terça-feira, 17 de julho de 2012

Governo 'emperra' lei federal antifumo criada há 7 meses


17/07/2012 - 06h30

Governo 'emperra' lei federal antifumo criada há 7 meses


JOHANNA NUBLAT
MÁRCIO FALCÃO
DE BRASÍLIA

Em vigor há sete meses, a lei antifumo nacional --comemorada na época da sanção pelo ministro Alexandre Padilha (Saúde)-- ainda não foi detalhada pelo governo federal.

Sem definições claras do que pode ou não ser feito, e das punições envolvidas, é fácil encontrar exemplos de que a lei "não pegou".
O atraso na regulamentação da lei preocupa entidades da saúde, que temem pressões do lobby tabagista e flexibilizações na norma.
Além de proibir o fumo em locais coletivos fechados, a nova norma federal, que se sobrepõe às estaduais e municipais já existentes, limitou a propaganda do cigarro à exposição dos maços nos locais de venda. Foram proibidos os cartazes e as placas com desenhos e fotos do cigarro.
Folha flagrou situações que, segundo especialistas envolvidos na regulamentação, afrontam a ideia da regra nesses pontos.
Em Brasília, por exemplo, é possível fumar na entrada principal do Congresso e na saída inferior do aeroporto --ambos os locais são cobertos e fechados em duas e três laterais, respectivamente.
Seguindo a lei paulista -em que deve se basear a nacional-, o fumo nesses locais seria proibido porque a fumaça não é dissipada.
Já a outra cena que contraria a nova lei federal pode ser vista em mais cidades, incluindo Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro: em muitos pontos de venda, há placas com propaganda de cigarro.
As legislações estaduais não tratam desse tema, cujo regramento é exclusivo federal, explica Maria Cristina Megid, diretora do centro paulista de vigilância sanitária.

Editoria de Arte/Folhapress
ATRASO
A definição do que será considerado "recinto coletivo fechado" e as novas regras para a propaganda nos pontos de venda deveriam ter saído em março. Esse foi o prazo indicado pelo ministro Padilha em dezembro, mês da sanção.
À época, ele comemorou a aprovação da lei e encomendou a proposta de regulamentação à uma comissão técnica interministerial. Segundo a reportagem apurou, o grupo enviou o texto há dois meses ao ministério, mas este ainda não finalizou a proposta, que deve ser feita por meio de decreto.
A demora inquieta entidades ligadas à saúde, que enviaram uma carta neste mês ao governo cobrando acesso à proposta em gestação e urgência em sua divulgação.
O governo também recebeu cartas de entidades que criticam as novas regras e pedem que a lei seja flexibilizada.
Além de administrar as polêmicas sobre a regulamentação, o governo tem que mobilizar a base aliada para evitar que o Congresso derrube a proibição fixada pela Anvisa de cigarros com sabor.
Procurado, o ministério afirmou que a nova lei não prevê um prazo para regulamentação e que a pasta nunca trabalhou com uma data. Argumentou ainda que o tema é de interesse de várias áreas e, por isso, está em discussão por diferentes ministérios.



17/07/2012 - 07h00

Análise: Atrasar aplicação de medidas é brincar com a vida das pessoas






VERA LUIZA DA COSTA E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA


O governo federal demorou para perceber que Estados como São Paulo e Rio haviam promulgado leis proibindo os chamados fumódromos, espaços para acomodar fumantes inventados por provável influência das fumageiras durante a passagem no Congresso da lei federal 9.294/96.

Esta lei sofreu emendas em 2000, proibindo a publicidade, a promoção e o patrocínio do tabaco, mas de novo por pressão da indústria do setor os pontos de venda ficaram de fora.
Estudo realizado em São Paulo mostrou que não só usuários mas também empregados de bares e de restaurantes se beneficiaram com ambientes completamente livres de fumo.
A poluição foi reduzida e os argumentos de que o setor perdia economicamente com o fim dos fumódromos foram devidamente aposentados.
Mostravam a inutilidade das ações de inconstitucionalidade que a indústria movia contra Estados que em efeito dominó reagiam ao imobilismo federal.
Em dezembro de 2011, o Congresso passou a lei 12.546, aumentando impostos, alinhando o país com Estados que já haviam estabelecido ambientes livres de fumo, além de proibir a propaganda nos pontos de venda, apesar de manter a exposição de produtos de tabaco.
Mas a lei precisa ser regulamentada para ser aplicada e fiscalizada. Há meio ano a proposta de regulamentação vegeta nos gabinetes e não permite medidas que protejam não-fumantes de morrerem por doenças tabaco-relacionadas sem nunca haverem fumado. Também não ajuda na defesa do marketing nos pontos de venda, que continua o mesmo.
O governo brinca com a vida dos outros, quem sabe mais uma vez por pressão da indústria fumageira. Coisa que países como Irlanda, Uruguai e Noruega já não brincam há muito tempo.
VERA LUIZA DA COSTA E SILVA é médica, doutora em saúde pública e pesquisadora visitante da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz