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12/01/2011
Por Fábio de Castro
Agência FAPESP – A atribuição de valor aos serviços ecológicos é um
fator importante para incentivar a preservação da natureza e da biodiversidade.
Mas não é suficiente: as dimensões econômicas por si só não garantem a
conservação se não forem agregadas a fatores não-econômicos que envolvem valores
históricos, culturais e até mesmo estéticos.
A conclusão é de uma análise sobre a valoração econômica e os instrumentos
para a conservação e uso sustentável da biodiversidade coordenada por Luciano
Verdade, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da
Universidade de São Paulo (USP).
Verdade, que é membro da coordenação do Programa Biota-FAPESP, apresentou os
resultados do estudo durante a conferência internacional Getting Post 2010 –
Biodiversity Targets Right, realizada em dezembro pelo Programa Biota-FAPESP,
pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e pela Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência (SBPC).
O professor coordena o Projeto Temático Mudanças socioambientais no Estado de São Paulo e perspectivas
para a conservação, financiado pela FAPESP.
A reflexão sobre valoração econômica e conservação da biodiversidade foi
feita a partir de uma análise das mudanças socioambientais ocorridas na região
de Angatuba (SP), município situado a cerca de 210 quilômetros a oeste da
capital paulista.
“A análise das mudanças ao longo do tempo mostrou que a configuração que
encontramos hoje na região estudada tem uma base mais histórica que propriamente
geográfica biológica. As transformações econômicas no decorrer do processo
histórico foram o motor das mudanças nos processos ecológicos e agrícolas. Ao
mesmo tempo, o estudo indica que a atividade econômica – às vezes vista como uma
panaceia para combater a perda da biodiversidade – pode ser também a causa dessa
perda”, disse Verdade.
A localidade de Angatuba foi elevada à categoria de município no ano de 1885.
Entre 1889 e 1929, a população rural era predominante na área onde foi realizado
o estudo. Havia pelo menos 30 famílias instaladas na zona rural.
“Era uma região com concentração de poder político, de onde saíram senadores
e governadores naquela época. Na área de educação, havia ali um esforço maior
que em outras cidades do mesmo porte. Em função desse desenvolvimento, houve um
grande desmatamento, com a introdução de culturas de café, feijão, milho e
frutas. Havia uma pressão de caça significativa e intensa extração de madeira.
Naquele período, a população escrava foi substituída por imigrantes”, disse
Verdade.
Com a crise financeira de 1929, a cultura de café foi subitamente abandonada,
acarretando a recuperação da vegetação nativa. A depressão econômica causou um
êxodo rural – os descendentes de escravos não permaneceram na região –, perda do
poder político e retração dos esforços educacionais.
“Entre 1930 e 1975, houve um considerável processo de revegetação nativa –
área de transição entre Cerrado e floresta semidecídua – e uma diminuição
sensível da pressão de caça”, disse.
Entre 1975 e 2005, a população rural da área estudada passou por outra
retração: restaram apenas cerca de dez famílias. “Mas o desmatamento da
vegetação nativa voltou a aumentar, com o avanço dos pastos e da pecuária.
Algumas árvores permaneceram no meio dos pastos, modificando a composição da
paisagem. A pressão de caça voltou a ser significativa”, disse o
pesquisador.
Em 2005, com a chegada da silvicultura, a população diminuiu ainda mais.
Restaram duas ou três famílias. A legislação ambiental garantiu a implementação
de áreas de preservação permanente (APP) e da reserva legal (RL).
“Graças a isso, está ocorrendo um novo processo de revegetação nativa e a
pressão de caça voltou a diminuir. O esforço educacional do começo do século 20
também retornou, na forma de um esforço científico, com o nosso Projeto Temático
e outras ações de pesquisa. Hoje, encontramos uma paisagem ainda mais modificada
pelo advento da silvicultura, com eucaliptos no meio dos campos, por exemplo”,
afirmou.
O caso de Angatuba, segundo Verdade, ilustra os processos que ocorreram de
maneira geral em todo o Estado de São Paulo. “As mudanças ocorridas no estado se
devem a transformações econômicas ao longo do processo histórico – e não tanto a
transformações biológicas. As atividades econômicas vêm movendo os processos
ecológicos e agrícolas”, disse.
Perspectivas econômicas
A biologia da conservação passou por diferentes momentos desde sua origem na
década de 1970, a partir da obra do biólogo norte-americano Michael Soulé, que
hoje atua na Universidade da Califórnia em Santa Cruz, Estados Unidos. No
início, a preocupação estava voltada principalmente para as populações pequenas,
submetidas ao risco de extinção.
“A partir disso, houve o desenvolvimento de outras disciplinas ligadas á
conservação biológica, incluindo a Ecologia da Paisagem e a medicina da
Conservação. Em um dado momento, passou-se também a pensar nas dimensões
econômicas ligadas aos processos de conservação de biodiversidade. Nesse
sentido, Robert Costanza, da Portland State University, dos Estados Unidos,
destaca que o “investimento na conservação sempre implica em custos”, disse
Verdade.
Outra corrente, liderada pelo australiano Graeme Caughley (1937-1994), prega
que são os processos demográficos de declínio populacional, envolvendo taxas de
natalidade e de mortalidade, que empurram as populações para as extinções. A
extinção, portanto, não seria apenas um problema de populações pequenas.
“Nessa perspectiva, há poucas alternativas em termos de conservação. Em um
primeiro momento, podemos tentar aumentar o número de indivíduos de uma espécie
que sofreu declínio populacional indevido. Nesse sentido, pode-se considerar a
conservação como uma prática de manejo de espécies ameaçadas”, explicou.
Outras práticas possíveis são o controle de populações que tenham crescido
indevidamente, ou o manejo para se alcançar o máximo rendimento sustentável de
populações com valor econômico para caça, pesca ou coleta.
“Mas a motivação econômica para o manejo ocorre especialmente em duas
categorias de populações: as ‘pragas’ e as espécies com valor econômico. As
espécies consideradas ‘pragas’, são algumas dezenas. As de valor econômico –
assim como as espécies ameaçadas – são contadas às centenas. A maior parte das
espécies – alguns milhões delas – não se encaixam, no entanto, em nenhuma dessas
categorias”, disse o professor da Esalq.
Quando se trata de controle na perspectiva da dimensão econômica, o objetivo
é promover a extinção da espécie em questão. “Mas raramente temos sucesso com
isso. Estudos mostram, por exemplo, que fêmeas de coiotes de populações sob alta
pressão de caça ovulam mais que fêmeas de populações não caçadas. Exceto em
relação a alguns grandes mamíferos, predominam exemplos de fracasso no manejo
visando ao controle. Nunca vamos extinguir as baratas, por exemplo”,
afirmou.
Quanto à exploração econômica das espécies, Verdade conta que os fatores
culturais têm um papel que nem sempre é levado em conta. “No Brasil, por
exemplo, somos muito conservadores em relação à pesca e muito liberais em
relação à pesca. Na caça não se pode nada, com algumas exceções. E na pesca,
pode-se tudo, com algumas exceções”, disse.
A visão da sociedade em relação à caça/pesca esportiva, segundo o cientista,
é muito mais negativa que em relação à caça/pesca comercial. Mas a caça
esportiva traria consigo um componente cultural, não econômico: o caçador quer
perpetuar o animal para poder caçar sempre.
“O aspecto cultural assegura que o objetivo da atividade em si seja não
econômico, o que permite sua perpetuação. A lógica econômica da caça comercial,
por outro lado, tem como objetivo a exaustão de uma espécie e, em seguida, a
busca de outra espécie até sua exaustão e assim sucessivamente. No entanto, ela
é mais tolerada que a caça esportiva”, disse o membro da coordenação do
Biota-FAPESP.
Desenvolvimento de mão dupla
A agricultura tem um impacto muito maior do que a caça na alteração do
ambiente. A atividade agrícola traz benefícios inegáveis, de acordo com ele,
permitindo o acúmulo de alimento. Mas traz também problemas ambientais.
“Justamente por ter permitido o adensamento populacional urbano, a atividade
agrícola tem um custo ambiental altíssimo, gerando poluição e doenças. A
agricultura gera riqueza e podemos dizer que ela viabilizou a civilização. Até
mesmo as guerras só passaram a existir graças a ela, porque os exércitos só
podiam se locomover se tivessem comida acumulada. Antes da agricultura só havia
guerrilha”, disse Verdade.
Fenômeno ligado à economia, o desenvolvimento, de modo geral, traz consigo
dois custos ambientais significativos: o aumento do consumo de energia e a
destruição do habitat de certas espécies. Essa destruição do habitat teria
extinguindo mais espécies que a própria caça.
“O processo de desenvolvimento leva a uma situação peculiar: quando a vontade
individual se sobrepõe à vontade coletiva, normalmente se opta pelo benefício
individual, o que leva ao colapso do sistema. Se não houver certa
regulamentação, não se pode pensar na manutenção da funcionalidade do sistema.
Para a coletividade brasileira, por exemplo, seria mais interessante manter um
Código Florestal mais conservador. Mas, para setores individuais, o benefício
vem com a relativização do código”, afirmou.
Nesse contexto a solução pode estar na valoração da economia dos serviços de
ecossistemas – como a água e os polinizadores, por exemplo. “Mas esse processo
de valoração tem limitações e requer avanços tecnológicos. As regulações exigem
fiscalização. E os preços de mercado são flutuantes, o que dificulta a tarefa”,
disse Verdade.
Para o cientista, o estudo do caso de Angatuba, colocado em perspectiva
histórica da biologia da conservação, sugere que a atribuição de valor econômico
não basta para preservar os recursos naturais. Segundo ele, há valores
econômicos envolvidos – valores históricos, culturais e estéticos – que não
podem ser negligenciados.
“O mercado varia, os preços caem e as crises acontecem. Há possibilidade de
agregar valores à conservação da biodiversidade, de forma que o processo
evolutivo seja mantido da melhor maneira possível. Nesse aspecto, as dimensões
econômicas podem ser interessantes. Mas, se não agregarem valores
não-econômicos, serão incapazes de garantir por si só a conservação da
biodiversidade”, disse.