terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Declare sua sustentabilidade ou explique-se à sociedade




As empresas listadas em bolsa estão sendo convocadas pela BM&F Bovespa a fazer relatórios de sustentabilidade, explicitando seu desempenho e suas políticas nessa área, ou a explicar porque não o fazem.

Por Sérgio Mindlin, presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Ethos


A BM&F Bovespa acaba de dar um importante incentivo às boas práticas de gestão nos negócios para promoção da sustentabilidade ao lançar, no final do ano passado, a medida “Relate ou Explique”, por meio da qual as empresas de capital aberto devem informar, no formulário que encaminham à bolsa, se publicam relatório de sustentabilidade ou documento similar e onde ele está disponível. Caso não publiquem tal relatório, as empresas devem explicar por que não o fazem. 

A medida certamente estimulará as empresas a adotar cada vez mais a prática de reportar a seus investidores e outros stakeholders informações e resultados relacionados às dimensões social, ambiental e de governança corporativa, ampliando assim seu grau de transparência. 

O relatório de sustentabilidade permite medir e divulgar os impactos socioambientais causados pelas atividades cotidianas de determinada organização, seja uma empresa, uma ONG ou uma entidade governamental, por exemplo. É uma forma comprovadamente eficaz de engajar os stakeholders na gestão da empresa e de avaliar riscos. Para a sociedade, é a oportunidade de influir na gestão da organização e na escolha de suas prioridades. 

O processo é voluntário e a organização pode elaborar seu próprio modelo de relatório de sustentabilidade ou optar por algum já conhecido e utilizado. O modelo sugerido no “Relate ou Explique” é o que foi desenvolvido pela Global Reporting Initiative (GRI), organização não governamental sediada na Holanda, responsável pelas diretrizes mais utilizadas em todo o mundo para a elaboração de relatórios de sustentabilidade. A própria BM&F Bovespa foi a segunda bolsa no mundo e a primeira no continente americano a utilizar o modelo GRI em seu relatório anual. 

A adoção desse modelo pela empresa significa basicamente que ela precisa seguir um conjunto de regras internacionalmente aceitas para detalhar suas atividades em diversas áreas, como responsabilidade social, cuidados com o meio ambiente, ações de incentivo à equidade de gênero e outras que mostrem o quanto a organização está comprometida com padrões éticos e de respeito a um equilíbrio de suas ações nos campos social, ambiental e econômico. 

Para facilitar a adoção dessa medida pelas empresas pouco familiarizadas com a prática de produzir relatórios que vão além dos aspectos financeiros, a BM&F Bovespa está promovendo uma série de oficinas de capacitação, em parceria com a GRI. As empresas estão respondendo bem a esse chamado. A busca tem sido tão grande que novas turmas já estão sendo abertas. 

A publicação de relatórios de sustentabilidade ou similares por empresas de capital aberto foi adotada como critério de listagem, em 2010, pela Bolsa de Johannesburgo, na África do Sul. É também obrigatória para companhias listadas em bolsa na França e na Dinamarca, bem como para empresas de controle estatal na Suécia. Além disso, a Comunidade Europeia estuda essa regulamentação para que todos os Estados-membros passem a colocá-la em prática já em 2012. Essa tendência de transparência tem uma forte relação com a implantação de mecanismos de gestão capazes de reduzir o risco de grandes crises, como a que vem assolando as finanças mundiais desde 2008. 

No caso das empresas sediadas no Brasil, não são muitas as que reportam regularmente suas ações em sustentabilidade com base em parâmetros do GRI, um procedimento voluntário. Mas as que o fazem já perceberam o valor que isso agrega à sua marca e a seus produtos, na medida em que seus processos e sua conduta passam a ser conhecidos pela sociedade e, em especial, por seus principais stakeholders

Será de grande valor se as empresas listadas em bolsa adotarem esse procedimento como norma. E isso deveria valer também para aquelas que, embora não tenham seu capital aberto, são de grande porte e exercem atividades que podem resultar em profundos impactos sociais e ambientais. 


Programa Cidades Sustentáveis 


A prefeitura do Rio de Janeiro foi o primeiro órgão de gestão pública no Brasil que se propôs a fazer um relato de suas atividades dentro dos padrões da GRI. O modelo apresenta indicadores que permitem não apenas avaliar o desempenho do governo, mas também compará-lo ao de outras cidades que adotem as diretrizes da GRI. 

Aliás, a criação de indicadores para avaliar o desempenho dos gestores municipais e compará-lo com as melhores práticas em todo o mundo é a proposta do Programa Cidades Sustentáveis, desenvolvido pelo Instituto Ethos em parceria com a Rede Nossa São Paulo e a Rede Social Brasileira por Cidades Justas e Sustentáveis para atuar, junto a administrações municipais e gestores públicos, na defesa de valores da sustentabilidade baseados em planejamento, compromisso ético e valores focados em qualidade de vida para os cidadãos. Essa iniciativa já conta com o apoio explícito de vários partidos políticos e é uma referência importante para candidatos a cargos públicos nas próximas eleições municipais, em outubro próximo. 

O programa atua em grandes eixos estruturados em governança, mobilidade, consumo responsável, economia local, educação para a sustentabilidade, planejamento e desenho urbano, cultura de patrimônios comuns, entre outros valores que tornam as cidades lugares mais adequados para o pleno desenvolvimento humano. 


Indicadores Ethos – 3ª. Geração


Justamente buscando uma convergência entre os valores éticos e de governança necessários para a boa gestão das organizações privadas e as boas práticas na gestão pública, o Instituto Ethos está trabalhando no desenvolvimento da 3ª. Geração dos Indicadores Ethos, um conjunto de diretrizes que ajuda as empresas a realizar um diagnóstico de suas ações em sustentabilidade. Para isso, o Ethos e a GRI fizeram um memorando de entendimento para estabelecer como as duas organizações podem trabalhar para que os Indicadores Ethos e as diretrizes GRI se complementem. 

É uma maneira de tornar o trabalho das empresas e organizações mais fácil por meio de um padrão aceito globalmente e, mais do que isso, tornar as ações comparáveis entre as empresas através de parâmetros comuns de relato. 

Num ano em que o Brasil será sede da Rio+20, a mais importante conferência internacional sobre desenvolvimento, a qual terá foco em governança global e economia verde, ano também em que vamos realizar eleições municipais em mais de 5.500 municípios, escolhendo milhares de prefeitos, vice-prefeitos e vereadores, é um momento importante para a reflexão sobre gestão ética, seja pública ou privada. E também para buscar compreender que as transformações são possíveis e que há instrumentos e experiências que mostram que a ética e o planejamento podem ajudar a tornar nosso país um lugar com qualidade de vida, com empresas focadas no desenvolvimento da sociedade em que estão inseridas e com uma gestão pública capaz de oferecer, com muita qualidade, serviços de educação, saúde, mobilidade e tudo o mais que uma sociedade demanda.