22/08/2011
"Se a Souza Cruz não existisse, o cigarro continuaria a existir"
fonte: http://epocanegocios.globo.com/Revista/Common/0,,EMI258932-16356,00-SE+A+SOUZA+CRUZ+NAO+EXISTISSE+O+CIGARRO+CONTINUARIA+A+EXISTIR.html
Dante Letti, presidente da Souza Cruz, admite que o cigarro faz mal à saúde, mas acredita que acabar com a indústria tabagista não resolveria o problema
autoria: Por Amanda CamasmieSe um vendedor de uma loja te disser que o produto não é bom, você irá comprá-lo? Provavelmente não. Mas quando se fala em cigarro, 1,2 bilhão de pessoas no mundo dizem sim. No site oficial da Souza Cruz, líder no mercado nacional de cigarros, os visitantes se deparam com a frase “A única maneira de evitar os riscos associados ao cigarro é não começar a fumar”.O próprio presidente da Souza Cruz, Dante Letti, orienta sua filha fumante sobre os malefícios do produto, mas deixa a decisão com ela. Ele conseguiu largar o vício há mais de 20 anos. “Só precisei de auto-determinação para conseguir parar”, disse. Ele não faz parte do grupo de quase metade dos fumantes que não está interessado em parar de fumar, mesmo ciente dos riscos à saúde, segundo um estudo da Organização Mundial de Saúde (OMS).
Apesar de uma queda no lucro do 2º trimestre deste ano, os resultados semestrais da Souza Cruz indicam que a indústria tabagista continua sendo lucrativa. São produzidos cerca de 5,4 trilhões de unidades por ano e o Brasil é o maior mercado latino-americano do produto, com consumo de 42% do total vendido na América Latina. A Souza Cruz possui seis das dez marcas mais vendidas no mercado nacional, produzindo 71,9 bilhões de cigarros por ano, o que lhe garante a participação de 62,3% do mercado total brasileiro. “O que preciso deixar bem claro é que quem criou a demanda por cigarro não foi a Souza Cruz, a própria sociedade indígena já fumava”, afirmou Letti. A poucos meses de se aposentar, o presidente da Souza Cruz concedeu uma entrevista a Época NEGÓCIOS.
Como reter talentos em uma empresa que fabrica cigarros? Como fazer o funcionário acreditar no que a companhia produz?
O que preciso deixar bem claro é que quem criou a demanda por cigarro não foi a Souza Cruz. O hábito de fumar faz parte da sociedade desde os primórdios. A própria sociedade indígena fumava. A Souza Cruz nada mais é do que um agente econômico que faz com que a demanda e a oferta se encontrem. Se a Souza Cruz não existisse, o cigarro continuaria a existir. Nós operamos dentro da ética e dentro da licença de cigarros e procuramos fazer o trabalho da melhor forma possível. E isso o nosso funcionário entende muito bem. Nos sustentamos na teoria do Triple Bottom Line [leva em conta os aspectos econômico, humano e ambiental]. Nos preocupamos com três coisas fundamentais, a primeira delas é o acionista, sabemos que precisamos garantir os lucros. A segunda preocupação é com a sociedade. Trabalhamos com cigarro e temos que fazer com que esse negócio gere emprego e beneficie a sociedade e os agentes econômicos. A terceira preocupação é em relação ao meio ambiente, com a tentativa de diminuir a nossa “pegada ecológica” no planeta, seja no plantio de árvores ou uso de pesticidas, minorando o CO2. O índice de rotatividade na Souza Cruz está bem abaixo da média brasileira, em torno de 10%.
Qual é o perfil do profissional da empresa?Selecionamos cerca de 20 trainees anualmente. Os principais cursos são engenharia, direito e administração. Eles passam um ano e meio a dois anos de treinamento e a partir daí passam a ter o primeiro cargo de liderança. Quando assumem essa gestão, eles são transferidos para outras cidades ou áreas para terem um bom desenvolvimento e um bom entendimento do negócio como um todo. Somente vamos ao mercado buscar pontualmente algum cargo técnico quando não encontramos um perfil interno. Para entrar na Souza Cruz o jovem precisa ter um histórico escolar muito bom, falar idiomas e ter interesse em trabalhar no exterior, pois oferecemos carreira internacional. E que goste de trabalhar com o modelo de meritocracia.
Por que o senhor quis presidir uma empresa como a Souza Cruz?
Entrei na empresa quando era estagiário no setor financeiro, há 32 anos, em Florianópolis. Encontrei um local bom para trabalhar, com possibilidade de carreira e crescimento profissional. Morei em oito países diferentes e tive a oportunidade de conhecer diversas culturas. Fiz diversos cursos no exterior em várias áreas. A empresa me possibilitou uma boa formação como executivo. Sou formado em Ciência Contábeis e fiz MBA em Finanças.
O senhor fuma?
Não. Parei quanto tinha cerca de 30 anos, hoje tenho 53 anos. Isso comprova a tese de que quem quiser, pode parar de fumar tranquilamente. É a minha história. Só precisei de auto-determinação para conseguir parar. Fui fumante durante 10 anos, consumia um maço por dia. E às vezes dou algumas pitadas de charuto. Também pratico esportes.
O senhor tem filhos? Eles fumam?
Tenho um garoto de 19 anos e uma menina de 23 anos. A menina é fumante. Obviamente como pai, eu oriento sobre os riscos de fumar, mas deixo a decisão com ela. Se eu for determinar para os meus filhos tudo o que eu acho que eles não deveriam fazer, eu não iria começar pelo cigarro.
O governo está restringindo ainda mais a propaganda de cigarros. Há projetos, inclusive, para inibir as marcas nas embalagens. Quais são as alternativas para a propaganda? O Brasil tem uma legislação bastante evoluída nesta questão de comunicação. Em 1999 proibiu a propaganda do cigarro, enquanto em muitos países ainda se permite a divulgação em revistas e jornais. A minha visão é que não acho que essa comunicação e esse marketing irão criar uma demanda maior. O que ela ajuda a fazer é permitir que as empresas concorram e ganhem mercado. No ponto de venda existe uma comunicação bastante limitada sobre alguma novidade ou inovação do produto. Quem não é fumante nem olha para aquela comunicação. Já a questão de maiores proibições, como essa que você menciona que está em discussão na Austrália, há um limite. Você pode, por exemplo até tornar o cigarro ilegal, mas não necessariamente isso vai ser uma solução. Na história, temos inúmeros exemplos de produtos que se tornaram ilegais sem que isso tenha beneficiado a sociedade. É o caso do álcool, por exemplo. Então, proibir acaba sendo pior para a sociedade, que deixa ter o benefício econômico e geração de empregos. Alguma coisa de bom para a sociedade esse dinheiro deve repercutir. O percentual de crescimento da ilegalidade está aumentado. À medida que você coloca muitos impostos, você combate a indústria legal. Mas à margem disso, você deixa um espaço gigantesco para a criminalidade. Um terço dos cigarros produzidos no Brasil são ilegais. Não é que o consumo irá desaparecer, ele ficou estável. Essas marcas vindas do Paraguai são vendidas a R$ 1,00 ; R$ 1,50.
A composição de um cigarro vindo do Paraguai é a mesma de um produto da Souza Cruz?
Não. A nossa composição segue absolutamente todas as regulações e restrições impostas pela Anvisa. O que vem do Paraguai não tem advertência da Anvisa, não tem a mesma qualificação e qualidade exigente.
O que poderia ter de qualidade nesse produto?
A qualidade se refere à lista dos ingredientes autorizados a serem utilizados. Os percentuais de cada componente e também os tipos de fumo. E dependendo do tipo de fumo é uma qualidade determinada, como poderíamos comparar com o café. No Brasil, isso é muito bem regulado. Divulgamos todos os ingredientes do nosso produto. Os produtos do Paraguai não passam por controle de qualidade e processos que somos obrigados a fazer. Então conclui-se que as condições não são as mesmas.
Presidente da Souza Cruz diz que empresa está investindo em um produto que não ofereça riscos à saúde, mas conclusão da pesquisa pode levar dez anos
Estamos investindo em pesquisas para criar um produto que não ofereça riscos à saúde. No momento, ainda não temos um produto. Temos algumas direções que mostraram ser bastante interessantes nessas pesquisas e nos levam a crer que em um futuro será possível oferecer produtos alternativos, que representem um risco menor. Esse tipo de produto para ser testado e aprovado leva um tempo. Será algo de longo prazo. Não podemos falar nenhuma data. Se quisermos falar de timing, será o da indústria farmacêutica, que consegue colocar produtos no mercado em 10 anos.
Vocês possuem programas de conscientização dos cidadãos sobre os malefícios do cigarro? Como eles funcionam e qual é o valor do investimento?
Nós temos um telefone no nosso site para os consumidores que tiverem interesse e são passadas as informações. Na nossa empresa também existem esses dados, além da exigência de check-ups médicos. Assim como o sal, que algumas pessoas não podem chegar perto, o cigarro também tem algumas características mais potencialmente nocivas para algumas pessoas, de acordo com o DNA genético. Se uma pessoa com rinite alérgica ou problemas respiratório ficar exposta a fumaça de carro, obviamente irá desenvolver mais doenças do que outras. É bom que o fumante saiba dos riscos que está correndo e conheça o histórico familiar. E que a partir daí, saiba de uma maneira coerente e responsável, decidir se vai continuar fumando, que quantidade vai fumar, se vai beber e que quantidade vai beber.
Todos que quiserem parar conseguem sem precisar de algum apoio? Cada pessoa precisa descobrir o que funciona. Eu, por exemplo, acredito muito em auto-ajuda. A melhor delas é me conscientizar daquilo que eu quero e tentar correr atrás para conseguir. Cada pessoa vai procurar uma solução. Se a solução é ir até a farmácia e comprar um produto alternativo que ajude na terapia, ela deve fazer. As ofertas estão aí, as condições também. A informação também está disponível.
Qual é a estratégia de comunicação utilizada para o público jovem, acima de 18 anos? Temos uma única estratégica de comunicação, que é a estratégia dos nossos produtos. São produtos mais destinados a segmentos de classe social premium. Colocamos atributos de valor diferenciados, mas não tem nada a ver com idade, tem a ver com dinheiro. O importante é ter margens melhores com essas marcas premium.
O senhor vai se aposentar até o final desse ano. Poderia fazer um balanço desses últimos quatro anos como presidente da Souza Cruz?
O meu período frente à Souza Cruz tem sido maravilhoso. Trabalhei em um Brasil com uma situação privilegiada, desemprego diminuindo a cada dia e renda crescente. Com a equipe que tenho, conseguimos tomar importantes decisões e focar em questões mais relevantes. Melhoramos a distribuição no Brasil, tanto do ponto de vista de qualidade como capilaridade, melhorando a chegada nos pontos de venda. Um dos acionistas me ofereceu a oportunidade de trabalhar no exterior no ano que vem e preferi declinar dessa oferta e ficar no Brasil. Já morei fora do Brasil por alguns anos e isso tem um custo na vida pessoal que não é pequeno.Terei um período sabático para me reaproximar dos meus filhos. E depois disso vou decidir o que farei da vida.
E quais são os desafios que o senhor deixa para o próximo gestor, o Andrea Martini?
Ele é um italiano que morou em São Paulo por dez anos. Trabalhou em empresas brasileiras, dentre elas a Bauducco. É uma pessoa que conhece o Brasil. Os desafios seguem sendo os mesmos, ou seja, buscar sempre um equilíbrio entre o aspecto regulatório, muitas vezes pressionado por ONGs [Organizações Não Governamentais] que acham que a solução é proibir o cigarro. Isso pode induzir o governo a tomar medidas que acabem transferindo para a ilegalidade um setor que hoje oferece contribuições importantes.
Existe algo que as pessoas não saibam e seja importante saber sobre a Souza Cruz?
Muitas vezes são colocadas estatísticas na mídia que são infundadas. Alguns dados sobre fumaça passiva e o risco à saúde também podem ser infundados. Há cientistas que refutam esses números.
O senhor é a favor de fumar em estabelecimentos fechados? Sou contra. Se o estabelecimento for fechado, não se deve permitir fumar. Mas existe uma maneira de equilibrar o interesse do fumante, do estabelecimento e do não fumante, que é separar em áreas abertas e colocar equipamentos especiais que ajudem na ventilação. Para tudo tem que ter regulação, mas as pessoas esquecem que mais regulação consome mais impostos.
O lucro da Souza Cruz caiu 0,97% no 2º trimestre. Com uma lei antifumo e comprovações de que o cigarro faz mal à saúde, o que está sendo feito para reverter essa queda?Quando comparamos por semestre, o lucro ainda cresce. A explicação da queda no trimestre é o câmbio, que se apreciou muito. Em primeiro lugar, sobre a questão de exportações, procuramos estabelecer um contrato, ter uma garantia mínima de volume, que nós estipulamos 65 mil toneladas por ano. É para diminuir a volatilidade e dar mais previsibilidade de embargues. Esperamos que o governo tome medidas. Sobre cigarros, o que temos feito é investir fortemente em marcas de maior valor agregado, as marcas premium. Porque como em qualquer setor, as marcas de menor preço são muito mais voláteis em termos de turbulência de mercado e crise. O consumidor abandona mais facilmente as marcas e vai para a ilegalidade.
A China, maior produtor e consumidor mundial do produto, fabrica 42% do tabaco do mundo e seus 350 milhões de fumantes (mais de um quarto da população) consomem um terço dos cigarros fumados no planeta. Uma alternativa para o crescimento da empresa seria atacar o mercado chinês ou o foco continua sendo o Brasil? Nós somos membros do grupo BAT [(British American Tobacco), que detém 75,3% das ações da Souza Cruz], com sede em Londres, então quem tem interesse direto em participar do mercado chinês é o nosso acionista controlador. O que fazemos é alavancar as nossas exportações de tabaco, não de cigarros, para a China. Isso estamos fazendo e temos interesse em exportar mais com parcerias sustentáveis com a China da matéria-prima tabaco.