“Quando se trata de como os humanos exploram os  animais, o reconhecimento de seus direitos requer abolição, não reforma  (…)
verdade dos direitos animais requer jaulas vazias, não mais  espaçosas”.
(Tom Regan, Jaulas Vazias)
Como bióloga e educadora, sempre acreditei nos zoológicos como ferramenta  deseducativa.
Meu repúdio a esse tipo de atividade fez com que eu me afastasse, durante  anos, de uma visita a esses verdadeiros redutos de infelicidade animal. Tive a  oportunidade de fazer uma visita técnica a alguns desses redutos recentemente  (há menos de uma semana, para ser mais exata). Assim como a aquários,  oceanários, serpentários e afins. Foi um tour dos horrores,  considerando toda minha aversão a qualquer forma de confinamento animal para a  satisfação de egos humanos.
Mas, com o passar do tempo, minha aversão, que antes era representada pela  negação, foi substituída pela coragem de encarar os fatos como eles são: os  animais sofrem. Ao nosso lado. Todos os dias. E nos fazem, a todo o tempo, um  apelo silencioso. Não é possível ignorar essa realidade pelos melindres de não  querer sofrer, de não querer olhar.  O sofrimento deles é infinitamente  maior.
Nessa visita técnica, foram incluídos locais aos quais os visitantes “comuns”  não têm acesso, como cozinhas, biotérios, áreas de cuidados veterinários etc.  Fui convidada por uma colega de trabalho a conduzir com ela (que também não é fã  de zoológicos) a visita (sou professora universitária) e temos uma turma em  comum, a qual nos acompanhou. A curiosidade de saber a quantas anda a exploração  legitimada dos animais que tiveram sua liberdade sequestrada, na prática foi um  dos fatores que me levou a decidir ir.
Outro fator importante foi a certeza de ter minhas concepções biocêntricas  renovadas. Mesmo à custa do meu sofrimento. Banal, como já mencionei, perto do  sofrimento de inúmeros animais que lá encontrei.  Antes de “ver” os animais e  durante as “visitas”, em todos os locais, há uma explanação teórica/logística  por parte dos monitores. Parece que são treinados todos no mesmo lugar, pois as  frases feitas a respeito do bem-estarismo animal são quase idênticas. Tais  explanações me remetiam inevitavelmente ao Ensaio sobre a Cegueira, de  Saramago. Pensava: as pessoas estão mesmo acreditando nisso? (Acho que vou  escrever um Ensaio sobre a surdez). Outro pensamento recorrente: na  ocasião de uma palestra do Seminário da Agenda 21, no Paraná, em 2009, a  filósofa Sônia Felipe mencionou a seguinte frase: “bicho não é vitrine de  shopping”. Considerei extremamente relevante. Me fez pensar além.
Zoológicos com objetivos de recuperação e reintrodução de espécies no meio,  sem exposição ao público, que respeitam o que o animal nasceu, de fato, para  ser, merecem nosso reconhecimento. Não são, infelizmente a maioria deles. A  maioria ainda se baseia em concepções especistas e antropocêntricas para  justificar sua existência e consequente sofrimento animal. Algumas falácias são  facilmente identificadas no discurso daqueles que defendem o zoológico “vitrine”  como “ferramenta educativa”. Aliás, podemos, sim, fazer dos zoológicos,  ferramentas extremamente educativas se mudarmos a análise e a perspectiva.  Analisando sob a ótica da ética biocêntrica, podemos enumerar algumas falácias  que são repetidas como mantras a respeito dos animais confinados. Vamos a  algumas delas:
- “O Zoológico é importante porque nós devemos conhecer as espécies para  preservar/respeitar”.
Essa concepção traz embutida a desculpa de que só é possível preservar uma  espécie a partir do momento em que a conhecemos. Se a concepção biocêntrica  predomina, o simples fato de o animal existir já é um pressuposto que  justificaria o respeito por ele. E só. Eu não conheço nenhum africano, por  exemplo, mas não preciso fazê-lo para só depois respeitá-lo. Nunca conheci um  urso-polar, um tigre de bengala, uma perereca amazônica ou uma orca. Mas o fato  de não vê-los ao vivo não me impede de respeitá-los pela sua essência.
- “O Zoológico é imprescindível para estudarmos o comportamento dos  animais”.
Só se for para estudar neuroses de cativeiro. Qualquer pessoa com noções  básicas de biologia sabe que o comportamento de animais em cativeiro não é o  mesmo que o animal apresentaria no seu meio natural. Tenho muito respeito por  estudos comportamentais. Mas por aqueles que são feitos no habitat natural do  animal. Esse argumento não sustenta a existência desse tipo de zoológico.
- “O Zoológico é importante para a reprodução e para salvar as  espécies”.
Primeiro: a maioria dos animais reproduzidos em cativeiro é reproduzida para  esse fim: permanecer em cativeiro. Não para ter devolvido o que lhe foi negado  desde as gerações anteriores: sua liberdade. Há, entre os zoológicos, uma  espécie de escambo de espécies, onde os animais são intercambiados. Faltou uma  girafa no zoológico “x”? Já está nascendo uma no Zoológico “y”. Será separada de  sua mãe e destinada ao zoológico “x” como animal de exposição. Segundo: privado  da convivência com seus iguais e de todas as interações que lhe são possíveis em  seu meio natural, ele não é mais do que a sombra dos seus  ancestrais.
- “Mas os animais que nasceram no zoo não sofrem porque não conhecem  outra vida”.
Será que o fato de esse animal ter nascido em cativeiro nos dá o direito de  usurpar sua liberdade mais uma vez e condená-lo a uma vida miserável, privando-o  da sua verdadeira liberdade?
Se houver uma “visita ao zoológico”, com propósitos educativos, que sejam  feitas pelo menos as seguintes perguntas e investigações com os alunos: qual o  habitat natural desses animais? Quais os hábitos desses animais em seu meio  natural? Geralmente são: nadar, correr, voar quilômetros por dia, procurar  comida, defender seu território, interagir com outras espécies e com seus  iguais. E em cativeiro? Quais as mudanças percebidas? Quais os impactos nefastos  nos seus hábitos? Quais as consequências? Um pequeníssimo exemplo, entre tantos  que presenciei: um leão-marinho em seu habitat natural viaja centenas de  quilômetros por dia. Em cativeiro, é condenado a viver em um pequeno tanque,  onde passa o dia circunscrevendo voltas como que para escapar da escravidão sem  fim. Sem falar na obesidade e outros transtornos de comportamento como as já  mencionadas neuroses de cativeiro. Isso nos reporta à falácia seguinte:
- “Aqui no zoológico fazemos o enriquecimento ambiental”.
Esse novo modismo nos zoos (proveniente de um modelo americano) traz em sua  proposta a introdução de diferentes estímulos no cativeiro para que animais não  desenvolvam comportamentos repetitivos e neuróticos como automutilação,  coprofagia etc. Certamente, estímulos são melhores que a estagnação a que esses  animais são condenados. Mas deve-se sempre questionar: a reabilitação e a  devolução da liberdade que lhes foi negada não seria infinitamente melhor? O tão  prestigiado enriquecimento ambiental não seria mais um engodo para justificar a  perpetuação do cativeiro e de interesses escusos?
- “Hoje não existem mais jaulas nos zoológicos”.
Ouvi diversas vezes essa frase dos monitores que nos acompanharam. Em vários  lugares. Basta uma breve visita para, novamente, a perplexidade ao comparar o  dito e o constatado ser inevitável. O ápice do menosprezo à inteligência dos  presentes. Percebe-se, claramente a existência de cercados mínimos de aço,  alumínio, terrários, aquários e paredes de vidro fazendo as vezes de jaulas. Mas  pergunto: não seria infinitamente melhor que jaulas, aquários, terrários e afins  estejam para sempre, vazios?
- “A alimentação é balanceada”.
Isso pode soar muito bem aos ouvidos antropo e ecocêntricos. Mas nos ouvidos  biocêntricos e abolicionistas dói. Até fisicamente. Uma frase que ouvi da  monitora: “Os zootecnistas que trabalham no zoo e cuidam da alimentação dos  animais acham que os psitacídeos silvestres são uns chatos porque são muito  exigentes, não comem qualquer coisa”. Ora, o que diriam os psitacídeos se  falassem? “Chato” seria um adjetivo no mínimo elegante para qualificar quem os  trancafia em um viveiro, obrigando-os a uma “loteria gastronômica”, forçada e  diferente de sua alimentação natural.
E nem tecerei aqui comentários a respeito do estresse gerado para o animal  decorrente das barulhentas “visitas”. É desnecessário.
Os animais em zoológicos são a ponta do iceberg dessa empresa. Por  trás há inúmeros fatores que formam uma cadeia de horrores para outras espécies  também. Uma delas é a existência de biotérios, terceirizados ou dentro dos  próprios zoos, que são lugares específicos onde são criados animais vivos para  alimentar os animais cativos. No Brasil são criados, para esse fim, ratos,  porquinhos-da-índia, gansos, pintinhos etc.
Esses seres vivos, considerados “alimento” no contexto, são manipulados,  criados e administrados com a naturalidade de quem dá uma banana a um macaco.  São “coisas” como regem os preceitos do antropocentrismo e do especismo. Os  ecocêntricos dirão que é muito boa essa preocupação com a alimentação dos  animais. E que não há dilemas morais, pois na natureza existe a relação  predador/presa. Sim. NA NATUREZA. Mas, novamente a pergunta que se deve fazer é:  Não existir animais enjaulados não seria infinitamente melhor?
Outro fenômeno que ocorre na maioria dos zoológicos e, confesso, para mim é  novidade: a distinção entre “animais em exposição” e “animais excedentes”. Os  animais em exposição (no contexto, como se fossem agora, peças de uma galeria de  arte) são aqueles que o público enxerga. Aliás, a maioria deles é recolhida à  noite, gerando mais estresse. Os “animais em exposição” ficam nas partes  divulgáveis do zoo.
Nas áreas que estão longe dos olhos do público, existem pequenas jaulas com  os “animais excedentes”, ou seja, os que sobraram da reprodução em cativeiro, ou  de trocas com outros zoológicos. Ou até mesmo os animais doentes ou que  desenvolveram a (novamente ela) neurose de cativeiro. Claro que não é  conveniente que o público tenha contato com comportamentos como automutilações,  coprofagia, canibalismo e outros desenvolvidos em animais privados de sua  liberdade. A visão desses comportamentos pode começar a atenuar a “cegueira  conveniente” do grande público. Não é recomendável.
Nessas áreas, até são permitidas visitas técnicas. Mas são terminantemente  proibidas fotos e filmagens, por razões óbvias aos olhos da ética biocêntrica.  Uma das monitoras, quando questionada sobre o porquê de as fotos serem  proibidas, disse não saber. Fiquei me questionando se a resposta foi  estratégica, se foi repetida como mantra, se ela simplesmente não se importa, ou  se a cegueira a acomete também. Nas áreas dos “animais excedentes”, foi possível  observar em vários zoológicos que o espaço em que os animais estão confinados é  bem menor que o dos animais “em exposição”. Logo nos perguntamos: o que dizer da  preocupação com o “bem-estar animal”, ou com “enriquecimento ambiental” para os  animais dessas áreas? Também não obtive respostas convincentes. Só evasivas. Não  insisti mais porque as respostas ficaram óbvias demais.
Na esteira dos zoológicos, seguem aquários, serpentários, oceanários, circos,  projetos de “preservação” etc. que, pela tradição antropocêntrica, possuem um  propósito educativo “inquestionável”. Mas basta um breve passeio, com esse olhar  biocêntrico, diferente do que nos foi imposto a acreditar a vida toda, para que  o apelo silencioso e profundo de cada animal se faça presente e toque fundo  nossa alma toda vez que visitarmos um zoológico ou algo semelhante. Essas  mudanças de perspectiva, segundo Arthur Conan Doyle, equivalem a uma conversão  religiosa: nada mais será visto da mesma maneira que era antes.
Mesmo com todas essas “justificativas”, que sob minha perspectiva não passam  de falácias, ainda acredito que o “simples” fato de um animal ter sua liberdade  restringida, impedida, sequestrada para a concepção medieval de satisfazer as  curiosidades e prazeres humanos, é a base do meu repúdio a esse tipo de  exploração, sem mais considerações.
Mas a esperança se renovou quando vi a reação da maioria dos meus alunos,  acadêmicos de Licenciatura em Ciências Biológicas, durante a visita. Quando  ouvi, em cada comentário, a indignação, a revolta e a preocupação de fazer uma  abordagem ambiental realmente crítica na escola. Quando vi em cada rosto a  angústia pelos animais e a cegueira se dissipando, pensei: é um trabalho que  vale a pena. Pois não deixo de mencionar em minhas aulas a importância de se  olhar o outro lado. Por isso acredito na chamada Educação Ambiental Biocêntrica.  E libertária. Com as pessoas livres para optar pelo modelo de ética que pautará  sua passagem pela Terra. E essa escolhameus alunos fizeram por si. Não foi  imposta. Em sua formatura, não farão de seu juramento outra falácia:
“Juro, pela minha fé e pela minha honra e de acordo com os princípios éticos  do biólogo, exercer as minhas atividades profissionais com honestidade, em  defesa da vida, estimulando o desenvolvimento científico, tecnológico e  humanístico com justiça e paz”. (enunciado regulamentado pelo Conselho Federal  de Biologia – Decreto nº 88.438, de 28 de junho de 1983). “Defesa da vida” e  “justiça e paz”, entende-se, para todas as espécies.
Enquanto houver zoológicos, aquários, serpentários do tipo “vitrine”, espero  que existam educadores como meus alunos (que ainda não se formaram, mas já são  biólogos de coração), capazes de fazerem com seus alunos excursões a esses  verdadeiros infernos (para os animais), capazes de realizar essas visitas com  vistas à ação.  Capazes de conduzir uma discussão sob outra ótica, sob outra  ética.
Marcela Teixeira Godoy – Bióloga e Professora  Universitária.