sexta-feira, 8 de julho de 2011

Aplicação da bioengenharia de solos em parques lineares

Bioengenharia de solos na proteção de cursos d'água



Fonte: http://www.revistatechne.com.br/engenharia-civil/149/artigo149943-2.asp

autoria: Maria Lúcia Solera




O solo é um dos recursos naturais de equilíbrio mais instável. Sua desestabilização tem início com a remoção da cobertura vegetal protetora (florestas, arbustos, forragens etc.), quando aparecem outras formas de uso e ocupação como a agricultura, pastagens e a ocupação urbana.




Foto 1 - Estabilização de margem: Live Cribwall (Soldotna, Alaska). Robbin B. Sotir & Associates, Inc.



A perda da camada superficial do solo pela ação de fatores naturais, principalmente a água, contribui para o arraste de suas partículas constituintes, causando problemas como o assoreamento e alteração dos níveis de turbidez de cursos d'água.
As margens dos cursos d'água e encostas estão sempre sujeitas à ação do processo natural de erosão, no qual o solo erodido é transportado e depositado em outro local. Em certas condições, a velocidade da erosão em margens de cursos d'água pode aumentar, devido à remoção da vegetação, ao aumento da vazão dos rios e à ação de ondas provenientes de ventos e do movimento das embarcações.




Foto 2 - Restauração do ambiente aquático e da qualidade da água. Portland, Oregon. Robbin B. Sotir & Associates, Inc.

A água é o principal agente dos processos de erosão e tem influência decisiva na estabilidade das encostas.
Em situação de processos erosivos intensificados, a água concentrada (por chuvas ou por ação humana) configura uma situação importante e preocupante, pois pode causar a desagregação e transporte do material erodido com grande facilidade devido à alta velocidade do fluxo d'água e à eventual baixa resistência do material das margens dos cursos d'água.
Embora sejam muito antigos, os problemas ambientais relacionados à erosão do solo estão entre os mais importantes a se enfrentar.
Em um contexto de valoração ambiental, tecnologias utilizadas no passado, e atualmente denominadas bioengenharia de solos, retornam como uma alternativa tecnológica em projetos de gestão dos recursos hídricos. A implantação de obras relativamente simples, que utilizem critérios ecológicos e de custo reduzido, surgem como solução para estabilizar, proteger, recuperar e recompor trechos ou mesmo a totalidade de alguns cursos d'água que têm suas margens comprometidas por processos erosivos.
A bioengenharia de solos é uma tecnologia que agrega princípios técnicos, ecológicos, estéticos e econômicos na estabilização de taludes fluviais, reduzindo a velocidade da água e o seu potencial de erosão e/ou aumentando as forças de resistência do material constituinte.






Foto 3 - Gabião caixa. Córrego Bussocada, Osasco (SP)

A difusão dessa tecnologia no Brasil e no mundo, junto ao meio técnico e aos órgãos públicos, e a promoção de sua utilização na estabilização e/ou proteção de margens de cursos d'água pode contribuir para tornar essa solução economicamente viável, comparada em relação aos métodos tradicionais da engenharia civil.
Essa alternativa tecnológica remonta aos antigos povos da Ásia e Europa. Na China, seu uso data de antes do século XII, quando os chineses utilizavam feixes de galhos (feixes de plantas vivas) para estabilizar margens de rios. No início do século XX, a China passou a utilizar técnicas similares para controle de erosão e enchentes ao longo do Rio Amarelo. Nos Estados Unidos, os primeiros registros datam de 1920, quando foi utilizada na estabilização de erosões em margens de cursos d'água e taludes (Durlo; Sutili, 2005).




Foto 4 - Margem erodida. Sutili (2003)


Inserida no campo da ciência, a bioengenharia de solos compreende trabalhos que constituem a construção de estruturas físicas utilizando materiais inertes (pedras, madeiras, metais, geotêxteis), combinadas com material vegetal vivo (sementes, estacas, feixes de plantas vivas), fortalecendo encostas e margens de cursos d'água instáveis, porém, não substituindo a engenharia hidráulica ou a geotécnica tradicional, e sim complementando e melhorando os métodos de construções tradicionais (Araujo; Almeida; Guerra, 2007).


Bioengenharia no mundo e no Brasil

Amplamente difundidas no exterior e utilizadas há décadas na Europa Central, em países como Alemanha, Suíça, Norte da Itália e Áustria e, também, na América do Norte, as técnicas de bioengenharia de solos são reconhecidas como uma importante ferramenta na estabilização e/ou recomposição de encostas, áreas degradadas, margens de cursos d'água, córregos, barragens e problemas ambientais que afetam taludes de rodovias.
O cribwal, estrutura de contenção que consiste em um arranjo estrutural de madeira ou pré-moldado de concreto, na forma de gaiola (berço), preenchido com solo compactado, pedras e mudas, faz parte dessas técnicas e foi empregado ao longo das margens do Rio Kenai, no Alaska (foto 1) para estabilizar o processo erosivo e restabelecer a vegetação. A técnica pode ser aplicada para diferentes abordagens e objetivos.


Foto 5 - Margem recuperada. Sutili (2005)

Diferentes técnicas da bioengenharia de solos foram empregadas nas margens de um curso d'água em área urbana de Portland, Oregon (EUA), com o objetivo de restaurar o ambiente aquático e a qualidade da água afetados durante a construção de uma nova ponte (foto 2).
O projeto que consistiu do emprego de geogrelhas vegetadas, camadas de ramos de árvores e feixes de vegetação, experimentou várias enchentes com longos fluxos e, após a ocorrência desses eventos, a cada ano, continuou mostrando-se eficiente na função ambiental para a qual foi projetada.
Na Europa, em muitos casos, a bioengenharia de solos é praticada como alternativa às técnicas tradicionais de engenharia na solução de problemas ambientais, quando corretamente empregadas. Especialmente na Áustria, ela é empregada na renaturalização de cursos d'água que, no passado, foram quase totalmente retificados, calçados e/ou concretados por métodos tradicionais (Sutili, 2007). No Brasil, as técnicas de bioengenharia de solos ainda são incipientes, por escassez de pesquisas e na utilização, estando restritas a aplicações em reservatórios artificiais e taludes de rodovias.
Comumente, na estabilização ou proteção de margens de cursos d'água e córregos não canalizados que sofrem processos erosivos, são empregados projetos da engenharia tradicional como gabiões tipo caixa, que são estruturas constituídas de tela de arame revestido ou não, preenchidos com pedras (foto 3).
No entanto, já podem ser observadas iniciativas de construção de medidas estruturais adotando-se técnicas da bioengenharia de solos, em caráter experimental, como as realizadas por pesquisadores da Universidade de Santa Maria, na área de drenagem do Arroio Guarda Mor, no município de Faxinal do Soturno, no Rio Grande do Sul, onde ocorreram problemas de instabilidade resultantes da ação da água, provavelmente pela presença de touceiras de taquaras plantadas sobre o talude (Durlo; Sutili, 2005).




Foto 6 - Margem recuperada. Neves (2007)

Em um trecho do Arroio Guarda Mor, com aproximadamente 4 m de altura e 40 m de extensão, os pesquisadores optaram pela construção de uma parede vegetada de madeira ou parede-Krainer(Krainerwand em alemão), utilizando material vegetativo como as mudas, estacas vivas e feixes vivos, e como material construtivo, troncos e pilotis de eucalipto, estacas roliças, arames e grampos de cerca, em uma sequência construtiva que permitiu o desenvolvimento adequado das espécies naquelas condições ambientais.

Para a construção da parede-Krainer (fotos 4 e 5), realizou-se uma intervenção física no talude, com o objetivo de proporcionar condições mais estáveis para então receber a vegetação e um tratamento vegetativo. Essa intervenção consistiu na inserção de estacas vivas de forma ordenada sobre o talude, que, por propagação vegetativa, daria início à vegetação, que se desenvolveria apoiada na proteção física até a sua consolidação e que fosse suficiente para manter a estabilidade do talude.
O resultado obtido com a implantação da parede-Krainer (Durlo; Sutili, 2005) produziu os efeitos esperados na proteção e estabilização da nova margem do Arroio Guarda Mor, mostrando-se capaz de solucionar problemas com grau razoável de dificuldade, mantendo a estabilidade do talude em situação de eventos torrenciais.
Conforme preconiza a bioengenharia de solos, nas margens do córrego Judas, que entrecorta o Parque Municipal Severo Gomes e deságua no rio Pinheiros, localizado na Granja Julieta, município de São Paulo, foi construída uma estrutura de madeira (parede de madeira roliça), utilizando material inerte, disponível no Parque, de antigas construções do playground e da ponte de madeira sobre o córrego Judas (foto 6).
A construção da parede teve como objetivo estabilizar o processo erosivo instalado nas margens do córrego (foto 7), decorrente do aumento da velocidade da água após intensas chuvas, elevando o nível da água até 3 m de altura.
Em conjunto com a construção da parede de madeira, a existência de uma espécie herbácea, o lírio-do-brejo (Hedychium coronarium), adaptada a ambientes sombreados e úmidos, pode exercer a função de proteção do talude evitando a erosão laminar.

Por que empregar a bioengenharia de solos?

Considerando-se que as atividades humanas voltadas ao desenvolvimento econômico são as maiores responsáveis pela degradação ambiental relacionada aos processos erosivos, tem-se a necessidade de buscar novas tecnologias para solucionar esses problemas, mesmo quando tais tecnologias, na realidade, possam ser novas adaptações de práticas já conhecidas.
A bioengenharia de solos vem ao encontro dessa necessidade e tem como finalidade recuperar o local atingido, imitando ou acelerando o que está ocorrendo naturalmente, atuando na estabilização de taludes fluviais, reduzindo a velocidade da água e, portanto, reduzindo o potencial de erosão e/ou aumentando as forças de resistência do talude (Araújo; Almeida; Guerra, 2007).
Tal tecnologia é considerada uma alternativa promissora para solucionar casos de degradação ambiental, especialmente aqueles decorrentes do processo erosivo natural dos cursos d'água, ou resultantes de ações antrópicas de ocupação, envolvendo tanto perdas econômicas quanto situações de risco. Esses casos podem ser mitigados ou solucionados, contribuindo na estabilização dos taludes marginais, na recuperação da mata ciliar e na estabilização de processos erosivos em margens de reservatórios voltados à geração de energia elétrica.
A bioengenharia de solos, por apresentar técnicas de melhor aplicabilidade econômica e ambiental, em especial no Brasil, fornece condições favoráveis como o desenvolvimento da vegetação, o baixo custo e consumo de materiais e mão de obra e, dependendo da obra a ser realizada, com dispensa do uso de maquinários pesados.
O emprego de técnicas da bioengenharia de solos pode ser um caminho na recuperação de cursos d'água com o uso dos recursos existentes na região, a ser adotado pelas administrações de municípios carentes que não dispõem de recursos financeiros para investir em obras da engenharia convencional.
Como tecnologia, pode ser uma solução igualmente eficaz comparada aos métodos convencionais da engenharia civil, muito embora não seja a única solução para todos os problemas relacionados à estabilização de solos, taludes, controle de erosão em margens de cursos d'água, reservatórios etc. As vantagens e limitações da biotecnologia devem ser avaliadas, considerando-se uma série de fatores processuais condicionantes, como clima, geologia, solo, hidrografia e vegetação local, e agentes como água, vento, temperatura e o próprio homem.
No entanto, o sucesso das obras de bioengenharia de solos na estabilização de encostas, tratamentos de boçorocas e controle da erosão de forma geral, principalmente as de origem fluvial, dependerá de um melhor conhecimento das técnicas de engenharia envolvidas, além das propriedades da vegetação.




Foto 7 - Margem erodida. Neves (2005)

Considerando-se as vantagens dessa tecnologia, é recomendável aprofundar os estudos quanto à avaliação do desempenho das diversas técnicas empregadas, características da bioengenharia de solos.

Maria Lúcia Solera, bióloga CT-Floresta - Seção de Sustentabilidade de Recursos Florestais, Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo, lucinha@ipt.br