quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Ainda vamos precisar de muito mais água


Estiagem
São José do Rio Preto, 21 de Setembro, 2014 - 1:50
Ainda vamos precisar de muito mais água
http://www.diarioweb.com.br/novoportal/Noticias/Meio+Ambiente/208897,,Ainda+vamos+precisar+de+muito+mais+agua.aspx

Victor Augusto e Elton Rodrigues

Elton Rodrigues
O ribeirão do Barreiro, em Auriflama, já recuou pelo menos 400 metros e é possível caminhar onde antes era o leito

Leito de rios completamente secos, nascentes sem verter, reservatórios com níveis ínfimos. Paisagem com chão rachado, animais aquáticos mortos e vegetação, antes submersa, totalmente fora d’água. É o reflexo da seca dos últimos dez anos, um dos piores períodos de estiagem do Noroeste paulista. Cenário que evidencia cada vez mais a falta d'água na região conhecida como dos “grandes lagos”.

As imagens mostram os efeitos do tempo seco nos dias atuais, mas a crise de água na região vem de longa data. Dados do Comitê da Bacia Hidrográfica dos rios Turvo/Grande mostram que a oferta hídrica vem diminuindo ano a ano. Em seis anos, as bacias Turvo/Grande e São José dos Dourados, que atendem a região, perderam 274,9 mil litros por habitante/ano, quantidade correspondente a 109 piscinas olímpicas.

Em 2007, havia 11,35 milhões de litros de água por habitante/ano nas bacias. Em 2012, último dado disponível, eram 11,07 milhões. Os efeitos dessa falta d'água já podem ser sentidos pelos moradores de: Santa Fé do Sul, Uchoa e Bebedouro - nas três há racionamento de água em algum período do dia. A diminuição da oferta de água se deve, segundo especialistas, a dois fatores: a população aumenta e a reposição não acompanha o mesmo ritmo. A região ganhou entre 2007 e 2012 o total de 68.659 mil habitantes, passando de 1.482.811 para 1.551.470.

E a prova da falta de reposição do lençol freático pode ser encontrada em Rio Preto. Na cidade, a cada ano, é preciso rebaixar quatro metros a profundidade dos poços que captam água no aquífero Guarani. O valor é quatro vezes maior do que em Ribeirão Preto, onde 100% do abastecimento da cidade é garantido pelo mesmo aquífero. No poço mais antigo de captação de água do Guarani em Rio Preto, ETA/Palácio das Águas, que entrou em operação em 1978, ou seja, há 36 anos, a bomba já precisou descer 179 metros desde a primeira captação.

Outro fator que diminui a oferta de água na região é a falta de áreas verdes. Recente estudo realizado pela Unesp e coordenador pelo professor Orlando Necchi Júnior mostra que nossa região é a que possui as menores porções de matas nativas no Estado.

“Nossa região já tem algumas características que favorecem o clima seco. Ficamos em uma área do Estado bem distante do litoral e não temos serras a nossa volta. Quando uma massa de ar frio se aproxima, ela passa rapidamente, por causa da falta de serras. Em regiões mais altas, que possuem obstáculos naturais, a massa de ar frio não passa com tanta rapidez, favorecendo climas mais amenos e úmidos”, explica Francisco Langeani Neto, professor do Departamento de Zoologia e Botânica do Ibilce, campus rio-pretense da Unesp.

Avanço

Aliado aos aspectos que favorecem períodos mais secos, o avanço da cana-de-açúcar e áreas de pastagem também favorecem a destruição de nascentes e rios na região. Duas nascentes do rio Preto simplesmente desapareceram. De acordo com estudo da Unesp, outras 10 nascentes sumiram e 29 estão com menos da metade do volume de água que tinham há 10 anos.

“A mata ciliar, aquela que fica próximo aos rios e nascentes, é crucial para a saúde desses corpos aquáticos. As nascentes que possuem áreas verdes preservadas possuem mais água, são mais ricas em espécies de peixes. Isso faz com que a demanda de água aumente”, afirma Langeani.

O especialista afirma ainda que a integridade física do rio (volume de água, qualidade da água, mistura de espécies e oxigenação) é mais importante do que a qualidade química. “A poluição nos rios é ruim, com certeza, mas nada é mais importante do que manter os níveis naturais da água e a mata ao redor. Mesmo um rio poluído volta ao normal se ele estiver bem fisicamente, mas se ele estiver seco, com pontos de assoreamento e sem mata ciliar, ele não se recupera tão rápido e pode caminhar para o esgotamento”, explica.
Elton Rodrigues
Policial ambiental em nascente do rio Preto no município de Cedral



Duas nascentes já desapareceram

Duas das cinco principais nascentes do rio Preto, responsáveis pelo abastecimento dos três lagos da Represa Municipal, praticamente sumiram. O que era o leito de dois córregos está totalmente seco. Resultado de um dos períodos de estiagem mais longos enfrentados pela região Noroeste paulista. O rio Preto nasce em Cedral e é um dos principais da bacia Turvo/Grande, responsável por 30% do abastecimento da cidade que leva seu nome. Mas, quem passa por Cedral encontra apenas resquícios do já foi um curso d’água.

A paisagem espanta até mesmo quem está acostumado a acompanhar esses fenômenos. “Nunca vi esse lugar assim. Essa nascente é apontada pelos moradores como a principal do rio Preto e é a primeira vez que seca desse jeito”, diz o tenente Emerson Mioransi, da Polícia Ambiental de Rio Preto.

Estudo elaborado em 2004 pelo sargento Claudioci Soldan, também da Ambiental, ajuda a mostrar a degradação. No local onde estão desenhadas três represas, na área rural de Potirendaba, por exemplo, atualmente só restaram o chão rachado e um pequeno lago lutando para sobreviver aos efeitos do tempo. O lugar é apontado pelo IBGE como a maior nascente do rio Preto, contrariando o que dizem os moradores de Cedral. Mas se o rio dependesse só dela, hoje estaria seco. Faz três meses que a água parou de brotar.
Elton Rodrigues
Uma das três represas próximas de nascente em Potirendaba secou devido à forte estiagem dos últimos meses



Seca se agravou nos últimos 10 anos

Dados do Núcleo de Sementes revelam que o volume de chuvas em Rio Preto sofreu redução na última década. Passou de 115,7 mm³ por ano para 99,89 mm³ entre 2003 e 2013. A diferença, de 15 mm³ em dez anos, equivale a um mês e 15 dias a mais sem chuva por ano. A década em que mais choveu na cidade, desde quando a medição pluviométrica começou a ser realizada, foi entre 1973 a 1982. Naquele período, foi registrado a média de 115 mm³ por ano e temperatura média de 23,8Cº. Na década seguinte, entre 1983 e 1992, a quantidade de chuva caiu, foi para 112,3 mm³, mas a temperatura subiu, e passou para 24Cº.

De 1993 a 2002 a temperatura apresentou variação para mais, indo para 24,4Cº, e a quantidade de chuvas também aumentou, porém ficou abaixo da primeira década - 113,6 mm³ por ano. “Não dá pra dizer que a situação vai se agravar ainda mais com base nesses dados. O que podemos dizer com certeza é que o clima passa por mudanças constantes todos os anos. E que essa tendência, que parece ser de queda, pode ser alterada nos próximos anos. Tudo depende de quais sistemas estão agindo naqueles períodos”, diz a meteorologista do Instituto Nacional de Meteorologia, Neide Oliveira.

E O ‘MAR’ VIROU SERTÃO

Em Auriflama, a ponte por onde passa o ribeirão do Barreiro já recuou pelo menos 400 metros. O baixo nível do rio se deve à seca recorde registrada no Noroeste paulista. Já é possível caminhar onde antes era o fundo do rio. A paisagem que chamava a atenção pelas águas cristalinas e pescadores espalhados pelos barrancos e nos barcos deu espaço para um cenário que retrata com fidelidade a seca na região. Ganhos secos, que antes ficavam submersos, ressurgiram com restos de animais e até uma parte da antiga ponte já podem ser vista de longe.

O auxiliar de pavimentação Ederson Sebastião de Oliveira, de 24 anos, afirma que é a primeira vez que vê o rio chegar a essa situação. “Não tem como mais pescar tucunarés aqui. Precisa chover muito para o rio voltar como era no ano passado”, afirma ele, que aos finais de semana pescava como os amigos na ponte, que fica próxima a Auriflama.

A fazendeira Ana Silva Fontes, de 39 anos, também está impressionada com o recuo do rio. “A água que resta lá está sumindo. Os animais nem vão mais até o rio para beber água. O tempo está muito seco e uma chuvinha só não vai resolver o problema”, disse a fazendeira. Segundo ela, os moradores que viviam da pesca na cidade tiveram de procurar outro rio. “A ponte ficava lotada de pescadores. Agora, virou um deserto só”, disse Ana.

Para Jorge Felipe Dias, dono de um restaurante na cidade, a situação é crítica principalmente aos finais de semana. “O rio atraía muitos pescadores que vinham com suas famílias. Agora, está tudo parado porque o rio secou”, afirma ele. No estabelecimento comercial dele a palavra de ordem é redução no consumo de água tratada. “A gente não faz a limpeza com água todos os dias. Varremos e passamos pano. Ajuda não só na economia da água, mas no lucro da empresa. A economia já é de 20% na conta de água”, afirma ele, que reclama de desperdícios na cidade. “O rio está seco. Não chove e tem gente lavando calçadas e carros. É um absurdo”.

Assista abaixo videorreportagem:

Os fumantes e o trabalho

Os fumantes e o trabalho

DOM, 21 DE SETEMBRO DE 2014 05:03