SITE INOVAÇÃO TECNOLÓGICA. Cão de Pavlov eletrônico: computadores podem aprender. 11/05/2012. Online. Disponível em www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=cao-pavlov-eletronico-computadores-aprender. Capturado em 12/05/2012.
Redação do Site Inovação Tecnológica - 11/05/2012
Os cientistas conseguiram ensinar os circuitos eletrônicos a
memorizar reações. [Imagem: Hermann Kohlstedt]
Comportamento eletrônico
Os experimentos com cães do russo Ivan Pavlov estão para a psicologia assim
como o lendário "experimento" de Newton com a maçã está para a física.
Até o início do século 20, a ciência assumia que os seres vivos agiam
seguindo alguns reflexos instintivos inatos. Mas Pavlov demonstrou que era
possível gerar reações sem o estímulo físico característico.
Ao tocar um sino antes de alimentar os cães, ele demonstrou que, após algum
tempo, os cães salivavam apenas ao ouvir o toque da sineta, sem que houvesse
nenhuma comida por perto.
A história parece estar se repetindo no campo da eletrônica.
Até há pouco tempo, considerava-se que os componentes eletrônicos, que formam
os computadores e toda a parafernália tecnológica com a qual estamos
acostumados, "agiam" apenas segundo a corrente elétrica que passava por
eles.
Isso começou a mudar com a criação do memristor, uma memória
resistiva, que se "lembra" da corrente elétrica que a percorreu anteriormente -
por isso apelidado de "sinapse artificial".
Agora, cientistas da Universidade de Kiel, na Alemanha, construíram uma
versão eletrônica do cão de Pavlov: essencialmente, um circuito que "aprende
pela experiência".
"Nós usamos memristores a fim de imitar o comportamento associativo do cão de
Pavlov na forma de um circuito eletrônico," resume o professor Hermann
Kohlstedt, coordenador da equipe.
Aprendizado de máquina
Essencialmente, este experimento está para a computação assim como o
experimento de Pavlov está para o comportamento humano, ou Newton e a maçã estão
para a física.
Ocorre que as informações digitais e as informações biológicas são
processadas seguindo princípios fundamentalmente diferentes.
É por isso que é tão difícil ensinar as coisas aos computadores e aos robôs:
eles simplesmente não aprendem pela experiência.
Isso força os humanos a escrevem programas exaustivamente extensos, que devem
prever cada situação que o equipamento irá encontrar, em detalhes, dizendo como
ele deverá agir em resposta a cada uma dessas situações. Quando alguma coisa sai
fora do script, o programa trava ou é encerrado abruptamente.
Assim, estamos longe de podermos falar sobre "processos cognitivos" de um
computador ou de um robô.
A replicação do cão de Pavlov em escala eletrônica pode mudar tudo isso ao
abrir, pela primeira vez, a possibilidade de se projetar circuitos eletrônicos
que imitem o aprendizado animal.
Cognição eletrônica
Enquanto um resistor "reage" à corrente elétrica simplesmente impondo uma
resistência à sua passagem, o memristor consegue se "lembrar" da última corrente
que passou por ele porque ele altera sua própria resistência a cada passagem da
energia.
Há tempos os cientistas sonham em usar esse efeito memória para criar
circuitos similares às conexões existentes entre as sinapses cerebrais.
"No longo prazo, nosso objetivo é transferir a plasticidade sináptica para os
circuitos eletrônicos. Nós poderemos até mesmo recriar eletronicamente as
habilidades cognitivas," confirma Kohlstedt.
E o experimento do "cão de Pavlov eletrônico" é um marco no caminho em
direção a esse objetivo.
O circuito eletrônico apresenta o comportamento clássico do
condicionamento observado no campo da psicologia. [Imagem: Advanced Functional
Materials]
Cão de Pavlov eletrônico
O experimento do cão de Pavlov eletrônico consistiu no seguinte: dois
impulsos elétricos foram interligados a um comparador através de um memristor.
Os dois impulsos representam a comida e o sino no experimento de Pavlov.
Um comparador é um dispositivo que compara duas tensões ou correntes e gera
uma saída quando se atinge um determinado nível. Neste caso, quando o valor
limite é atingido, o comparador produz o sinal de saída, representando a
salivação do cão eletrônico.
Além disso, o elemento memristivo tem sua própria tensão limite, que é
definida por propriedades físico-químicas estabelecidas na sua fabricação.
Abaixo desse valor limite, o memresistor comporta-se como qualquer resistor
comum. Acima do limite, surge seu efeito memória, mudando sua resistência.
Ao aplicar os dois impulsos elétricos simultaneamente, supera-se a tensão
limite do memresistor, ativando-se sua memória.
Múltiplas repetições levam a um processo de aprendizado associativo no
circuito - exatamente como no cão de Pavlov.
"Desse momento em diante, nós precisamos apenas aplicar o impulso elétrico 2
(equivalente ao sino) para que o comparador gere um sinal, equivalente à
salivação," explica Martin Ziegler, responsável pelo experimento.
O impulso elétrico 1 (o alimento) continua produzindo a mesma reação que já
produzia antes do aprendizado. Afinal, o cão sempre saliva na presença do
alimento real.
Assim, o circuito eletrônico apresenta o comportamento clássico do
condicionamento observado no campo da psicologia.
E, como se aprende, também se desaprende. Se o sino for tocado seguidamente
sem que o cão receba comida, o condicionamento será rompido - no cão de Pavlov
eletrônico, a não aplicação dos dois impulsos simultaneamente leva à perda do
aprendizado do circuito eletrônico.
Computadores que aprendem
O que os pesquisadores planejam agora é construir comportamentos mais
complexos, criando módulos de uma rede neural em hardware que de fato
aprenda com os impulsos que receber.
Segundo eles, uma primeira aplicação prática estaria no reconhecimento de
padrões, algo muito difícil de programar nos computadores atuais.
Mas, no longo prazo, a esperada criação de habilidades cognitivas em
circuitos eletrônicos poderão criar computadores que não serão avaliados mais
apenas pela velocidade com que conseguem realizar cálculos, mas pela sua
capacidade de aprendizado.
O memristor, o componente eletrônico com memória, foi teorizado pelo
cientista Leon Chua, em 1971.
Mas o primeiro memristor prático só foi construído em 2005, nos
laboratórios da HP, e os cientistas conseguiram entender realmente seu
funcionamento apenas no ano passado:
Também no ano passado, a IBM apresentou seus primeiros processadores cognitivos, mas
trata-se de uma arquitetura que ainda não tira proveito dos memristores.
O primeiro processador realmente baseado em memristores foi construído por
Robinson Pino e seus colegas da pouco conhecida Universidade de Boise, nos
Estados Unidos:
Bibliografia:
An Electronic Version of
Pavlov's Dog
Martin Ziegler, Rohit Soni, Timo Patelczyk, Marina Ignatov,
Thorsten Bartsch, Paul Meuffels, Hermann Kohlstedt
Advanced Functional
Materials
Vol.: Early View
DOI: 10.1002/adfm.201200244