Fonte: http://www.observatorioeco.com.br/a-jurisprudencia-educativa-da-camara-do-meio-ambiente-em-sp/
Autoria: Roseli Ribeiro - 02/05/11 - 16:32  
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A Câmara Reservada ao Meio Ambiente do TJ-SP  (Tribunal de Justiça de São Paulo) existe desde novembro de 2005 e tem como  objetivo examinar e julgar as ações que envolvem os interesses difusos,  coletivos e individuais ligados à defesa do meio ambiente.
As ações mais frequentes estão relacionadas à  recomposição da reserva legal, loteamentos em áreas de mananciais, queima da  palha de cana-de-açúcar, implantação de estação de tratamento de água e esgotos,  ocupação ilegal de áreas de preservação permanente, maus tratos aos animais,  além de execuções fiscais.  
Desde sua instalação até o inicio de abril de  2011 foram distribuídos 10.922 processos, deste total já foram julgados 9.343.  Em média são distribuídos por mês, 160 processos e julgados 215. Em 2005 a  Câmara recebeu 25 processos, já em 2010 foram 2.260.
Atualmente, a Câmara Reservada ao Meio Ambiente é  composta por 5 desembargadores titulares, são eles, José Renato Nalini, Eduardo  Braga, Antonio Celso Aguilar Cortez, Ricardo Cintra Torres de Carvalho e Zélia  Maria Antunes Alves, atual presidente, fazem parte da Câmara também 3 suplentes,  Ruy Alberto Leme Cavalheiro, Otávio Henrique de Sousa Lima e João Negrini.
Em entrevista exclusiva ao  Observatório Eco, a atual presidente, Zélia Maria  Antunes Alves faz uma avaliação da trajetória desta pioneira Câmara  especializada no julgamento de causas relacionadas à defesa do meio ambiente.  Para Zélia, o que mais se destaca é o caráter “educativo” da jurisprudência  produzida pela Câmara, pois a população “ainda não tem uma cultura focada na  preservação ambiental”.
Observatório Eco: Qual  o impacto da jurisprudência da Câmara Reservada ao Meio Ambiente, do TJ-SP  (Tribunal de Justiça de São Paulo)?
Zélia Maria Antunes  Alves: A jurisprudência da Câmara Reservada ao Meio Ambiente, a  meu ver, muito mais do que doutrinária é uma jurisprudência educativa, porque a  população ainda não tem uma cultura focada na preservação ambiental, pelo  contrário, a cultura que prevalece é no sentido da degradação do meio  ambiente.
Desde o descobrimento do Brasil, o que prevalece  é o ato de se aproveitar o máximo dos recursos naturais, sem uma contrapartida.  Nunca se pensou da seguinte forma, eu vou usar, retirar, tirar proveito desse  recurso natural, mas vou dar alguma coisa em troca para a Natureza. Nossa  cultura realmente não é no sentido preservacionista, mas apenas de  aproveitamento da Natureza.
A Câmara de Meio Ambiente, na maioria das  decisões, reflete o pensamento de um grupo de pessoas, que representam um grupo  maior, pois hoje no Brasil muitas pessoas estão preocupadas com a questão  ambiental. No fundo, a Câmara está retratando o pensamento destas pessoas, que  se preocupam com a proteção do meio ambiente, e quando é possível a regeneração  de alguns locais.
Observatório Eco: E  quais são as decisões da Câmara que a senhora avalia que sejam as mais  relevantes?
Zélia Maria Antunes  Alves: Dentre as decisões da Câmara, várias se destacam, por  exemplo, aquelas que tratam da queima da palha de cana-de-açúcar. Em nosso  Estado prevalecem duas culturas, a da laranja e da cana, a da laranja não é tão  degradadora do meio ambiente. Mas a cultura da cana é, não pela cultura em si,  mas pela forma como depois da colheita a palha é dispensada, pois esse resíduo é  destruído pelo uso do fogo,  o que gera a fumaça, a poluição  ambiental. Ou  seja, para se colher o produto, se pratica um ato que gera um dano ao meio  ambiente.
Assim, as decisões da Câmara são sempre no  sentido de que não se admitir mais esse tipo de procedimento. As empresas  precisam usar outras formas para tratarem a palha da cana-de-açúcar.  Procedimentos que já existem, por exemplo, a colheita mecânica, que vem sendo  utilizada em muitos locais e permite que a palha seja reutilizada para adubar o  solo.
A colheita mecânica, hoje é incentivada pelos  membros da Câmara, pois não se pode mais admitir um procedimento tão primitivo,  como o da queima. Existe legislação estadual prevendo a colheita mecânica, porém  o prazo foi prorrogado para dar mais tempo para as fazendas se adaptarem aos  novos métodos. E Câmara tem insistido que os produtores devem se adaptar ao novo  método.
Outro julgamento que também considero muito  importante é a existência da área de reserva legal nas propriedades. Se a  fazenda, por exemplo, estiver inserida em uma APP (área de preservação  permanente), deve preservar as duas áreas, isto é,  a de APP e a da reserva  legal.
Na verdade, muitas vezes somando as duas áreas  sobre muito pouco espaço para o proprietário. Essa situação é muito discutida,  pois os proprietários não se conformam com essa obrigação, eles querem que a  área de reserva legal inclua a da APP, pois daí diminui a área que fica  indisponível para outro uso. Porém, mesmo que a área de reserva legal não seja  na área de APP, o dono terá que plantar, ou até recompor se possível o espaço  com uma vegetação nativa. E esse local não poderá mais ser usado para cultivo.  As pessoas não aceitam essa regra, há uma resistência muito grande neste  aspecto.
Observatório Eco: Mas a  jurisprudência da Câmara já pacificou esse entendimento.
Zélia Maria Antunes  Alves: Sim, para a Câmara esse entendimento já está firmado.  Porém, há muita resistência, os proprietários recorrem para os tribunais  superiores.
Observatório Eco: Outro  ponto muito discutido trata da situação dos aterros sanitários, de que forma a  Câmara avalia essa questão?
Zélia Maria Antunes  Alves: Nenhum município quer ser conhecido como um  “município/aterro sanitário”, só que todos sabem, está nos jornais  frequentemente, há municípios que não possuem mais locais para colocarem o lixo.  O que ele faz? Ele aluga, arrenda espaço em outro município para fazer o aterro  sanitário. Só que chega um momento em que este município que recebeu o lixo fica  saturado.
Estamos chegando a um ponto em que tem lixo  viajando pelas estradas, porque não se coloca no município “A”, o município “B”  não tem mais local, e o lixo fica transitando, o que é muito perigoso. Já  estamos chegando a esse ponto, no Estado de São Paulo. Ou seja, o lixo é um  problema muito grave.
Observatório Eco: E  essa questão  já chegou à Câmara?
Zélia Maria Antunes  Alves: Sim. Muitas vezes, um município resolve fazer um aterro  sanitário, e surge uma ação civil pública contra essa medida, seja do Ministério  Público ou de alguma associação, pois os moradores não querem a criação do  aterro, por diversas razões, como a questão do cheiro, o bairro fica  desvalorizado, outros problemas vão surgindo na localidade. O chorume vai  escorrendo podendo poluir um curso d’água, por exemplo.
Observatório Eco:  Inclusive, a Câmara também tem várias decisões relacionadas à poluição de  rios.
Zélia Maria Antunes  Alves: Exatamente, há muitas empresas que não cumprem as normas de  filtragem, e jogam tintas, produtos químicos e outros elementos poluentes nos  rios. O esgoto doméstico também é lançado no rio. Muitas localidades não possuem  também a filtragem e tratamento destes resíduos.
Observatório Eco: E de que forma as empresas se  defendem quando são acionadas, por exemplo, por poluírem um rio?
Zélia Maria Antunes  Alves: Todos sabem que o problema da poluição existe. É algo  público e notório. Todos sabem da poluição ambiental, e mesmo assim, algumas  empresas, ou municípios ainda querem achar uma justificativa para jogarem um  esgoto “in natura” no rio, ou os resíduos de uma empresa sem qualquer  tratamento.
Observatório Eco: Por  outro lado, são mais de cinco anos de atuação da Câmara de Meio Ambiente, e  durante esse período também não há a melhora no comportamento de muitas  empresas?
Zélia Maria Antunes  Alves: Penso que sim. Porque as decisões mais do que um caráter  doutrinário, são educativas. Batemos tanto naquela tecla da necessidade de  preservar o meio ambiente, de que precisamos nos preparar, do contrário não  vamos deixar quase nada para as futuras gerações. Enfim, se bate tanto nisso,  que as próprias empresas se conscientizam e comecem a tomar atitudes menos  poluentes.
Há casos em que não é possível a atividade  desenvolvida ser “zero poluente”, mas a empresa busca minimizar seu impacto, a  emissão de fumaça, do detrito químico. Inclusive, para a publicidade das  empresas isso é muito importante, hoje temos várias publicidades falando sobre a  responsabilidade social e ambiental. Várias empresas fazem questão de mostrar  esse lado, mas muitas vezes não passa de uma propaganda, na prática estão lá  mesmo poluindo.
Observatório Eco: Qual  a sua avaliação das decisões de primeiro grau nas lides ambientais?   
Zélia Maria Antunes Alves:  As decisões são de excelente qualidade. Os juízes de primeiro grau  quando pegam um processo que envolve questão ambiental demonstram que são  detalhistas e criteriosos.
Observatório Eco: De  que forma é desenvolvido o trabalho realizado pela Câmara de Meio Ambiente? O  que a senhora destaca?
Zélia Maria Antunes Alves:  Destaco o desempenho dos desembargadores, a dedicação. Eles são  estudiosos no exame dos processos. Os componentes da Câmara conversam muito  antes de darem uma decisão, para que ela seja efetiva. Esse entrosamento entre  os componentes da Câmara é muito importante.
Aqui nós não podemos ser mais “realistas que o  rei”, não adianta uma decisão que não possa ser exeqüível, que não produza um  efeito prático.
Observatório Eco: A  senhora se dedica à Câmara de Meio Ambiente desde 2005, qual a lição de vida que  retira desta oportunidade?  
Zélia Maria Antunes  Alves: O direito ambiental é uma matéria recente, que nem faz  parte do currículo obrigatório de muitas faculdades, agora que elas começam a  inserir o tema na graduação.
O direito ambiental está se destacando, passou a  ser mais debatido e principalmente estudado. Precisamos valorizar ainda mais o  tema, até por uma questão de responsabilidade ambiental. As pessoas que lidam  com o direito devem estudar mais, dar importância à matéria, aplicar a lei e  elaborar leis mais rigorosas.
 
 



