segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Construções híbridas


Construções híbridas, o melhor de dois mundos

27/08/2012 | Notícia | Revista Grandes Construções - julho 2012
Adoção de soluções mistas, utilizando as melhores qualidades do concreto e do aço, desponta como transição saudável entre os métodos tradicionais e a construção industrializada
Tradicionalmente, os prédios construídos em estruturas metálicas e os que tinham no concreto o principal elemento construtivo pareciam compor cenários de mundos diferentes. Defensores de uma ou de outra tecnologia empenhavam-se na defesa das vantagens de cada uma dessas alternativas em detrimento da outra, o que não contribuía em nada para o amadurecimento da engenharia e da indústria da construção no Brasil. Esse tempo, no entanto, está ficando para trás. “Estruturas de aço" e "estruturas de concreto" já não caracterizam mundos diferentes da engenharia estrutural e é reconhecido que cada um dos dois materiais possuem vantagens e desvantagens, e que muitas vezes a melhor solução está em encontrar a combinação de ambos.
Para muitos técnicos e representantes da comunidade acadêmica envolvidos nessa discussão, a adoção de construções mistas seria o caminho para uma mudança de cultura, abrindo espaço para o uso de estruturas metálicas e da construção industrializada no Brasil. Edifícios mistos são cada vez mais encontrados em todo o mundo e poderão ajudar deixar para trás a tradição da construção artesanal em nosso País.
A engenheira Iria Lícia Oliva Doniak, presidente da Associação Brasileira da Construção Industrializada de Concreto (Abcic), revela que no Brasil, a terminologia que possivelmente será adotada para construções com essas características é de construções híbridas. “Atualmente, a Abcic e o Centro Brasileiro da Construção em Aço (CBCA) estão avaliando o tema e preparando um manual que, possivelmente, será lançado durante a Construction Expo, em 2013, onde as estruturas mistas deverão ser tratadas como estruturas híbridas”.
Ela explica que, na literatura internacional, existe a terminologia “estruturas compostas, mistas e híbridas”, definindo as estruturas compostas como aquelas em que há a presença dos dois materiais, com adesão ou solidariedade entre si, para compor uma seção estrutural. Na flexão, a solidariedade entre os dois materiais faz com que haja uma compatibilidade entre as deformações. Nesse conceito, a rigor, uma seção de concreto armado (concreto mais armadura de aço) é uma composite section, da mesma forma que uma viga metálica com conectores de cisalhamento e laje de concreto, forma uma composite section.
“A própria bibliografia adotada no Manual fib 19, refere-se a composite structures a exemplo da referência na European Committe for Standardization, em 1991-1-1, Eurocode 4 – Design of Composite Steel and Concrete Structures. Bruxelas 2004”, esclarece.
Ainda segundo a engenheira, a expressão “estrutura híbrida ou mista” está relacionada ao emprego de diferentes materiais para compor um sistema construtivo ou estrutural. Entretanto, ao contrário do que acontece nas composite structures, não ocorre necessariamente a aderência entre os materiais, nem a solidarização das deformações. “Em relação ao termo ‘híbrido’, os autores europeus e o Concrete Centre definem híbrido ou misto com o mesmo conceito. No entanto, o termo é mais direcionado especificamente à combinação de pré-fabricados de concreto com cast in situ (moldado no local)”.
Nessa matéria, de maneira genérica, trataremos como “construções mistas” aquelas em que mais de um sistema construtivo é aplicado. A utilização de elementos mistos e, por consequência, de sistemas mistos aço-concreto, amplia consideravelmente o conjunto de soluções em concreto armado e em aço.
De uma maneira geral, a crescente utilização de estruturas mistas é atribuída a diversos fatores, entre os quais a necessidade cada vez maior de grandes áreas livres por pavimento, que resulta em grandes vãos para as vigas, acréscimo de força vertical nos pilares e um maior espaçamento entre eles.
Assim, livres de pré-conceitos e sectarismos, pode-se celebrar o casamento entre esses dois métodos construtivos. É o que pensa Luiz Carlos Caggiano Santos, presidente da Brafer e da Associação Brasileira da Construção Metálica (Abcem). Para ele, o aço não vive sem o concreto e a solução mista é a melhor alternativa. “O que se espera é que a multiplicação do emprego do método construtivo misto possa promover uma transição saudável entre a construção convencional e processos mais modernos, principalmente neste momento em que a indústria da construção deve desempenhar um papel importante em um novo ciclo de desenvolvimento do Brasil”, assegura.
Planejamento define sucesso do projeto 
Estudiosa do assunto, Iria Doniak está convencida de que um dos aspectos mais importantes para o êxito de empreendimentos desenvolvidos com base em construção híbrida é o planejamento e desenvolvimento do projeto. “Usualmente, são obras fortemente direcionadas para um conceito de industrialização e também para o tratamento das interfaces (transição entre um sistema construtivo e outro). São dois aspectos importantes do ponto de vista construtivo a serem abordados”.
Ela afirma que também do ponto de vista da arquitetura contemporânea, os sistemas aço e concreto pré-fabricado tem sido bastante utilizados, se extraindo o máximo potencial de cada um deles, vindo ao encontro inclusive de questões voltadas à sustentabilidade.
Com cases de sucesso  reconhecido mundialmente, a presidente da Abcic lembra a Torre de Cristal, localizada em Madrid, na Espanha, que usou estruturas compostas. Lembra também um projeto arquitetônico premiado no Brasil, o da sede da Petrobrás, em Macaé (RJ), criado pelo arquiteto Sidônio Porto. Outro bom exemplo de utilização harmônica entre os dois métodos construtivos é o edifício-sede da Teckma Engenharia, que tirou partido das vantagens do aço e da construção industrializada em concreto, para alcançar excelentes resultados em termos de redução de custos e de prazos na execução de projeto, assim como na “pegada” da redução dos impactos ambientais.
Conheça esses exemplos a seguir:
Prédio misto e politicamente correto
O prédio-sede da Teckma Engenharia foi projetado a partir de modernos conceitos de sustentabilidade e redução dos impactos ambientais e sociais.
Com cinco pavimentos e dois subsolos, ocupando terreno de 1000 m² na Avenida Paes de Barros, no Parque da Mooca, Zona Leste de São Paulo (SP), ele foi concebido seguindo um caminho inverso da maioria dos prédios conceituais. Geralmente, esses prédios nascem da imaginação de arquitetos, cabendo aos engenheiros o desafio de tornar o sonho realidade. Nesse caso, o edifício ganhou forma, primeiramente, nos sonhos do engenheiro, Fábio Barione, diretor e fundador da Teckma, e tornou-se real pelas mãos da arquiteta Andréa Gonzaga.
O primeiro pressuposto definido por Barione era garantir, para si e para os funcionários da empresa, um espaço confortável, agradável e funcional, priorizando a qualidade de vida. O prédio deveria, ainda, colaborar com a preservação do meio ambiente, enfatizando aspectos culturais brasileiros e de uma convivência mais harmônica do homem nas grandes cidades. A partir dessas premissas básicas, Andréa Gonzaga tinha como desafio elaborar um projeto que assegurasse rapidez e menor custo de construção, facilidade de manutenção, aliando a isso bem-estar, conforto térmico, lumínico e acústico.
“Foi quase um ano de estudos. Já na primeira reunião, deixei claro que queria um projeto que identificasse o prédio como sede de uma empresa de engenharia, sem que precisássemos colocar um logotipo na fachada. Eu queria pisos grandes com muitos vãos-livres, queria um projeto que me permitisse trabalhar com as luzes apagadas na maior parte do dia, e que não me tornasse dependente do ar-condicionado, nos dias mais quentes. Queria, ainda, um prédio bonito e diferente, e um ambiente silencioso para trabalhar. A ideia era aproveitar todos os conceitos de green building que a gente conhece, e, é lógico, tentar agregar o máximo de valor sem assumir custos extremamente elevados. A solução para isso era usar toda a tecnologia que a gente conhecia”, conta Barione.
A primeira definição, em termos de métodos construtivos, foi a utilização de estruturas metálicas. Barione explica que, embora isso representasse um investimento inicial maior, em relação à estrutura convencional, em concreto, a opção pelas estruturas metálicas assegurou rapidez na execução da obra, o que se traduziu em economia. “Para se ter uma ideia, nós levantamos toda a estrutura do prédio em 40 dias. A partir do momento em que o terreno foi limpo, toda a obra foi executada em apenas 10 meses”, calcula.
Além da economia de tempo a estrutura metálica evitou o corte de mais de 50 árvores, que forneceriam madeira para formas de concreto.
Havia ainda uma razão conceitual para a escolha: “A estrutura metálica me permitiu agregar tecnologia e modernidade à construção e essa era uma mensagem que eu queria passar com a imagem do prédio”, admite Barione.
Aliadas às vantagens da estrutura metálica, adotou-se os conceitos da construção industrializada, com o emprego de estruturas pré-fabricadas de concreto. O engenheiro calcula que isso gerou uma redução de mais de 50 t de entulho.
Barione optou por manter as vigas metálicas aparentes, tanto na fachada quanto no interior do prédio, obedecendo à orientação de ter todas as instalações visíveis, dentro do conceito de um prédio de engenharia. Isso se aplicou também às lajes pré-fabricadas. “Eu queria que aparecessem os frisos das lajes. O pessoal da construtora está acostumado a fazer, mas sem se preocupar se os frisos vão ficar alinhados. Eu exigi que as barras fossem montadas com medidor de nível a laser”, orgulha-se.
Luz natural e pouco calor
Apesar da aparência esbelta, o prédio, cujo cálculo estrutural foi feito pelo engenheiro Júlio Kurkdjian, professor da Universidade de São Paulo (USP), foi projetado para crescer mais três andares. “Com o ambiente que nós temos hoje, sem quebrar nenhum conceito, esse prédio está dimensionado para 200 pessoas. Há várias áreas de expansão”, diz Barione. O calculista fez um estudo detalhado, projetando vigas de bitola mais estreitas, vigas secundárias e contraventagem. Isso deu muita leveza à fachada.
Essa sensação de leveza foi reforçada pela utilização do vidro como revestimento principal do edifício, uma sugestão do consultor especialista em fachada, André Meyer. Optou-se pela utilização de vidros especiais, do tipo SunGuard, produzidos pela Guardian, da Carolina do Norte, Estados Unidos, que bloqueiam mais de 65% do calor externo sem perda da qualidade óptica, assegurando economia de 40% nos gastos de energia com ar-condicionado e mais 20% de aproveitamento da luz natural. Tudo isso resultou em economia de 1.200 KWH de energia elétrica por ano, ou o equivalente a R$ 50 mil/ano.
André Meyer recomendou ainda a instalação de brises. “Na face norte do prédio, onde bate o sol da manhã, eu queria garantir a entrada de claridade, mas não queria que os raios do sol entrassem direto, nem queria usar cortina”. Para isso, André Meyer projetou os brises, que são essas pranchas fixadas nas laterais do prédio, que permitem a entrada de 100% de luz. Controladores da incidência de raios solares, eles aumentam o conforto e diminuem em 10% a necessidade de ar-condicionado.
Placas de poliestireno expandido, instaladas na cobertura do prédio, impedem que a radiação do calor da laje do último piso passe para o interior do edifício, ajudando a resfriar os ambientes.
Foram projetadas escadas com dimensões amplas, de fácil acesso, para desestimular o uso de elevadores. E para incentivar o uso de bicicletas pelos funcionários, no prédio há um estacionamento reservado para elas. O projeto previu ainda um sistema de captação e filtragem de águas de chuva, que abastece um reservatório de 50m3 instalado no subsolo. Apenas uma hora de chuva média irá fornecer água por 10 dias para as descargas nos banheiros e os diversos serviços como o de limpeza e jardinagem.
Com cara de Brasil 
Buscando tornar o ambiente ainda mais agradável e, ao mesmo tempo, permitir o contato com um pouco da flora brasileira, Fábio Barione determinou que o paisagismo fosse elaborado tendo como referência espécies de árvores nativas, raras nas grandes cidades, como o pau-brasil, ipê roxo e ipê amarelo.
O engenheiro afirma que cada item do projeto foi analisado sob o ponto de vista funcional, mas também de redução de custos. “Teve coisa que eu não consegui fazer, mas porque me convenci de que não era viável financeiramente, e que não era fundamental para a conclusão do projeto”, afirma. Apesar disso, ele reconhece, orgulhoso, que o empreendimento qualifica a Teckma para desenvolvimento de outros projetos com o mesmo foco na sustentabilidade, para clientes.
Torre de cristal, aço e concreto
O edifício Torre de Cristal, localizada em Madrid, é o segundo edifício mais alto em Espanha, perdendo em altura apenas para o Caja Madrid Tower
Em relação à União Européia, a Torre de Cristal está em quinto lugar, com seus 249 metros e 56 andares acima do solo e seis no subsolo. O edifício está localizado no distrito de Fuencarral Madrid-El Pardo, no complexo de arranha-céus da Área de Negócios Cuatro Torres.
Projeto arquitetônico de autoria de Cesar Pelli, com participação dos arquitetos Inigo Ortiz e Enrique Leon, a torre, inteiramente dedicada ao aluguel de escritórios, teve sua construção iniciada em 2004 e concluída cerca de cinco anos depois. As fachadas são cobertas com vidro, com variação da planta nos andares superiores, que gera alterações nos quatro planos da fachada, lembrando um obelisco egípcio. A variedade de ângulos que define cada um dos lados, dá vida e movimento para a torre através da diferente intensidade da luz que ela reflete o dia todo.
Detalhes importantes do projeto são o hall de entrada, com 10 metros de altura e o jardim de inverno coberto, no topo da torre, em uma área total de 600 m² e mais de 24 000 plantas.
De acordo com o Anuário Abcic 2011, a estrutura vertical da Torre de Cristal está formada por 18 pilares perimetrais e um núcleo central de concreto armado que nasce desde a fundação. Além de suportar a maior parte da carga dos elementos horizontais, o núcleo é responsável pela estabilidade do edifício frente às ações horizontais, tais como os esforços produzidos pelo vento.
Ainda segundo o Anuário Abcic 2011, os pilares da torre são compostos formados por uma alma metálica tipo HD de aço de qualidade S460 com concreto HA45.
“A estrutura exterior consta de uma viga perimetral disposta entre os pilares da fachada, com canto sobressaindo por cima da laje. Tipicamente, um perfil IP 500 que recebe em seu ponto médio uma viga metálica que tem seu outro apoio no núcleo central mediante um nicho posteriormente completado com argamassa sem retração. Sobre essas vigas perpendiculares à fachada estão dispostas as lajes alveolares, o que permite um elevado ritmo de construção, pois não há necessidade de formas de escoramento”, descreve o Anuário Abcic 2011.
Centro administrativo da Petrobrás em Macaé
O primeiro trabalho desenvolvido pelo arquiteto Sidônio Porto para a Petrobrás, o complexo administrativo da empresa em Macaé, inaugurado em 2008, é composto por dois prédios, com 26 metros de altura, interligados por passarelas.
As duas torres administrativas abrigam instalações para 2 mil funcionários, além de um restaurante e um centro médico, num total de 30 mil m² de área construída.
O conjunto é marcado por um grande átrio, que funciona como elemento de ligação entre os prédios, criando uma praça de convivência sombreada, propiciando ainda um ambiente agradável e ameno. A cobertura do átrio é composta por uma superfície de policarbonato verde na faixa central e, nas laterais, telhas metálicas termoacústicas (telha de alumínio zipada na face externa e de alumínio trapezoidal na face interna, tendo ao centro isolamento com manta de lã de rocha). Todo o conjunto está apoiado em estrutura composta por terças, vigas metálicas e estrutura espacial tubular de alumínio pré-pintado. Para solucionar sua movimentação e minimizar a transmissão de esforços para os pilares, utilizou-se o sistema de junta telescópica.
De acordo com o escritório de arquitetura do autor do projeto, a diretriz básica assumida pela concepção arquitetônica do complexo foi a de buscar um conjunto de edificações marcante em termos ambientais e estéticos, contendo espaços e percursos agradáveis, áreas de amenização e acessos imponentes, além do cuidado com os aspectos construtivos.
“Em vista da necessidade de rapidez de execução e custos compatíveis, foi pensada a utilização de um sistema construtivo industrializado, executado fora do canteiro de obras, transformado em um verdadeiro espaço de montagem”, descreve o escritório.
Segundo o Anuário Abcic 2011, foram usados pré-fabricados de concreto, tanto na estrutura quanto nos painéis. Exemplo disso foram os painéis pré-moldados de concreto de 10 x 2,5 metros, utilizados para o envoltório da edificação.
Uma cobertura única funciona como grande guarda-chuva para os dois edifícios. Outra característica do projeto foi o seu desenvolvimento como em uma malha modular de 1,25 m, tanto horizontal como verticalmente, iniciativa que tinha como objetivo criar uma perfeita compatibilização entre pisos, forros, divisórias e pré-moldados. As esquadrias também são um detalhe importante na industrialização, pois foram diretamente instaladas em painel de concreto pré-fabricado, o qual recebeu a fixação prévia dos insertos de alumínio, eliminando-se a tarefa de furação e fixação do suporte.