Entrevista: Luiz Lara diz que publicidade vê 100 milhões de consumidores na classe média
autoria e fonte: http://www.dci.com.br/EntrevistaLuiz-Lara-diz-que-publicidade-ve-100-milhoes-de-consumidores-na-classe-media-414-380064.html
LL: Acho que ninguém está preparado. Acho que todos nós, anunciantes e agências, estamos procurando fazer a gestão da marca considerando a relação com todos esses públicos-alvo. E acho que as agências têm o desafio de fazer cada vez mais, e estão procurando fazer. É um processo progressivo da comunicação integrada, mas tudo nasce a partir de uma grande ideia. Ou seja, recentemente a Abap, que hoje eu presido, fez um evento chamado Story Tellers. No fundo, em qualquer plataforma de mídia, seja na Internet, num jingle no rádio, na televisão, você tem uma grande ideia. E, mais do que ter uma grande ideia, tem que contar uma boa história, pegando a contemporaneidade que está aí e inserindo com pertinência os valores de uma marca, os atributos de um produto ou de um serviço. Este é o segredo do nosso negócio. É por isso que estamos aqui e é por isso que a indústria da comunicação brasileira existe: por causa da criatividade. Nós estamos no negócio das ideias.
RMF: E os veículos estão acompanhando esta mudança?
LL: Estão acompanhado. Hoje o Brasil tem veículos de primeiro mundo numa economia em desenvolvimento. E agora que estamos numa economia de massa pela primeira vez na nossa história, com mais de 100 milhões de consumidores na classe média, pessoas com aspiração de consumo, precisamos acompanhar. Eu vejo veículos de qualidade na TV aberta, na TV a cabo, jornais, revistas, emissoras de rádio, portais de Internet crescendo... então eu vejo os veículos se desenvolvendo muito e aprendendo a colocar os seus conteúdos nas novas plataformas. O iPad [tablet da Apple] ainda está nascendo, e com o crescimento da banda larga teremos muita disponibilização de conteúdo em celular, em tablets, mas eu não acho que uma mídia vai matar a outra. Como quando falaram, uma vez, que a TV iria matar o cinema ou o rádio. A mídia se autoalimenta. Nós estamos com 75 milhões de internautas que buscam na Internet algo que não encontram na televisão. Então, o que alimenta a Internet é a televisão, onde se criam polêmicas. Por exemplo, a partir da televisão o espectador vai até a Internet para comentar, ou até a uma mídia social para expor a sua opinião. A mídia faz parte da realidade das pessoas, ainda mais hoje, quando as pessoas têm a oportunidade de se manifestarem.
RMF: O senhor preside uma agência reconhecidamente criativa. Mas a publicidade brasileira também é reconhecidamente competente e criativa. Como é essa competição? Como vocês lidam com ela para preservar a posição diferenciada no mercado?
LL: Para mim a propaganda é a indústria de ponta da economia criativa. E essa indústria é pautada na meritocracia: quem tem a melhor ideia ou quem constrói naquele momento a melhor solução para um problema do cliente. Enquanto eu estou concedendo entrevista aqui, algum concorrente qualificado está conversando com um cliente meu. E é com essa competição acirrada que o nosso talento é testado diariamente. E a gente não pode nessa profissão, em nenhum momento, trocar janela por espelho. Quando você acabou de finalizar uma campanha vitoriosa para uma marca, em que você a posicionou para ela ter um valor percebido maior do que o da etiqueta do produto, imediatamente você tem que ir além. Outras agências estão sempre procurando os seus clientes. No entanto, a Abas premia anualmente os clientes que têm relações mais longevas com suas agências. Uma prova de que a continuidade, a marca que sabe para onde vai, que tem missão, valores, e tem atributos claros, tem uma estratégia de comunicação consistente, vê na agência um parceiro estratégico. Então recomendamos a longevidade. Mas não se acomode, em nenhum segundo. É meritocracia: vende-se quem tem a melhor ideia, quem sabe melhor desdobrar uma história numa linguagem publicitária, construir a melhor comunicação possível.
RMF: Nesse sentido, no campo da ética, de contar uma história verdadeira, você acha que há uma autorregulamentação?
LL: Acho que sim. O Conar [Conselho de Autorregulamentação Publicitária] foi uma experiência pioneira, na década de 1980, quando nasceu o código de ética da propaganda brasileira. Acho que o Conar, desde então, vem procurando atender às demandas cidadãs da sociedade, vem procurando evoluir no conteúdo do seu código de ética. Ele nunca está pronto, está sempre mudando, acrescentando novos itens. De lá pra cá, já foram movidos mais de 7.300 processos por qualquer pessoa que se sinta lesada por uma propaganda enganosa. E o Conar em seus momentos mais delicados, como no caso da propaganda de bebidas, propaganda para crianças, ele tem evoluído no código de ética e adotado uma série de medidas, como direcionar informações aos pais no caso da propaganda para crianças. E esses cuidados podem até aumentar. A sociedade tem que cobrar mais, e o Conar pode fazer com que essa regulamentação cresça. No caso da proibição pura e simples [da propaganda], mesmo nos segmentos mais delicados, nós jamais poderemos substituir pela tutela do estado o poder do livre arbítrio das pessoas. Acho que devemos tomar cuidado quando falamos em proibir a propaganda. É uma ferramenta importante, ela reflete uma sociedade que optou por viver na livre iniciativa, optou pelo livre mercado, e ela permite o empreendedorismo de empresas como a Natura. A Natura, por exemplo, conseguiu ser inserida num mercado onde existem gigantes como a Unilever, a Avon, por conta do trabalho sobre a marca. A propaganda teve uma grande contribuição neste caso específico.
RMF: E como está a relação da propaganda com o conceito de sustentabilidade?
LL: O conteúdo das mensagens publicitárias tem que ser criticado pela sociedade, e nós devemos desempenhar o papel da autorregulamentação de forma crescente. A questão da sustentabilidade vem, de fato, se transformando em uma demanda dos consumidores. Temos que considerar que os consumidores são seres humanos, movidos a emoções. E que as decisões são emocionais. Essa nova classe C chega com um senso muito mais crítico do que o consumidor do passado. Existem também muito mais opções de produtos no mercado, coisa que anteriormente não existia. E o consumidor desta classe não quer apenas preço, ele quer qualidade e uma marca comprometida com questões sociais. Diante deste cenário, o consumidor começa a ficar preocupado com as questões sustentáveis, muitas vezes ele não consegue externar o conceito de equacionar os recursos naturais, econômicos e sociais, mas ele fica preocupado em consumir, a menos que a empresa tenha uma atuação junto à comunidade, e questões sobre responsabilidade social. E, a partir daí, começam a aparecer cada vez mais novas demandas. A partir dessas características do mercado.
RMF: É um conceito que vem passando para outras empresas?
LL: Sim. A Abap está lançando o índice de sustentabilidade na propaganda. Nós disponibilizamos nesta semana no nosso site um debate público sobre esses indicadores. Queremos usar a propaganda para disseminar a sustentabilidade. As pessoas podem, neste espaço, sugerir, na leitura dos indicadores, como aperfeiçoá-los, e aí faremos audiências públicas para implantá-los. Na sequência, pretendemos lançar o Prêmio Abap de Sustentabilidade. Estamos fazendo isso porque existe uma preocupação latente, na associação, de que nós não podemos admitir o "bate-bumbo" de que a empresa é sustentável se ela realmente não está adotando práticas sustentáveis.
Chegamos a detectar várias empresas que estão querendo abraçar o adjetivo da sustentabilidade sem praticá-lo. Então, os indicadores de sustentabilidade na propaganda são um incentivo da Abap para todos os seus associados, para que eles façam com que suas marcas sejam utilizadas de uma forma sustentável. Fizemos uma pesquisa recentemente com o Ibope sobre a imagem da propaganda brasileira. 87% dos entrevistados disseram que gostam da propaganda e que não imaginam o mundo sem ela. Está em todo lugar, faz parte da cultura popular. Por outro lado, 67% elogiaram campanhas de responsabilidade social, campanhas de vacinação, até campanhas de economia de energia na época do apagão. Ou seja, mesmo para um assunto "chato", o consumidor gostou da comunicação, do esclarecimento.
RMF: Fale um pouco mais sobre o congresso que a ABAP está organizando.
LL: Estarão presentes entidade como Abert, ANJ, Aner, Abei, Abrapromo, Abap etc. Desta vez o congresso terá um espectro maior, já que a comunicação evoluiu. Ele será realizado em maio do ano que vem, e nós vamos discutir assuntos importantes, tais como maneiras de utilizar a força de uma grande ideia nas diferentes plataformas, liberdade de expressão comercial, a questão do equilíbrio entre agências, veículos e anunciantes. O Brasil é bom em comunicação, nós temos grandes profissionais de comunicação.
RMF: Quais serão os impactos que eventos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas terão sobre o mercado publicitário?
LL: O Brasil hoje é mercado-chave para as principais marcas globais. É o quinto maior mercado do mundo, é o terceiro maior mercado do mundo para cartão de crédito, é o segundo maior mercado de cosméticos. Então não há hoje como uma empresa global deixar de considerar o Brasil um mercado-chave. Levando em conta isso e o potencial que as marcas vão desenvolver nas campanhas temáticas em dois grandes eventos midiáticos, como a Copa e as Olimpíadas, teremos inúmeras oportunidades para potencializar esses eventos. Outro aspecto importante para destacar no Brasil hoje é o crescimento do mercado de consumo no nordeste, no centro-oeste e na Região Sul. Isso permite uma descentralização da propaganda. Hoje os mercados regionais estão se fortalecendo, e isso é bom para a propaganda. Os segmentos que mais anunciam continuam sendo varejo, alimentos e bebidas, telecomunicações, setores financeiro e automotivo.
RMF: Para finalizar, qual é o segredo para uma agência se destacar no mercado hoje?
LL: Acho que o segredo para se destacar no mercado é ser relevante em meio a inúmeras informações e ideias. É a chave nesta era da comunicação. Se conectar às pessoas, criar campanhas que estejam de acordo com a realidade e com os anseios do consumidor.