A prefeitura de Nova York determinou na sexta-feira a retirada de mais de 250 mil pessoas e se prepara para tirar todos os transportes públicos de circulação -- duas medidas inéditas causadas pela aproximação do furacão Irene.
A tempestade, violenta e excepcionalmente grande, já causa efeitos na sexta-feira na Costa Leste dos EUA, ameaçando uma área onde vivem 55 milhões de pessoas - sendo 8 milhões só em Nova York. Há previsão de fortes ventos na noite de sábado ou na manhã de domingo.
O prefeito Michael Bloomberg determinou que pessoas que moram em áreas baixas - o que inclui a região financeira de Wall Street e seus arredores, em Manhattan - deixem suas casas até as 17h de sábado (18h em Brasília). A partir de sexta-feira, haverá 91 albergues abertos.
Os transportes públicos começarão a parar a partir das 12h de sábado (hora local), mas o processo pode levar oito horas pra ser concluído. As pontes que dão acesso a Manhattan também serão interditadas se os ventos superarem 96 quilômetros por hora.
"Nunca fizemos uma evacuação obrigatória antes, e não a faríamos agora se não achássemos que esta tempestade tem o potencial para ser seriíssima", disse Bloomberg a jornalistas.
O governador de Nova York, Andrew Cuomo, mobilizou 900 agentes da Guarda Nacional. Empresas aéreas retiraram seus aviões da zona de risco e cancelaram pelo menos mil voos. Os quatro zoológicos da cidade estocaram ração para os animais.
A polícia preparou uma frota de lanchas para resgatar moradores da orla que fiquem ilhados pela ressaca, que pode ser agravada ao coincidir com a maré alta.
As zonas de retirada ficam principalmente na orla marítima e fluvial de Nova York - cidade construída sobre ilhas e penínsulas, cercadas por rios, estuários e mar aberto.
No bairro de Rockaways, no Queens, que fica à beira-mar, Destiny Crespo, de 19 anos, se dispunha a desafiar as ordens de retirada. "Não importa o que aconteça, vamos colocar tábuas nessas janelas, vamos continuar aqui... Vou encarar isso feito surfista", disse.
Mas sua mãe, Genevieve Crespo, de 42 anos, estava mais preocupada. "Sou deficiente. Como vou pegar o trem com os meus netos? Não temos ideia de aonde ir ou o que fazer", queixou-se.
A rigor, quem desafiar a ordem de retirada pode levar multa de até 500 dólares, ou passar 90 dias na cadeia. Mas Bloomberg disse que o objetivo é proteger as pessoas, e não puni-las. "Ninguém vai ser multado, ninguém vai ser preso. Mas, se vocês não seguirem isso, pessoas podem morrer", alertou.
NOÉ EM WALL STREET
A Bolsa de Nova York está preparando geradores de emergência e estocando combustíveis e alimentos para evitar problemas quando os negócios forem retomados, na segunda-feira. A poucos metros dali, o escritório do Fed (Banco Central) tinha planos para preservar o funcionamento normal dos mercados depois do fim de semana, segundo um porta-voz.
Benedict Willis, diretor de operações do banco de investimentos Sunrise Securities, disse que a Bolsa de Nova York tem a obrigação de abrir na segunda-feira, depois do furacão, porque milhões de investidores dependem das suas cotações. "Mas, se a água subir até aqui", disse ele na sexta-feira, apontando para o movimentado salão do pregão, "aí teremos um problema maior do que eu sou capaz de lidar. Meu nome não é Noé."
Desde 1851, quando começaram os registros, apenas cinco furacões passaram a menos de 120 quilômetros de Nova York, sendo o mais recente em 1985, segundo o site weather.com.
O Irene se aproxima da metrópole apenas três dias depois de um raro terremoto ser sentido em Nova York.
"Somos nova-iorquinos, e somos duros. Gostamos de pensar que somos duros", disse Cuomo. "Mas também somos inteligentes, e é inteligente se preparar. É inteligente desocupar (...), e é inteligente desocupar agora."
Idosos e doentes começaram a ser retirados por um esquema especial já na sexta-feira. No Hospital Coney Island, ambulâncias transferiam 250 pacientes para outras unidades, numa operação que deve terminar às 20h.
Uma montanha-russa ironicamente chamada de Cyclone - que está na rota direta da tempestade, segundo algumas previsões - continuava deixando usuários de cabelo em pé na sexta-feira, mas vai fechar no domingo, quando estão previstas as chuvas mais fortes.
"Achei que queria vir andar nessa montanha-russa, e estou feliz por ter vindo, porque (depois da tempestade) ela pode não estar mais aqui", disse o turista Jon Muller, de 29 anos, da Pensilvânia, que foi a Nova York comemorar o aniversário de casamento.
DILEMA RELIGIOSO
Alguns judeus praticantes de Nova York, geralmente avessos a usarem a eletricidade aos sábados, começaram a deixar a cidade já na sexta-feira, para evitar violar as regras religiosas caso precisem de serviços emergenciais ou informações no "sabbath".
"Alguns rabinos estão dando permissão para deixar o rádio ligado no 'sabbath'. Os rabinos estão recebendo muitas ligações hoje", disse Dov Hikind, judeu ortodoxo que é deputado estadual pelo Brooklyn.
Na loja de atacado Costco, no Brooklyn, havia fila em frente à gôndola de água mineral, e alguns carrinhos saíam abarrotados com esse produto.
"Nunca se sabe se a gente não vai precisar. É bom também ter um extra para as crianças", disse Carmen Viera, 63 anos, que levava três caixas de água mineral.
Shows e eventos esportivos já estão sendo vitimados pelos alertas da tempestade. O clássico nova-iorquino de sábado entre Giants e Jets, pela Liga Nacional de Futebol Americano, foi antecipado em várias horas. O time de baseball New York Mets cancelou partidas marcadas para sábado e domingo.
Por outro lado, alguns bares e restaurantes se preparam para um movimento intenso, já que muita gente planeja enfrentar a tempestade comendo e bebendo. O gerente do restaurante Merchants River House, que fica junto à passarela do rio Hudson e dá vista para a Estátua da Liberdade, disse que o estabelecimento continuará aberto durante todo o fim de semana, mas que tomará a precaução de amarrar seus móveis no deque.
"Estamos totalmente abastecidos para o fim de semana", disse o gerente Christian Qualey, "então podemos ser um lugar seguro para as pessoas."
(Reportagem adicional de Jonathan Spicer, Lynn Adler e Jonathan Allen)