União setorial é necessária para estimular a inovação tecnológica no processo produtivo e, assim, impedir a entrada indiscriminada de empresas no mercado, com concorrência predatória
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Por Eduardo Campos Lima
Luiz Henrique Ceotto
Para Luiz Henrique Ceotto, diretor de projeto e construção da Tishman Speyer, a falta de integração no setor dificulta a apropriação de inovações tecnológicas e facilita o surgimento de construtoras pouco habilitadas. "Sem barreira de entrada, demonstra-se a incompetência quebrando. Só que aí a empresa já atrapalhou a venda de todo mundo", acrescenta. Para sanar o problema é preciso fortalecer o diálogo na cadeia construtiva, estimulando a adesão a soluções integradas e padronizadas, à industrialização produtiva do processo construtivo e ao desenvolvimento de inovação tecnológica nacional. A união do setor criaria mecanismos sofisticados de proteção a empresas e clientes, como seguros obrigatórios de assistência técnica vinculados à venda.
A conformação atual do setor estimula a inovação?
A inovação tecnológica nas construtoras seria, num primeiro momento, as empresas se apropriarem das tecnologias já existentes - e não desenvolverem coisas novas.
Nem as tecnologias já disponíveis são utilizadas?
Não temos todas as tecnologias disponíveis no mundo, mas temos as principais e estamos fazendo pouco uso delas. Para usar a tecnologia, é preciso analisar o impacto em todos os pontos da obra e como isso se reflete no contrato, nos empreiteiros, no planejamento e na contratação de equipamentos.
Por que isso acontece?
O nosso setor é muito conservador. Como a nossa tendência não é planejar, mas contratar, não existe trabalho de base, formando grupos de trabalho na empresa que, efetivamente, apropriem-se da tecnologia. Isso é decidido, muitas vezes, pelo gestor da obra e só quando a tecnologia está na obra o pessoal começa a pensar sobre o assunto.
Quais as consequências para o construtor?
É algo que não é apenas custoso - às vezes, há muita patologia, às vezes há improdutividade. A falta de gestão, no sentido da correta apropriação da tecnologia, faz com que ela não funcione bem com relação a custo, à produtividade ou ao desempenho. O problema aí não está na tecnologia, mas na maneira como foi apropriada.
Empresas novas e inexperientes encontram barreiras tecnológicas?
Não, aqui no Brasil o responsável técnico pela obra nunca é chamado às falas. Costumo brincar que um dentista bem-sucedido se junta a um engenheiro desempregado e forma uma empresa. Sem experiência, quando calculam o custo esquecem de provisionar uma série de verbas que faltarão no futuro; a tendência é colocar preços muito baixos, inviáveis, o que faz com que a empresa quebre - mas apenas após ter competido predatoriamente com outras. Depois, esse mesmo engenheiro faz bobagem em outra empresa e não acontece nada. Se não houver barreira de entrada por competência, não há setor que resista.
Como gerar barreira de entrada?
Fazendo com que os responsáveis técnicos tenham uma história a ser avaliada. Por exemplo, na Inglaterra e em outros países europeus, a venda do imóvel é atrelada a um seguro obrigatório de assistência técnica. Aconteça o que acontecer com seu apartamento, tanto durante a construção quanto após a construção - por dez ou 20 anos -, esse seguro cobrirá. Ora, a companhia seguradora analisa o currículo da empresa e das pessoas que a estão gerindo para verificar se o seguro custará caro ou barato. Se o pessoal ainda não tiver história comprovada, o seguro fica muito caro - e isso tira a empresa do mercado. Outra barreira é exigir que, para ser responsável técnico por um empreendimento, o profissional apresente determinado currículo. Se a tarefa for fazer uma casinha, pode ser recém-formado. Mas se for uma obra de 100 mil m², é preciso ter experiência.
Nesse caso, quem seria o responsável pela regulação?
O Crea (Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia), por exemplo, mas prefiro que seja pelo seguro, porque é uma boa solução para o cliente e para as construtoras. As mais experientes e com histórico muito positivo terão seguro reduzido, ao passo que aquelas inexperientes ou que cometeram muitos erros no passado ficam inviáveis. É uma questão de mercado.
Muitas vezes, as empresas têm bom desempenho, mas não conseguem avaliar isso adequadamente.
Há falta de medição. Existem maneiras simples de medir a produtividade global numa obra, calculada pelo número de homens/hora/metro quadrado na área construída. Entretanto, as empresas não fazem essas medições. Não é preocupação, por exemplo, dos Sinduscons (Sindicatos da Indústria da Construção) do Brasil inteiro padronizar essas medidas. Se não apropriarmos produtividade, não vamos chegar a lugar algum. Se você não mede, não sabe se está melhorando ou piorando.
Qual o peso do desperdício de material decorrente da baixa produtividade?
Participei de uma medição, em 1985, quando ainda não havia armadura cortada e dobrada. Foi uma época em que se desperdiçava muito. Havia potencial de redução de custo da ordem de 20 a 25%. Havia tecnologia disponível para evitar o desperdício. Era só questão de gestão para baixar o custo em 20%, pois a maior parte do desperdício era com mão de obra. A produtividade era de 80 homens/hora/metro quadrado. Hoje é de 35, 40 homens/hora/metro quadrado. Ou seja: reduzimos a quantidade de gente pela metade. Hoje, o potencial de economia é muito menor, talvez de 10%. O mercado fornece uma série de alternativas. Ninguém mais compra bloco que não seja paletizado. Há 25 anos, o bloco era empilhado, jogado de cima do caminhão e ficavam pilhas de cacos.
Qual é o principal entrave atualmente?
Gestão e tecnologia. Se há tecnologia no mercado e não se apropria, por desorganização, o problema é de gestão. Antigamente, se alguém quisesse usar drywall, por exemplo, teria que importar e contar com grande estrutura. Agora, qualquer pessoa pode contratar uma aplicadora de drywall.
O mercado de equipamentos está preparado para atender à demanda?
Não consigo entender, por exemplo, porque falta grua no Brasil, já que é muito fácil de fabricar. Falta visão aos fabricantes de componentes. É claro que temos impostos e juros de investimento muito altos. Isso faz com que o custo de fabricar as coisas no Brasil seja muito mais alto que importar. Mas isso é só parte do problema. Os setores não conversam e por isso não conseguem planejar investimentos.
E quanto à qualidade dos equipamentos?
Nós fabricamos bons elevadores de cremalheira, por exemplo. Só que muito pouco está sendo fabricado no Brasil. É melhor importar da China, onde a qualidade já foi muito ruim, mas agora melhorou.
Devido à falta de mão de obra, tem ocorrido a inversão do fluxo de terceirização. Isso é um erro estratégico?
Houve um momento em que o pessoal começou a ter mão de obra e esse processo está se revertendo. Não tenho estatísticas, mas conheço empresas que fizeram isso e agora estão desistindo. Temos que incentivar as empresas especializadas para que as construtoras sejam general contractors. Quem trabalha para uma empresa especializada tem tendência zero de ficar desempregado, pois ou não existe sazonalidade ou ela é muito pequena. Numa construtora, a sazonalidade é muito grande. Não tem sentido retornar ao passado.
E a contrapartida é verdadeira? Estão aparecendo mais empresas especializadas no mercado?
Não, porque não trabalhamos como setor e não favorecemos o aparecimento dessas empresas. Temos que identificar os gargalos e fazer os setores se entenderem para investir em mão de obra, na formação de empresas.
Como o senhor avalia a interação entre universidades e empresas?
Melhorou um pouquinho. Para que haja sucesso, é preciso que uma construtora, uma fábrica de componentes e a universidade atuem juntas. Mas não se formaram líderes capazes de gerir esse tipo de processo. Empresas, fabricantes e universidade, muitas vezes, não se entendem.
Como a norma de coordenação modular influencia os projetos?
Não existe industrialização da construção sem norma de coordenação modular obrigatória. Teria que ser transformada em lei, ao lado da norma de desempenho. Hoje, qualquer um faz o que quer com relação à coordenação modular: um componente não conversa com o outro. Ao colocar o componente no mercado, esse produto deveria estar adequado à norma de coordenação modular. Se isso não for obrigatório, não vai sair nunca. A norma tem mais de 60 anos e até agora não aconteceu nada. Isso gera desperdício grande - e o maior desperdício é a mão de obra devido à quantidade de trabalho nas interfaces.