Cetas não é reformado desde que foi criado,
em 2004. (Foto: Jonathan Lins/G1)
Solturas de animais no habitat natural, fiscalização, monitoramento e controle da fauna e da flora, licenciamento ambiental para empreendimentos e transportes de cargas perigosas, cadastro federal. Esses são os “carros-chefes” entre as muitas atribuições do Instituto Federal do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) em
Alagoas, na missão de dar cumprimento e fazer valer as políticas públicas nacionais do meio ambiente.
Em Alagoas, somente no ano passado, cerca de cinco mil animais deram entrada no Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) do Ibama. O local funciona como uma unidade hospitalar responsável pelo recebimento, triagem, identificação, avaliação, reabilitação e recuperação de animais silvestres que chegam por meio de apreensões, entrega voluntária ou capturas.
Entretanto, a infraestrutura do centro e os recursos humanos, ou seja, o quadro de funcionários para realizar os procedimentos necessários, parecem não acompanhar a demanda do instituto e acaba resultando, muitas vezes, em fugas dos bichos, falta de qualidade na identificação das espécies e na perda de prazos de processos licitatórios, gerando o não aproveitamento dos recursos destinados ao órgão.
Telas grandes de viveiros e jaulas enferrujadas
devido à ação do clima. (Foto: Natália Souza/G1)
“Desde que foi construído, o Cetas não recebeu uma única reforma ou manutenção. As jaulas e viveiros enferrujam, então as fugas são constantes. Na semana passada, duas aves e um réptil fugiram. Os riscos existem, mas aqui são exacerbados pela falta de manutenção. Não há depósito para o nosso próprio material, temos muitas doações de criadores que ficam vulneráveis”, afirmou o médico veterinário e analista ambiental do Ibama, Marius Belluci.
A ousadia dos criminosos, somada à uma vigilância carente resulta em tentativas, ora frustradas, ora com êxito, de roubos e caça dentro do próprio território do Ibama, que tem cerca de 55 hectares no estado. “No início da semana, um rapaz foi pego pelo vigilante tentando roubar carvão mineral que havia sido apreendido em uma operação”, contou o chefe da Divisão Técnico Ambiental do Ibama, Rivaldo Couto.
Apesar das aparentes deficiências estruturais, que muitas vezes são supridas por parcerias com criadores, ONGs e principalmente através de termos de cooperação entre os âmbitos federal, estadual e municipal, a maior preocupação realmente é em relação à carência de pessoal.
Jaulas e armadilhas apreendidas são visadas
por assaltantes. (Foto: Natália Souza/G1)
Segundo Couto, Alagoas conta com apenas nove agentes ambientais federais para cobrir e fiscalizar todo o estado. “Contamos com nove agentes e isso é muito pouco. O número ideal é praticamente impossível na realidade em que o Brasil vive, mas poderíamos avançar muito se tivéssemos, no mínimo, mais 40 agentes federais”, afirmou.
“São quatro viaturas equipadas para a fiscalização exclusiva. O número de carros atende ao número de agentes, mas se fosse aumentar o efetivo, teria que ter mais carros também. Todo dezembro fazemos o planejamento do ano seguinte inteiro e sabemos todas as ações que devemos desempenhar no ano seguinte. Claro que tem atividades de rotina, 90% das ações que realizamos são dentro do planejamento. Nessas atividades extras, contamos com apoio de agentes ambientais de outros estados e nas fiscalizações integradas do estado e do município contamos com uma ajuda significativa do Batalhão de Polícia Ambiental (BPA) que praticamente dobra o efeito”, completou Couto.
Já o Cetas possui três tratadores terceirizados, mas segundo Belluci, responsável pela coordenação do centro, o ideal seriam quatro. “A estrutura do Cetas é composta por um analista ambiental, que sou eu, dois técnicos ambientais e um técnico administrativo. Temos três tratadores terceirizados, mas o ideal seria ter mais um. O mais adequado era o Cetas ter dois veterinários e dois biólogos”, afirmou.
Segundo veterinário Marius Belluci, Centro de Triagem faz trabalho de Centro de Reabilitação. (Foto: Natália Souza/G1)
Para o veterinário, a falta de substituição devido à não realização de concurso público é preocupante e prejudica as atividades do órgão. “Alagoas é uma superintendência pequena e boa parte da equipe está em fase de aposentadoria. Essa falta de reestruturação vem nos preocupando, pois não vislumbramos uma solução imediata para essa situação, ou seja, não vejo essas pessoas sendo substituídas”, disse.
“No ano passado, por seis meses um processo de compra de ração andou vagarosamente por falta de pessoal na parte jurídica e administrativa. Perdemos o prazo do processo, simplesmente expirou e ficamos sem comprar. Quem acaba se prejudicando são os animais. Não é que há um descomprometimento especificamente com esse setor, perdemos essa licitação de ração e podemos perder a de ar condicionado também, mas no Cetas é mais urgente, porque lidamos com vidas”, destacou.
Aves silvestres e outros tipos de animais são reabilitados pelo Cetas (Foto: Natália Souza/G1)
Regimento e ausência de concursos
Para Belluci, o problema de falta de pessoal qualificado é devido ao regimento dos concursos e esse não é um problema exclusivo de Alagoas, mas acontece em todo o país. “Aqui no Cetas de Alagoas tem um veterinário e não tem nenhum biólogo. No Cetas da Paraíba tem três biólogos e não tem veterinário. É descompensado. Em Brasília não tem nem veterinário, nem biólogo. Porque que isso acontece? Quando você faz concurso no Ibama, você faz para o cargo de analista ambiental, que só exige nível superior, mas qualquer pessoa, independente da formação pode preencher a vaga”, afirmou.
“Eu sou veterinário de formação e trabalhei a vida inteira com animais silvestres, em zoológicos particulares, clínicas. Isso é uma raridade, porque quando existem analistas ambientais nas sedes, a maioria não trabalhou com isso nunca, ou seja, ser veterinário não me ajudou a chegar até aqui, mas é fundamental para o trabalho desenvolvido no Cetas”.
A problemática, segundo Belluci, é devido à falta de uma política de estado. “O meio ambiente deveria ser tratado como política de estado, ou seja, imune a mudanças de governo. Mas o Ibama hoje é órgão de arrecadação. Os setores de licenciamento ambiental nas superintendências são lotados, mas aqui no Cetas há gastos, então não é prioridade. O cetas teria condições de dar mais retorno à sociedade, mas precisaria ter mais gente, não é questão de dinheiro”, destacou.
Couto afirmou que o planejamento enviado para a sede em Brasília pleiteia verba para ampliação e reforma do Cetas. “Não sei se a ampliação vamos conseguir, mas acho que o recurso para a reforma sim. Temos algumas prioridades em nível estadual, mas quando chega em Brasília eles fazem alguns ajustes. Priorizam recursos para outros estados em situação piores”, afirmou. “Contamos com a parceria do estado, através do termo de cooperação, e a proposta é construir o Centro de Reabilitação, que é feito no próprio Cetas, aqui no Ibama, mas gerido pelo estado”, disse Couto, ressaltando que depois da Lei complementar 140 de 2011, a responsabilidade da autorização para criação de animais silvestres, até hoje feita pelo Ibama, ficou por conta do estado e que ainda está em período de transição.
Animais eram comercializados ilegalmente após
serem desviados. (Foto: Divulgação/Ascom Ibama)
Mecanismos contra fraudesEm dezebro do ano passado, investigações da Polícia Federal apontaram que funcionários do Ibama estariam desviando animais silvestres do Cetas para serem comercializados no mercado irregular. A PF deflagrou uma operação para cumprir cinco mandados de condução coercitiva e seis de busca e apreensão na região de
Maceió.
Segundo a PF, a quadrilha contava com a participação de prestadores de serviço (tratadores e vigilantes) e de um ex-estagiário do órgão federal. As investigações iniciaram a partir de informação do Ibama, que deu apoio a Operação Eleutheros. Informações indicaram que o grupo agia de duas maneiras: apropriando-se e retirando os animais do CETAS sem conhecimento e autorização do órgão e simulando solturas.
Para Belluci, as fraudes seriam evitadas se o Ibama disponibilizasse anilhas para identificação dos animais. "Se a identificação da espécie fosse feita de maneira correta e tivesse anilhas nas patas dos animais, não teria problema de entrar um sabiá e sair um urubu, pois a identificação seria feita por números", disse.
Couto afirmou que desde que houve a denúncia, o órgão adotou medidas contra fraudes. "Afastamos todos os envolvidos, centralizamos os registros de entradas e saídas de bichos em um livro só, pois o livro da portaria era o maior foco de fraude. Além do mais não recebemos mais animais a qualquer hora, somente em horário comercial".