A complicada equação do descanso dos mortos
09 de dezembro de 2011 | 3h 06
Washington Novaes, jornalista. E-mail: 
wlrnovaes@uol.com.br - O Estado de S.Paulo
Há poucos dias (23/11) este jornal informou que a verticalização na cidade de 
São Paulo chegou ao limite legal em 21 distritos - o que pode significar 
problemas, já que a cidade, com 11,24 milhões de habitantes e 3,9 milhões de 
domicílios, tem déficit de 712 mil imóveis (apesar de 290 mil sem moradores), 
que poderá chegar a 740 mil até 2024 (7/12). Ao mesmo tempo, com os múltiplos 
problemas da megalópole - trânsito, poluição, barulho etc. -, tende a ampliar-se 
para outras cidades e outros Estados o conceito paulistano de "3 em 1", que 
reúne na mesma construção a residência, a área de lazer e o shopping (9/11).
Já são muitos os problemas das megaconcentrações, aos quais o Programa das 
Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) acrescenta agora, em relatório 
(13/10), as perdas econômicas que elas podem implicar, com os custos que geram. 
Na Cidade do México, por exemplo, essas perdas podem significar 2% do produto 
econômico bruto do país a cada ano (na Europa, 0,5%). Em Buenos Aires e Dacar 
(Senegal), mais ainda: 3,4%. Diz o Pnuma que esse tema será relevante na Rio+20. 
Já o jornal Pravda (9/7) menciona estudo de universidade alemã demonstrando que 
o cérebro do morador da grande cidade sofre mais com o estresse que o do 
habitante de áreas rurais - aumenta o risco de esquizofrenia e de outras 
doenças.
Nesse mesmo panorama, têm surgido nos últimos tempos em jornais notícias de 
que cemitérios nas metrópoles, São Paulo incluída, começam a ser usados como 
espaços de meditação e silêncio por muitas pessoas. Mas até esses lugares já 
enfrentam problemas complicados, como os descritos na notícia (Estado, 30/9) 
sobre a sanção da lei paulistana que prevê a distribuição, em hospitais 
públicos, serviços funerários e crematórios, de cartilhas sobre as vantagens e a 
conveniência da cremação - em lugar do sepultamento - de corpos. Porque não há 
mais lugar nos 22 cemitérios públicos para sepultar 67 mil pessoas que morrem a 
cada ano - e só 10% são cremadas (100% no Japão, que não tem espaços). Os 
238.785 túmulos existentes em São Paulo já ocupam praticamente todo o espaço. 
Também no interior o problema está presente. Como em Franca, que está 
leiloando, a R$ 65 mil cada, 5,2 mil túmulos abandonados (Estado, 2/11). Ou em 
Araçatuba, que, depois de ocupar com túmulos os espaços de ruas internas do 
cemitério, está levando para ossuários restos mortais não reivindicados. Ou 
ainda em Álvares Machado, que constrói gavetas sobre covas para receber novos 
sepultamentos - em meio a conflitos.
Não é um problema paulista ou brasileiro apenas. Recentemente, a revista New 
Scientist (13/8) fez um relato interessante do que está acontecendo em várias 
partes do mundo nessa mesma área. Em Londres, por exemplo, restos mortais estão 
sendo desenterrados e sepultados, juntos, em túmulos comuns, que recebem, cada 
um, 80 mortos - apesar de a cremação já ser o caminho majoritário no país. Mas 
esta também tem seus adversários "científicos", porque consome energia, emite 
gases poluentes da atmosfera que contribuem para mudanças climáticas e outros 
gases tóxicos. Em outros países europeus, as concessões para túmulos só valem 
por 20 anos. Para Hannah Rumble, do Centro para Estudo da Morte e da Vida da 
Universidade de Durham, o reúso de túmulos "é o caminho mais sustentável".
Há quem proponha caminhos alternativos, inclusive para evitar o 
embalsamamento antes do enterro, já que os formaldeídos utilizados liberam 
produtos químicos considerados carcinogênicos. No lugar, seria melhor sepultar 
logo abaixo do solo, sem embalsamar, em caixas de madeira, para que se 
decomponham rapidamente. E sobre essas covas, de preferência em zonas rurais, 
plantar árvores, para que a área se transforme em parque ou pastagem. Já há mais 
de 200 locais com esse formato na Grã-Bretanha, no Canadá e na Austrália.
No Estado da Geórgia (EUA) já se encapsulam corpos cremados em bolas de 
concreto, depois colocadas em recifes de corais, para escorá-los, ou em outros 
lugares da costa. O método custa de US$ 3 mil a US$ 7 mil, ante US$ 1.600 da 
cremação. Outro caminho, que vai ser usado na Flórida, é o da hidrólise, em que 
o corpo é liquefeito (não cremado) em câmaras pressurizadas, enchidas com água e 
hidróxido de potássio e aquecidas por três horas a 180 graus Celsius. Os ossos 
assim "amaciados" são depois triturados e enterrados, enquanto a "sopa" de 
aminoácidos e peptídeos pode ser usada como fertilizante ou jogada na rede de 
esgotos. Os inventores desse método argumentam que ele gera 35% menos carbono 
que a cremação. Esta consumiria 35 quilowatts-hora de energia - utilizada para o 
aquecimento de gás natural a 800 graus - e produziria 400 quilos de dióxido de 
carbono, além de emitir mercúrio tóxico, em geral encontrado nos dentes do 
cremado.
Na Suécia, no ano que vem começa a ser usado o método de congelamento do 
corpo em nitrogênio líquido, antes de triturá-lo até virar pó, depois levado a 
uma câmara escura, a vácuo, para captar o mercúrio. Em seguida, o pó é sepultado 
durante um ano, ao fim do qual já poderá ser utilizado como fertilizante do 
solo. "A morte não é o fim, é o começo do processo", dizem os inventores do 
método. 
Tão sério é o problema da destinação dos corpos pós-morte que 15 países 
europeus assinaram recomendação para reduzir as emissões de gases em 50% na 
cremação até 2012 e em 100% até 2020. Pode parecer excêntrica, estranha, 
esquisita, descabida, até desrespeitosa essa mistura de ciências - economia, 
ecologia, sustentabilidade, urbanismo e muito mais - com o pós-morte. Mas não há 
como fugir ao tema dos dramas da urbanização, que hoje já atinge mais de metade 
da população mundial e 87% da população brasileira. O problema por aqui vai ter 
suas dimensões reduzidas com a queda das taxas de fertilidade e a estabilização 
populacional dentro de 20 anos. Mas ainda assim estará presente.
 
