segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Brasil é considerado 'notável exceção' no atual quadro de epidemia tabagista



Diferentemente de outras nações emergentes, o governo brasileiro adotou medidas contra o cigarro já nos anos 80. China e Rússia, além de serem historicamente grandes consumidores de cigarro, adotaram políticas de controle recentemente, há cerca de cinco anos


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Isabela de Oliveira - Correio BraziliensePublicação:13/01/2014 13:00Atualização:13/01/2014 14:13
Os valores dos maços de cigarro não acompanham a velocidade com que cresce a economia dos países emergentes, com notável exceção do Brasil. Mais baratos e acessíveis, os produtos do tabaco estão se alastrando rapidamente nas nações em que o poder de compra aumentou nos últimos anos, em especial na China, Índia, Indonésia e Rússia. A constatação é de um estudo publicado no periódico The New England Journal of Medicine. Além de destacar a situação brasileira, o epidemiologista Prabhat Jha, autor da análise, alerta que, se o veneno continuar a contaminar as potências mais populosas do planeta, as mortes causadas pelo fumo vão dobrar nos próximos 20 anos, de 5 milhões para mais 10 milhões.


Jha, pesquisador do Centro de Pesquisa em Saúde Global da Universidade de Toronto, no Canadá, estima que as perdas serão menos representativas em território brasileiro. Isso porque, ao contrário da postura tomada com relação à maioria das políticas públicas, o Brasil não deixou para se preocupar com os prejuízos do cigarro na última hora. A atitude pioneira foi tomada quase 30 anos antes de nações que hoje se veem sufocadas pela fumaça. “Temos menores taxas em relação a outros países em desenvolvimento porque acompanhamos o tabagismo efetivamente desde 1989, realizando campanhas em escolas, empresas e unidades de saúde”, avalia Felipe Mendes, representante da Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, criada pelo Ministério da Saúde.


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China e Rússia, além de serem historicamente grandes consumidores de cigarro, adotaram políticas de controle recentemente, há mais ou menos cinco anos. “A China, por exemplo, acabou de anunciar que vai promover uma lei de ambientes livres a partir deste ano”, observa Mendes. No Brasil, a legislação que proíbe o fumo em locais fechados existe desde 1996, mas previa a abertura de fumódromos. Esses espaços foram completamente proibidos em 2011, apesar de funcionarem por liminar em alguns estados.



No ranking dos grandes consumidores de cigarro, especialmente entre os emergentes, a potência sul-americana registra, inclusive, as quedas mais significativas na proporção de ex-fumantes quando comparadas às de fumantes na meia-idade. Entre as pessoas com 45 a 64 anos na União Europeia e nos Estados Unidos, por exemplo, há atualmente tantos ex-fumantes quanto fumantes. No Brasil, o número de pessoas nessa faixa etária que largou o fumo ultrapassa o de tabagistas, alcançando 21,1% daqueles que já foram viciados em nicotina.



Segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), 130 mil mortes são diretamente relacionadas ao consumo de cigarros no país por ano. Nos Estados Unidos, o número aproximado é de 443 mil. Na China e também na Índia, o tabaco faz cerca de 1 milhão de mortes anualmente. “Não é verdade que o consumo na China, que hoje tem 300 milhões de fumantes, caiu. A produção de tabaco é em grande parte consumida internamente e aumentou nos últimos anos”, afirma Jha, contestando que o consumo nas grandes nações esteja diminuindo. Dois terços de todos os fumantes do planeta vivem, em ordem decrescente de tabagistas, na China, na Indonésia, nos Estados Unidos, na Rússia, no Japão e no Brasil (Veja infográfico).

Antes, a epidemia
Luiz Carlos Romero, pesquisador colaborador do Programa de Direito Sanitário da Fundação Oswaldo Cruz, em Brasília, descreve, em um artigo publicado na Revista Brasileira de Cancerologia, que a epidemia do cigarro ganhou espaço no país a partir da década de 1970, quando existiam 25 milhões de fumantes para uma população de 90 milhões de brasileiros. Em 1980, 33 milhões de pessoas no país já consumiam o tabaco — um crescimento de 32%.



Em 1986, a quantidade de cigarros vendidos no mercado interno havia crescido 132% , enquanto a população adulta tinha aumentado apenas 69%. De 1970 a 1986, o consumo de cigarros passou de 780 unidades por pessoa para mais de 1,2 mil . Em 1989, a prevalência de tabagismo entre adultos era de 34,8%. Atualmente, é de 12,1%, para uma população muito maior: cerca de 200 milhões de pessoas.



As ações brasileiras no enfrentamento ao fumo começaram tímidas. Em 1986, foi criado o Programa Nacional de Combate ao Fumo (PNCF) e estabelecido o Dia Nacional de Combate ao Fumo, em 29 de agosto. Até então, a legislação privilegiava completamente a indústria fumageira, e os malefícios do tabaco não eram claros para a população.



Para Romero, a ação que mais rendeu resultados foi a proibição da publicidade e do patrocínio de marcas de cigarro, estabelecida em 2000. “Outra coisa que na época não foi muito valorizada foi as advertências nas embalagens. O aumento do preço, ainda que insuficiente, também teve peso”, avalia o pesquisador.



Essa última medida, para Jha, é a mais eficiente. Segundo o estudo conduzido por ele, se fossem triplicados os impostos sobre o cigarro em todo o mundo, o número de fumantes reduziria em um terço e seriam evitadas 200 milhões de mortes prematuras por câncer de pulmão e outras doenças ainda neste século. A medida seria especialmente eficaz em países de renda baixa e média, onde os cigarros são até 70% mais baratos e as taxas de tabagismo continuam a subir.



“Os lucros do tabaco são de U$ 50 bilhões por ano, ou cerca de US$ 10 mil por morte. Isso gera uma grande influência política”, aponta Jha, observando que os países mais pobres enfrentam muita pressão da indústria. Atualmente, o Brasil arrecada R$ 6,3 bilhões em impostos, mas gasta R$ 21 bilhões para tratar 15 doenças causadas pelo tabagismo. “Aquele discurso dos produtores de que eles geram riquezas para o país não é verdade porque o que as nações gastam em pensões, tratamento e mortos é muito maior”, critica Mendes.