Advogado ambiental moderno deve ser um mediador
Fonte: http://www.observatorioeco.com.br/index.php/advogado-ambiental-moderno-deve-ser-um-mediador/autoria: Roseli Ribeiro - 21/07/10 - 9:33  
A  abrangência da temática ambiental exige conhecimentos das mais diversas áreas da  técnica e da ciência, além disso, os problemas ambientais se tornam cada vez  mais complexos. Por isso, “exige-se do advogado ambiental uma capacidade de  mediação regulatória, de conflitos e de composição do conhecimento, que o  diferencia dos operadores das outras áreas do direito”, na opinião de  Rômulo  Silveira da Rocha Sampaio, coordenador acadêmico do Programa de Direito e Meio  Ambiente da FGV (Fundação Getúlio Vargas) – Direito, no Rio de Janeiro.  
Para  o especialista, “o  advogado é o profissional mais habilitado para conectar as diversas áreas” em  busca da solução das questões que envolvem o meio ambiente.   
Rômulo  S. R. Sampaio defende que “o operador  do direito pode influenciar quando consegue encarar a questão ambiental com a  visão de um mediador de conflitos jurídicos e um árbitro de informações  científicas conflitantes”.  É formado em Direito  pela PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica) do Paraná, onde também fez  pós-graduação em Direito Econômico e Social. Recentemente concluiu o doutorado e  mestrado em Direito Ambiental pela Pace  University School of Law, com tema que discutiu o mercado de carbono.  
Na  opinião do professor, o sucesso na preservação do meio ambiente depende de  políticas inclusivas e sustentáveis. As quais devam passar por programas de  reforma agrária, regularização fundiária, subsídios agrícolas. 
Sobre  a questão das mudanças climáticas e a próxima reunião da ONU (Organização das  Nações Unidas) a COP-16, avalia que as “divergências políticas” são quase que  insuperáveis nas discussões sobre uma política climática global. Veja  a entrevista que Rômulo S. R. Sampaio concedeu ao Observatório Eco, com  exclusividade. 
Observatório  Eco: Por  favor, conte-nos sobre seu trabalho de análise do mercado de carbono concluído  recentemente. Afinal, o mercado de carbono pode salvar as florestas?
Rômulo  S. R. Sampaio: Não  acredito que o mercado apenas possa salvar as florestas. O mercado serve como um  mecanismo auxiliar de políticas de comando-e-controle, ou seja, leis e  regulamentos, diminuindo o custo e o desequilíbrio econômico na aplicação da lei  ambiental. Mas o mercado, sozinho, não se presta a salvar as florestas.  
Políticas  inclusivas e sustentáveis são igualmente necessárias. E elas passam por  programas de reforma agrária, regularização fundiária, subsídios agrícolas,  conservação e preservação da natureza para citar apenas alguns.   
Observatório  Eco: Qual  sua avaliação sobre a política nacional de pagamento por serviços ambientais que  o Brasil pretende adotar?
Rômulo  S. R. Sampaio: Trata-se  do Projeto de Lei 5.487/2009. É um primeiro passo que precisa ser amplamente  debatido e compartilhado com a sociedade brasileira. Não há como implementar de  forma eficiente os incentivos econômicos como instrumentos de política ambiental  sem a atribuição de um valor. 
O  problema no caso da externalidade ambiental é quantificar o bem tutelado. O  problema nem sempre é solucionado quando se muda os incentivos financeiros de um  indivíduo. Isto  porque, não se pode atribuir um preço quando o bem ou o serviço não pode ser  precisamente mensurado. 
Logo,  assim como ocorre no mercado de carbono, a política de pagamento por serviços  ambientais não pode ser a solução. Pelo contrário, deve ser encarada como mais  um mecanismo econômico auxiliar aos sistemas de leis e regulamentos que dispõem  sobre a legalidade e a ilegalidade das condutas humanas em relação ao meio  ambiente. 
Observatório  Eco: As  discussões sobre as mudanças climáticas estão lentas no âmbito da COP-16, já não  despertam tanto interesse como a reunião anterior. Isso pode ser avaliado como  um retrocesso?  
Rômulo  S. R. Sampaio: Não  vejo este fato como um retrocesso, mas sim como parte de um processo. Há  divergências políticas quase que insuperáveis nas discussões sobre uma política  climática global. Os países desenvolvidos são responsáveis por aproximadamente  50% das emissões de gases de efeito estufa. Ainda que apenas os desenvolvidos  resolvessem aceitar compromissos e metas de redução, a solução não seria  viável. 
Portanto,  a participação das economias emergentes é requisito indispensável para qualquer  solução, ainda que não tenham sido responsáveis pelos atuais níveis de  concentração de gases de efeito estufa na atmosfera. Há mecanismos tarifários  que forçariam a participação das economias emergentes, como tributos de  importação, por exemplo. 
A  própria Organização Mundial do Comércio já teria sinalizado positivamente para  barreiras tarifárias baseadas numa economia mundial de baixo carbono. O livre  comércio é importante, sim. Mas a diminuição dos riscos de catástrofes  associadas à mudança do clima é muito mais importante. Diante  das dificuldades políticas de qualquer negociação internacional, a esperança  reside nos NAMAs (Ações de Mitigação Nacionalmente Apropriadas), esperando-se  que os EUA, a Europa, o Japão, Austrália e economias emergentes ajam com rigor e  responsabilidade. 
O  Brasil começa a esboçar uma resposta, ainda que tímida e dependente de  planejamento estratégico e cuidadoso. O problema é que, diante da iminência dos  riscos, pode não haver tempo suficiente. Do ponto de  vista da política, não se pode esperar respostas que limitem os níveis de  consumo e aumentem os custos para salvar futuras gerações.  Infelizmente, aqueles que ainda não nasceram não votam nas próximas  eleições.
Observatório  Eco: O  Brasil tem adotado instrumentos jurídicos efetivos para incentivar a adoção de  posturas mais sustentáveis por parte dos empresários?
Rômulo  S. R. Sampaio: O  Brasil começou a modernizar os instrumentos jurídicos ambientais para fomentar e  viabilizar a adoção de posturas mais sustentáveis por parte dos empresários,  quando inseriu no rol dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente os  incentivos econômicos conforme o artigo 9º, inc. XIII, da Lei 6.938/1981,  acrescentado pela Lei 11.284/2006. 
Não  há como se falar em eficácia da lei ambiental sem o auxílio de incentivos  econômicos que possam incentivar posturas sustentáveis por parte dos  empresários, distribuindo de forma menos desigual a diferença que existe entre  os ônus e os benefícios dos impactos dos sistemas de  comando-e-controle.  
Porém,  a mudança  de paradigma legal, embora seja um primeiro passo importante, ainda não veio  acompanhada de reflexos práticos e concretos. Somente nos  últimos anos é que testemunhamos avanços normativos que apresentam potencial  para fomentar posturas mais sustentáveis por parte dos empresários. A recém  instituída Política Nacional de Mudança do Clima (Lei 12.187/2009) é um  exemplo.
Observatório  Eco: O  senhor é coordenador acadêmico do Programa em Direito e Meio Ambiente da Escola  de Direito da FGV Direito Rio. Quais são as preocupações no momento de elaborar  um programa como esse?  Quais são as matérias fundamentais que devem ser  ministradas? Como melhor preparar o profissional que tem o desafio de salvar o  Planeta?
Rômulo  S. R. Sampaio: São  três os pilares do nosso programa: ensino, pesquisa e políticas públicas. Nossa  preocupação com ensino envolve desde cursos específicos em direito ambiental,  especialmente elaborados para graduação, como também em cursos de pós-graduação  lato sensu e, num futuro próximo,  stricto sensu. 
Temos  também cursos sendo gestados para o FGV Online e em cooperação com universidades  estrangeiras. Oferecemos uma matéria na graduação de direito ambiental comparado  com os EUA, por exemplo. As aulas são ministradas por vídeo-conferência e, ao  término do semestre, os alunos têm a oportunidade de realizar uma viagem de  campo, conhecendo, por exemplo, a Amazônia, o Pantanal.  
Além  disso, temos uma preocupação muito grande em desenvolver materiais de ensino que  possam ser utilizados no nosso curso, mas também por outras escolas de direito  no Brasil. Na área de pesquisa, focamos a metodologia empírica e  interdisciplinar. 
Atualmente  estamos trabalhando em parceria com o Centro de Pesquisa em Direito e Economia  da FGV Direito Rio para medirmos o grau de eficácia da lei ambiental brasileira  em cada Estado brasileiro.  No pilar políticas públicas, tentamos envolver os nossos pesquisadores e  profissionais que colaboram com o PDMA nos debates sobre formulação de políticas  públicas. Vamos elaborar um relatório sobre políticas públicas sustentáveis e  inclusivas para o bioma Amazônico.  Esses são alguns dos exemplos das nossas  atividades e dos desafios na difícil tarefa de formar e preparar o profissional  que atuará com direito e políticas públicas ambientais, e de contribuir para o  fortalecimento da democracia e do desenvolvimento no Brasil.
Observatório  Eco: Quais  são as ferramentas primordiais para o advogado que deseja atuar na área  ambiental em sua opinião, qual o perfil exigido pelo mercado? 
Rômulo  S. R. Sampaio: Pela  sua abrangência, a temática ambiental exige conhecimentos das mais diversas  áreas da técnica e da ciência. Os problemas ambientais se tornam cada vez mais  complexos. 
É  o caso, por exemplo, da mudança climática. Para se evitar uma tragédia do  anti-commons em que muitos sabem um pouco de cada área, mas a solução  exige o todo, o advogado é o profissional mais habilitado para conectar as  diversas áreas do conhecimento para resolver o problema. 
Portanto,  exige-se do advogado ambiental uma capacidade de mediação regulatória, de  conflitos e de composição do conhecimento, que o diferencia dos operadores das  outras áreas do direito.
Observatório  Eco: Qual  a melhor forma de implantar o desenvolvimento sustentável no Brasil? De que  forma o operador do Direito pode influenciar?
Rômulo  S. R. Sampaio: Durante  a primeira metade da década de 80, a então Primeira Ministra da Noruega, Gro  Harlem Brundtland, presidiu uma comissão de especialistas para tentar responder  a esta mesma pergunta na esfera mundial. O trabalho resultou em um famoso  relatório denominado “Nosso Futuro Comum”. São mais de quatrocentas páginas com  sugestões que passam pela construção de políticas públicas, de promoção da  equidade, diminuição do consumo, controle demográfico, dentre tantas outras  igualmente importantes. 
Muitas  das soluções apontadas esbarram na falta de vontade política. Por isso, os  esforços devem ser coordenados para que as políticas públicas sejam construídas  de forma holística, com ampla participação e qualificação dos representantes  populares. 
Há  que se implantar a cultura de gestão de riscos na formulação e na concepção de  políticas públicas e privadas. O operador do direito pode influenciar quando  consegue encarar a questão ambiental com a visão de um mediador de conflitos  jurídicos e um árbitro de informações científicas conflitantes.   
 
