Tribunais precisam se preparar para desastres ambientais
Da Redação - 27/03/11 - 19:35
Autoria:Artigo de Vladimir Passos de Freitas.
O mundo assiste, estarrecido, ao desastre ambiental ocorrido há alguns dias no Japão. Um maremoto, fenômeno rebatizado de tsunami, terremotos e o rompimento das estruturas da usina termonuclear Daiichi, em Fukushima. Os efeitos são imprevisíveis e vão da poluição atmosférica ao envenenamento da águas, de alimentos e do mar.
Desastres ambientais se sucedem ao redor do mundo[1]. Na Índia, em 1984, um vazamento de 42 toneladas de isocianato de metila, da fábrica da Union Carbide. Em 1986, a explosão de um reator de usina nuclear em Chernobyl, Ucrânia. No Golfo Pérsico, em 1991, a guerra entre o Iraque e forças aliadas resultou na queima de poços de petróleo, com poluição da vegetação e das águas. Aos 21 de abril de 2010, foi a vez da plataforma da British Petroleum Deepwater Horizon, no Golfo do México, que resultou no vazamento de cerca de 4 milhões de barris de petróleo.[2]
No Brasil, não tivemos desastres de tal porte. Nossa privilegiada situação geográfica tem nos poupado de fenômenos da natureza mais destruidores. Mas isto, é óbvio, não nos exclui do rol de possíveis vítimas em futuro próximo. Ainda que sem o nível dos acontecimentos do México (2010) e Japão (2011), temos vivido ocorrências graves. Para ficar nas mais recentes, podemos citar São Luis do Paraitinga, São Paulo, quando uma enchente arrasou parte da cidade e destruiu o Fórum e seus arquivos, Petrópolis e cidades da serra fluminense, Rio, onde cerca de 1.000 pessoas perderam a vida e Antonina, Paraná, onde a população viu-se isolada e sem água.
Esses tipos de ocorrências, não podemos nos iludir, tendem a aumentar. O aquecimento global e suas conseqüências nefastas são anunciados pelos cientistas há mais de 15 anos. Os fatos estão se sobrepondo à oposição dos céticos. E não se trata apenas de termos mais informações e em tempo real, o que não ocorria no passado. São desastres ambientais mesmo.
Se assim é, imaginemos que o vazamento da usina nuclear de Fukushima, Japão, tivesse ocorrido aqui no Brasil, mais precisamente em Angra dos Reis. Estaríamos preparados para reagir à catástrofe? O povo saberia como se comportar? Seria possível evacuar a cidade? Haveria saques, caos social? As respostas ficam por conta da Defesa Civil, organizada a partir de uma Secretaria Nacional e com ramificações nos estados e municípios.[3]
A nós, profissionais do Direito, interessa apenas saber se o Poder Judiciário tem um papel a desempenhar em tais situações. Se deve preparar-se para tal tipo de evento ou limitar-se a auxiliar a Defesa Civil. São indagações complexas.
O CNJ, preocupado com este e outros temas ambientais, promoveu em Brasília, nos dias 23 e 24 passado, seminário reunindo 62 juízes de todo o território nacional, para discutir a matéria. Entre debates objetivos sobre dificuldades usuais (v.g., prova pericial ambiental), surgiu a questão dos desastres ambientais. De todas, a mais complexa, até pelo ineditismo.
A preocupação não é teórica. Veio baseada em fatos concretos. Nas enchentes da serra fluminense, os juízes tiveram que solucionar, em regime de plantão permanente, guarda de crianças, sepultamento de cadáveres, remoção de bens e outras medidas de urgência. Em São Luis do Paraitinga, as enchentes destruíram todos os livros de registros e milhares de processos. Em Antonina, a falta de água resultou em uma ação civil pública para que medidas urgentes fossem tomadas.
Submetido o tema a exame do Plenário do encontro, foi aprovada a conclusão de que o Poder Judiciário deve, sim, preparar-se para eventuais desastres ambientais futuros. Mas como?
Obviamente, o papel principal é da Defesa Civil, que tende a ser fortalecida e mais conhecida em futuro próximo. O Judiciário será um auxiliar nas medidas de caráter geral e um provedor nas providências de sua alçada.
Não será possível capacitar os 16.000 juízes brasileiros para algo que nunca se sabe onde, como e quando vai ocorrer. Mas é possível, sem qualquer dificuldade, que cada Tribunal tenha uma comissão (v.g., um desembargador, um juiz e um servidor) destinada a arquivar informações e projetar um plano de atendimento imediato a um eventual desastre ambiental. Algo simples, sem qualquer necessidade de criação de cargos ou funções gratificadas.
Esta comissão teria, por exemplo, disponibilidade de um veículo do Tribunal para utilização imediata em caso de necessidade, com uma mínima estrutura de uso imediato, como computador, impressora, papel, escâner, máquina fotográfica e filmadora.
Os problemas mais usuais, que seriam identificados por meio dos juízes das comarcas que já os sofreram (v.g., Teresópolis, RJ) receberiam tratamento específico. A Comissão, a partir deste relato, prepararia modelos de atas, despachos, medidas judiciais e administrativas adequadas. A necessidade imporia a tomada de decisões urgentes. Umas judiciais, outras administrativas. Quais os limites do juiz em tais situações? Isto seria estudado pela Comissão e explicitado em orientações fundamentadas nas normas em vigor. Tudo de modo a facilitar e dar segurança ao trabalho judicial.
A maior parte das questões recairia sobre a Justiça Estadual. Mas a presença de representantes da Justiça Federal e do Trabalho também seria imprescindível. Por exemplo, o contato com uma unidade do Exército seria facilitado se intermediado por um juiz federal. Outras tantas providências seriam imaginadas. Por exemplo, uma comarca ilhada e com o Fórum destruído poderia ter seus serviços transferidos para outra vizinha. A preparação do ato administrativo, por conta do presidente do TJ, estaria pronta para uso em caso de necessidade. Documentos essenciais poderiam ser resguardados eletronicamente na capital.
E se o município situar-se em zona de fronteira? Se milhares de colombianos de Letícia pretenderem ingressar em Tabatinga, no Amazonas? Que tratamento lhes será dado? Serão considerados refugiados ambientais, equiparados aos refugiados políticos? E se for o inverso, amazonenses fugindo para a Colômbia?
Em suma, no mundo contemporâneo o Judiciário, cada vez mais, deixa de ser um Poder de Estado, destinado apenas a decidir os conflitos que lhe são submetidos, para ser um Poder de caráter mais amplo, muitas vezes mais administrador que julgador. Para o bem do Brasil e da sociedade cumpre-lhe preparar-se para eventuais desastres ambientais. O CNJ já deu o primeiro passo.
Vladimir Passos de Freitas, desembargador federal aposentado do TRF 4ª Região, onde foi presidente, e professor doutor de Direito Ambiental da PUC-PR.
Este artigo foi publicado originalmente na coluna Segunda Leitura, que o dr. Vladimir tem na revista eletrônica Consultor Jurídico e gentilmente cedida por ele ao Observatório Eco.