sábado, 4 de maio de 2019

A engenharia precisa estar onde o povo está

A engenharia precisa estar onde o povo está

Fonte: http://www.seesp.org.br/site/index.php/comunicacao/noticias/item/18220-a-engenharia-precisa-estar-aonde-o-povo-esta

Rosângela Ribeiro Gil


Ele tem 62 anos de idade e há 34 é engenheiro na Prefeitura do Município de São Paulo, e está prestes a se aposentar. Frederico Jun Okabayashi formou-se em Engenheira Civil pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em 1979. Antes do serviço público, trabalhou, logo que se formou, na iniciativa privada. “Fui para Recife trabalhar na construção de Suape (complexo portuário e industrial de Pernambuco) empregado numa multinacional japonesa.” Esse contato, avalia, lhe trouxe uma experiência forte na área, porque “a engenharia japonesa já era muito avançada na questão da organização, disciplina e resiliência”.

Frederico, todavia, se “encontrou” no fazer a profissão no setor público. “Consegui unir a técnica ao meu dever humano de oferecer o meu trabalho de forma correta e responsável para a sociedade”, observa com muita retidão e certeza. Para ele, esse conhecimento técnico precisa estar “onde o povo está”. “Nas ´cidades invisíveis´, aquela onde os moradores da periferia sofrem e não aparecem como deveriam”, indica.

É esse, inclusive, o legado que ele quer deixar às novas gerações de profissionais que venham a ocupar o cargo de engenheiros nas administrações públicas, em todos os níveis de governo (federal, estadual e municipal). “O povo precisa da engenharia humanizada”, enfatiza.

Diplomado na área, qual foi o seu primeiro emprego?
Quando me formei o País também estava em crise econômica. Consegui uma oportunidade de trabalhar na área somente numa multinacional japonesa lá no porto de Suape, no Recife (PE), que estava ainda na fase de projeto e licitação. Trabalhei com dragagem de portos. Fiquei um ano e meio por lá. Tive facilidade para a vaga por conta do idioma japonês. Aprendi muito com eles (os japoneses).


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Depois de Suape, como você ficou?
Fiquei desempregado e voltei para São Paulo, trabalhei como autônomo na área. Depois prestei o concurso público para engenheiro da Prefeitura do Município de São Paulo. Fui aprovado em 1984 e tomei posse em julho de 1985.


Como foi ser engenheiro no poder público da grande metrópole brasileira?
Comecei com manutenção de prédios escolares. À época, eram 675 escolas, hoje tem mais de 3 mil. Fazia vistorias. Éramos dez engenheiros, e acabamos nos especializando em manutenção predial.


Como você se reinventou durante esses 34 anos de prefeitura?
Foram em dois momentos especificamente. O primeiro foi com a necessidade de fazer um curso de Direito na FDSBC (Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo), em 1994, para me defender porque acabei sendo perseguido após enfrentar a corrupção no cumprimento do meu dever de ofício. E, depois, quando me tornei delegado sindical do Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo (SEESP), em 2013, para lutar pela valorização da nossa carreira.


Quais projetos inovadores desenvolvidos na sua atividade junto à Prefeitura de São Paulo?
Tivemos diversos momentos nessa questão. Na Secretaria de Educação, por exemplo, elaboramos um manual de manutenção de prédios escolares. Na Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente, conseguimos implementar a operação defesa das águas; na da Habitação, o antigo Contru (Departamento de Controle do Uso de Imóveis), foi o RIA online, que é o Relatório de Inspeção Anual de Elevadores. Os engenheiros da casa desenvolveram com a Prodam (Empresa de Tecnologia da Informação e Comunicação do Município de São Paulo) um sistema de cadastramento e controle de segurança de elevadores pela internet. Os responsáveis técnicos das empresas cadastravam os elevadores e conseguimos acabar com as empresas clandestinas de manutenção desse equipamento. Eram quase 80 mil elevadores na cidade. O número de acidentes reduziu muito.


Outra atuação importante foi no Serviço Funerário do Município de São Paulo com a humanização do trabalho devido à aquisição de quatro miniescavadeiras. Isso melhorou a produtividade e as condições de trabalho dos funcionários do setor. Manter a saúde e segurança dos trabalhadores foi fundamental. Também modernizamos e pintamos as salas de velório com diversas cores como o Araçá, e isso agradou muito as famílias dos homenageados, antes era tudo “apagado”.

Por que a engenharia pública é importante para o desenvolvimento das cidades?
Na Secretaria do Verde e do Meio Ambiente conseguimos trazer aos poucos a discussão da construção sustentável, desde 2012, que visa o baixo custo de manutenção, como a eficiência energética e o uso racional da água. Tudo isso é muito trabalhado e adotado nos órgãos públicos, mas existe um tempo diferente com relação à iniciativa privada por conta da lei das licitações. Tivemos inovações que partiram do setor público, como a iluminação LED que começou a ter uma aceitação maior por conta da iniciativa do poder público nas vias da cidade. Isso trouxe também uma economia considerável no consumo de energia elétrica e fez com que a população acreditasse mais nessa tecnologia.


Tudo está atrelado à questão do custo e benefício. Mas a engenharia é muito importante porque o mundo está globalizado, e a tendência é termos cidades sustentáveis e inteligentes. A engenharia pública está sempre presente nas ações da administração pública.

A engenharia no setor público é devidamente valorizada?
Não. Isso se deve a diversos fatores: as chefias muitas vezes não são do ramo, não são profissionais concursados, então, todo acervo técnico é limitado a uma determinada gestão. Não existe memória do trabalho realizado durante os quatro anos de um mandato. Não se avança como deveria por conta dessa interrupção. Mas temos uma Secretaria Municipal de Inovação e Tecnologia que traz um processo voltado à informática e às mídias sociais que podem tornar os avanços irreversíveis. Precisamos ter a consolidação desse trabalho.


Nesse sentido, vemos o quanto é importante a proposta de criação da carreira de Estado para a engenharia. Projeto que tramita há anos no Congresso Nacional.
Sim. Manteríamos, assim, os técnicos à frente dessas ações, com autonomia para decidir o chamado Ato Discricionário Técnico, e não ficar um projeto ou obra nas mãos de alguém fora da área. Teríamos a independência para atuar em diversos órgãos públicos, em todos os níveis de governo (federal, estadual e municipal). Hoje, quem discute sobre isso quando ocorre um acidente são os Promotores de Justiça, mas quem deveria decidir é o profissional da Engenharia. Tudo em prol da sociedade e da engenharia nacional também.

Qual o legado que você quer deixar às gerações futuras?
Que os engenheiros entendam que a nossa profissão é muito importante para os moradores da periferia. É para eles que trabalhamos, para quem mora em área de risco, de enchentes, de desmoronamento, onde não tem infraestrutura. São eles que mais precisam da nossa engenharia. Deixo essa mensagem: que eles continuem trabalhando para proporcionar melhor qualidade de vida para esses moradores carentes.


A engenharia precisa ser o viés socioambiental: voltado ao meio ambiente e às pessoas que não têm moradia, emprego, saúde, educação e habitação. Que estão marginalizadas. É importante trabalhar com essa perspectiva de que a cidade, o Estado e o País cresçam para melhorar a qualidade de vida de toda a população. A engenharia é pragmática acima de tudo.

Foto: Beatriz Arruda/SEESP
600 Itaim Paulista OportunidadesRegião do Itaim Paulista sofre com falta de infraestrutura e é atingida por enchentes regulares.

O que é a cidade invisível?
É aquela em que os moradores da periferia sofrem e não aparecem como deveriam para o poder público. Isso não é contabilizado em nenhuma estatística formalmente, só querem mostrar as pontes, os viadutos, a Avenida Paulista e outras edificações. A parte que ninguém quer ver é que chamo de cidade invisível. Uma população que só tem “valor” em época de eleição.


Você pode nos contar a história de um prefeito lhe chamar de “barão vermelho”?
Foi quando fazia a interdição de escolas por riscos iminentes de ruptura, principalmente escolas infantis e também muros de arrimo. À época, o prefeito era Jânio Quadros (1986-1989). Ele chegou a montar uma junta técnica para avaliar as minhas decisões. A junta confirmou que elas estavam corretas. Meu chefe perguntou qual o critério que utilizava para esses encaminhamentos de interdição. Respondi que usava dois: o técnico, claro, porque eu tinha trabalhado com cálculo de estruturas, identificava a gravidade do problema na estrutura; e o outro é o humanístico, eu sempre pensava se tinha coragem de deixar minhas filhas estudando naquela escola. Eu não pensava duas vezes: preenchia o termo de interdição e pedia para a diretora esvaziar a escola. Hoje não temos mais essa autonomia.


Uma vez, interditei um muro de arrimo junto à quadra de esportes de uma escola municipal, numa sexta-feira; na segunda-feira fiquei sabendo que o muro ruiu devido a chuvas no domingo. O engenheiro público tem a responsabilidade de tomar uma atitude efetiva, é o ato discricionário técnico, o que não temos mais. Hoje temos de fazer o encaminhamento via chefia, por meio de memorando e ofício para os órgãos competentes para providências.

Nunca tive dúvida qual decisão tomar entre colocar em risco a população e ser questionado depois; prefiro a segunda opção. Durante a minha carreira sempre agi dessa forma, e tudo dentro da boa técnica, legalidade e interesse público.