15 de março de 2012 | 3h 03
Fernando Reinach
Cada um de nós libera, por hora, 35 milhões de
bactérias. Essa é uma das descobertas de um novo ramo da biologia: a
ecologia e a biodiversidade dos ambientes fechados.
A palavra biodiversidade traz à mente ecossistemas como a
floresta amazônica. Milhares de plantas convivendo com milhões de
insetos, fungos, peixes e mamíferos. Uns se alimentado dos outros,
entrelaçados por relações de competição, predação, dependência e
colaboração. Mas existem ecossistemas com grande biodiversidade no fundo
dos mares, na atmosfera, na boca de um carnívoro, no interior de uma
cárie, no intestino de um humano. Em cada um desses ambientes vivem
centenas ou milhares de espécies de seres vivos, muitos deles
microrganismos, que se relacionam de maneira semelhante aos habitantes
da floresta. Recentemente, ecologistas resolveram estudar os
ecossistemas presente nas construções humanas.
A biodiversidade está no concreto das lajes, na madeira dos
forros, no gesso, nas luminárias, nos dutos de ar condicionado, nas
privadas. Essa análise em larga escala só foi possível com a diminuição
do preço do sequenciamento de DNA. Amostras de ar filtrado e material
coletado com cotonetes são tratados para liberar o DNA nas amostras. A
sequência dos genes desse DNA é comparada com os enormes bancos de dados
que vêm se acumulando nos últimos dez anos, possibilitando identificar
cada gene coletado e saber a que espécie ele pertence. Sabendo o número
de cópias de cada tipo de gene também é possível saber a frequência de
cada espécie de microrganismo na amostra.
Que tal um passeio em um banheiro limpo? No trinco do lado de
fora da porta, 80% dos microrganismos são os mesmos que encontramos na
pele do ser humano; 3% são de origem aquática; 2% habitam também a boca
dos humanos e menos de 1% é típica de nosso intestino. No trinco
interno, a distribuição é semelhante, mas 5% também habitam a urina
humana (alguém não lavou as mãos). Na tábua da privada, 30% habitam
nossa pele; 25%, nosso intestino; e 15%, o trato urinário ou vaginal.
Estudos como esses são feitos para comparar o que ocorre no ar
de uma sala de aula, nos tampos da cozinha de nossas casas, no piso, nos
lustres, nos lençóis. Comparações entre a biodiversidade em habitações
com ar condicionado e com ventilação externa e entre quartos
hospitalares e corredores estão em andamento. Sem falar no gradiente de
biodiversidade encontrado no piso entre a porta de entrada e os quartos.
Esses estudos catalogam a biodiversidade desses ecossistemas e
estudam como ela responde à intervenção humana (uma faxina) ou a
alterações no ambiente, tanto as induzidas pelo homem (um desinfetante)
ou por condições climáticas (efeito do Sol sobre uma área de bancada de
cozinha). Mas aos poucos eles tentam responder questões mais complexas,
como a interdependência e a competição entre as espécies e as cadeias
alimentares.
Quando questionados sobre a relevância desses estudos, os
ecologistas argumentam que quase 90% da população humana fica mais de
80% do tempo em ambientes fechados; que esse é o ecossistema em que a
espécie humana se insere; e que sabemos muito menos sobre eles que sobre
as tundras na Rússia, por exemplo.
Muitas descobertas serão feitas no estudo das estruturas
peculiares criadas pelo Homo sapiens. Esses estudos vão permitir
compreender melhor como e com quem dividimos os ecossistemas que
chamamos de lar.
* Fernando Reinach, biólogo, mais informações: Indoor Ecosystems. Science, vol. 335, pág. 648, 2012