cuidados paliativos disponíveis e apropriados (ortotanásia).
“A medicina paliativa é uma opção hoje muito interessante e regulamentada pelo conselho. A pessoa não será abandonada, o que é um medo muito grande dos pacientes”, concluiu o presidente do CFM.
A Resolução 1.995 deve ser publicada amanhã (31) no Diário Oficial da União.
Confira abaixo os principais pontos da resolução:
As diretivas antecipadas de vontade devem ser registradas de qual forma?
O médico registrará, no prontuário, as diretivas antecipadas de vontade que foram diretamente comunicadas pelo paciente.
As diretivas precisam ser registradas em cartório?
Não é necessário, mas pode ser feito caso o paciente deseje.
É possível cancelar o testamento vital?
Sim, desde que o paciente esteja lúcido para fazer isso. Assim sendo, ele deve procurar o médico para manifestar essa mudança, bem como alterar o documento em cartório, caso tenha sido registrado.
É necessário ter testemunhas?
Não. Porém, pode ser feito como forma de segurança.
Quem pode fazer?
Maiores de 18 anos ou emancipados, desde que estejam lúcidos.
Posso eleger um representante que não seja da família?
Sim. Um procurador pode ser qualquer pessoa de confiança.
Meus parentes tem prioridade acima do meu representante legal?
Não. As diretivas antecipadas do paciente prevalecerão sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos parentes.
Posso solicitar a interrupção de qualquer procedimento?
O médico deixará de levar em consideração as diretivas antecipadas de vontade do paciente ou representante que, em sua análise, estiverem em desacordo com os preceitos ditados pelo Código de Ética Médica.
A Igreja católica criticou nesta quinta-feira (30) resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina) que determina ao médico seguir o desejo de pacientes em fase terminal que não queiram seguir tratamentos "excessivos e fúteis".
"Um médico (...) preocupado em terminar com uma vida humana, em que fase for, está como que negando a sua própria profissão, que é cuidar da vida, prolongar a vida, fazer com que essa vida seja vivida cada vez melhor", disse nesta quinta-feira (30) o cardeal Raymundo Damasceno Assis, presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e arcebispo de Aparecida (SP).
A resolução do CFM estabelece a chamada "diretiva antecipada de vontade". Para o presidente do conselho, Roberto d'Avila, o texto permitirá ao médico, em casos de doença terminal, não continuar com um tratamento que "não dá a possibilidade de voltar ao estado de saúde prévio".
"Evidentemente nós não podemos estar de acordo com essa resolução. (...) O juramento [do médico] é defender a vida e a medicina só tem sentido nesse caso: quando ela está à serviço da vida, da saúde", afirmou o presidente da CNBB.
DE BRASÍLIA
DE SÃO PAULO
http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/1145793-medicos-deverao-seguir-desejo-de-pacientes-terminais-contrarios-a-tratamento-futil.shtml
Atualizado em 31/08/2012 às 09h42.
Um doente terminal não terá mais de passar seus últimos dias sendo submetido a tratamentos que só vão atrasar a morte, mesmo que esse seja o desejo de sua família.
O CFM (Conselho Federal de Medicina) editou uma resolução que dá ao paciente o direito de não receber tratamento considerado inútil em casos de doenças terminais ou estados vegetativos.
A medida, divulgada ontem, determina que o paciente, em estado são, poderá informar o médico sobre que tipo de tratamento deverá receber quando estiver inconsciente e sem chance de cura.
A pessoa pode, a qualquer momento, registrar um documento em cartório com a declaração ou pedir ao médico que inclua determinações como não ressuscitar em caso de parada cardíaca, por exemplo, em seu prontuário.
"Defendemos a ideia da morte natural, sem a intervenção tecnológica inútil e fútil, que pode acalmar a família, mas não está fazendo a vontade do paciente", diz o presidente do conselho, Roberto d'Ávila.
Ele classifica como tratamento "fútil" aquele que não dá a possibilidade de voltar ao estado de saúde prévio. "A vontade do paciente é mais importante que a familiar."
| Editoria de arte/folhapress | |
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ASSUNTO TABU
Segundo especialistas em cuidados paliativos, hoje os desejos dos doentes são pouco ouvidos tanto por médicos quanto pelos parentes.
"Para que uma conversa delicada como essa aconteça, os profissionais de saúde precisam ter certas habilidades de comunicação, mas nem sempre há oportunidades para isso", diz o médico Daniel Forte, do comitê de terminalidade e cuidados paliativos da Associação de Medicina Intensiva Brasileira.
Forte diz que a falta de diálogo leva muitos doentes a serem submetidos a tratamentos que, se dependesse de sua vontade, não seriam realizados. "Muitos pensam nisso mas não têm com quem falar. A família quer passar um clima de otimismo e prefere não falar nesse assunto."
Para psicóloga Fernanda Rizzo di Lione, especialista em psico-oncologia, a nova regra do CFM deve enfrentar resistência dos médicos, que se formam "para lutar contra a morte". "Não ligar um aparelho não é deixar de fazer alguma coisa e sim respeitar a vontade do paciente."
De acordo com a regulamentação, o médico não é obrigado a perguntar o que o doente quer, mas deve registrar as orientações no prontuário se houver uma manifestação espontânea.
Essa vontade terá de ser ignorada se implicar infração ao Código de Ética Médica, como a prática da eutanásia.
O CFM diz que não se preocupa com as consequências jurídicas, caso uma família reclame de negligência médica. "Se estivéssemos [preocupados], falaríamos para o médico registrar no cartório e diríamos: 'Médicos, protejam-se'. O que queremos é saber a vontade do paciente", afirma Roberto d'Ávila.
A resolução provocou a reação da Igreja Católica. "Um médico (...) preocupado em terminar com uma vida humana, em que fase for, está como que negando sua própria profissão, que é cuidar da vida", disse ontem o cardeal Raymundo Damasceno Assis, presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).
Para o médico Daniel Forte, é normal que uma resolução como essa seja alvo de debate. "É preciso deixar claro que ninguém é obrigado a fazer isso. A regra só abre a oportunidade para quem deseja registrar sua vontade."
(FILIPE COUTINHO, FLÁVIA FOREQUE E DÉBORA MISMETTI)
31/08/2012 - 09h50
Análise: Tendência mundial é acatar desejos expressos do paciente
MARIA DE FÁTIMA FREIRE DE SÁESPECIAL PARA A
FOLHA
http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/1146251-analise-tendencia-mundial-e-acatar-desejos-expressos-do-paciente.shtml
É comum acompanharmos no noticiário a manifestação da vontade de pessoas que, em perfeito estado de consciência mental ou mesmo quando representadas por outrem, imploram que lhes seja permitido o exercício da autonomia para morrer.
Em casos como o da americana Terri Schiavo (1963-2005), foi necessária a reconstrução judicial da vontade porque ela era incapaz de expressar quaisquer contatos, cognitivos ou emotivos.
Sua sobrevivência estava assegurada pela alimentação e pela hidratação artificial por sonda.
Terri poderia ter feito seu "testamento vital". A experiência americana é avançada, e isso é comprovado pelo texto normativo intitulado "Patient Self-Determination Act" (PSDA, ou Ato de Autodeterminação do Paciente), que entrou em vigor em 1º de dezembro de 1991.
O PSDA reconheceu a autonomia privada do paciente, inclusive para recusar tratamento médico. Os centros de saúde, quando da admissão do paciente, registram as objeções dele a tratamentos em caso de incapacidade de exercício da própria autonomia. São as chamadas "advance directives".
A justificativa para o aparecimento dessas "diretivas antecipadas de vontade" era a limitação da intervenção médica não curativa a certas situações terminais ou de inconsciência irreversível.
Hoje, as diretivas têm a função de dar ao paciente o poder de recusar tratamentos e de escolher, dentre aqueles possíveis, o que lhe convém.
Esse instrumento serve para a manifestação de vontade para o futuro, em caso de estado de inconsciência.
INCIPIENTE
No Brasil, o tema ainda é incipiente, ao contrário de países como França, Espanha e, recentemente, Portugal.
Não há legislação sobre a questão. O que existe são as resoluções do Conselho Federal de Medicina, a nº 1.805, de novembro de 2006, que regulamentou a suspensão de procedimentos que prolonguem a vida do doente terminal e, agora, a nº 1.995, com critérios para os limites terapêuticos na fase final.
Contudo, a resolução não cria o direito, mas regula o exercício da profissão. Uma possível recusa do médico no cumprimento das determinações do paciente não gerará ilícitos penal e civil, mas apenas sanção de natureza ética.
Mesmo assim, na esteira do que vem ocorrendo no mundo, é bem possível defender juridicamente a validade das diretivas como manifestação escrita, feita por pessoa capaz que, de maneira livre e consciente, determina suas opções e seus desejos, que devem ser respeitados. E, sendo uma manifestação de vontade livre, ela poderá ser revogada a qualquer tempo.
MARIA DE FÁTIMA FREIRE DE SÁ é doutora em direito constitucional pela UFMG, coautora do livro "Autonomia para Morrer: Eutanásia, Suicídio Assistido e Diretivas Antecipadas de Vontade" e professora de direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
DÉBORA MISMETTIEDITORA-ASSISTENTE DE "CIÊNCIA+SAÚDE"
http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/1146792-estou-preparando-a-minha-morte-do-jeito-que-eu-quero.shtml
A aposentada Celina Maria Rubo, 71, decidiu pôr no papel suas vontades para o fim da vida depois que a mãe faleceu, há três anos.
Ela escolheu um primo como responsável por decidir sobre um tratamento específico ao qual não quer ser submetida.
"Minha mãe teve obstrução intestinal há seis anos. O médico queria operá-la e nós [os filhos] achamos que ela não deveria passar por uma situação como essa no fim.
Ela teria seu intestino retirado, ficaria com aquela bolsinha (de colostomia). É horrível. Não deixamos. Ela viveu por mais três anos com boa qualidade de vida, foi tratada com remédio paliativo.
| Adriano Vizoni/Folhapress | |
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A aposentada Celina Maria Rubo, 71, em sua casa, em São João da Boa Vista |
Depois, descobri que eu tenho o mesmo problema, uma obstrução parcial do intestino e diverticulite. Estava morrendo de medo de ser operada à minha revelia.
O médico disse: 'Se você chegar no hospital desmaiada, em coma, a gente opera'. Mas eu não quero! Achei que deveria haver um jeito de ter minha vontade cumprida.
Pode operar pulmão, coração, cabeça. Só não pode operar o meu intestino. Até o nome da cirurgia está determinado no documento.
O maior problema foi encontrar alguém responsável em caso da minha incapacitação. Meu filho não quis nem ver. Meu irmão também não, irmã, nem pensar. Sobrinhos também não.
Disseram que gostam demais de mim para falar da minha morte.
Meu primo acabou aceitando. Tem de ser uma pessoa com muita força para lutar contra o resto da família.
O documento ficou pronto na semana passada.
Deixei também uma poupança para a minha cremação. Estou preparando minha morte do jeito que tem que ser.
A gente tem de encarar a morte de forma racional. Não estou doente, cuido bem do meu intestino, meu médico é bom, mas acho que a gente tem de preparar o fim.
Temos uma cultura que tenta esquecer que a morte vem. A morte é a única coisa certa. Por que não preparar uma morte boa?
Vivemos bem, por que não morrer bem?"