'A arquitetura é política'
Autoria: O Globo, Suzana Velasco, 13/mar
O britânico Richard Rogers, que projetou o Centro Pompidou, em Paris, diz que as olimpíadas devem mudar a vida nas favelas
Richard Rogers já pensava em sustentabilidade quando poucos tinham noção do que essa palavra significava. Mas para o prestigiado arquiteto britânico, de 77 anos, arquitetura sustentável não diz respeito apenas a economia de energia, mas a um modelo de cidade onde haja interação social e qualidade de vida. Vencedor do Prêmio Pritzker em 2007, Sir Rogers se tornou célebre 30 anos antes, quando o Centro Georges Pompidou foi inaugurado, em Paris. Feito em parceira com o italiano Renzo Piano, o projeto ousava revelar as estruturas internas do edifício, como as escadas e os condutores de água e ventilação, no que ficou conhecido como arquitetura high-tech. No Rio, onde na sexta-feira deu uma conferência no Centro Cultural Correios - parte da programação da exposição "A cidade somos nós", organizada pelo Institute for Transportation & Development Policy, com apoio do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) -, ele conversou com O GLOBO sobre os desafios das grandes cidades, a tecnologia na arquitetura e alguns dos projetos atuais de seu escritório, Rogers Stirk Harbour + Partners.
O Globo: A sustentabilidade é uma das questões centrais em sua arquitetura. Como adequar grandes cidades, como no Rio, a essa preocupação?
RICHARD ROGERS: Existe um modelo para uma cidade sustentável, que é uma cidade compacta, que não ultrapasse certas fronteiras, e onde as pessoas possam andar a pé, de bicicleta, de transporte público. Não de carro. Nova York, que costumava ser "a" cidade do carro, está mudando. Se ela pode mudar, o Rio também pode. Los Angeles tem provavelmente mais avenidas do que qualquer outra cidade e, consequentemente, mais congestionamentos do que qualquer outra cidade. Claro que o carro é útil, mas não é a resposta. Na cidade, trabalho e prazer têm que viver juntos, e também pobres e ricos. Aqui faltam as duas coisas. Deveria haver uma lei proibindo condomínios fechados, onde o espaço publico é usado privadamente. As sociedades precisam ser misturadas. O bom design também é muito importante, porque existe uma ligação direta entre a qualidade de vida social e a qualidade física.
Ao receber o Prêmio Pritzker, o senhor disse que as "cidades não acontecem, elas são feitas". Como equilibrar o planejamento de uma cidade com a espontaneidade dos encontros que ela deve ter?
Os espaços públicos devem ser planejados, mas não no sentido de criar algo completamente novo. Estou mais interessado na regeneração, em reequipar os subúrbios, por exemplo, com uma praça central, estações de ônibus, hospitais, mas de forma a inseri-los no que já existe. As favelas têm que ter escolas, centros de saúde. Se eles estarão num prédio novo ou não, não importa.
É isso que o senhor pensou para Paris?
O presidente Sarkozy pediu que dez grupos dessem sugestões para Paris, mas não numa competição, e sim como uma consulta política. E a arquitetura é política. Londres é formada por vilas que de certo modo buscam um centro. Paris, como a maior parte das cidades, começa do centro e vai se expandindo em volta, ficando mais e mais pobre. O que chamamos de Paris tem apenas dois milhões de pessoas. Os pobres, que vivem ao redor, são sete, oito milhões. Uma questão crítica para os subúrbios é como criar áreas com estações de ônibus, hospitais, escolas, construídos em lugares onde as pessoas possam se encontrar e tomar um café. O mesmo deveria ser feito aqui, readequar o que já existe, em vez de expandir o que já existe. O Brasil tem muita terra, as cidades começam a se espalhar em todo lugar, mas elas deveriam ser contidas.
E o que poderia ser feito para as Olimpíadas no Rio?
Uma das razões pelas quais Londres ganhou a disputa para ser sede das próximas Olimpíadas é que tínhamos um plano estratégico muito bom. A estrutura olímpica foi levada às áreas mais pobres de Londres, algumas delas entre as mais pobres da Inglaterra e da Europa Ocidental. Foi um catalisador para enriquecer e mudar essas áreas. A parte mais importante das Olimpíadas não são as Olimpíadas. Claro que elas têm que funcionar, mas são bilhões para 17 dias. O desafio é fazer uso dos Jogos para mudar a qualidade de vida na cidade. Barcelona foi a primeira que fez isso. Los Angeles foi um caos. Houve protestos nas ruas, porque nenhum dinheiro foi para as áreas pobres. É crucial que isso seja feito aqui. Não precisa ser apenas um plano estratégico, mas a criação de uma série de espaços públicos. As Olimpíadas têm que ser uma oportunidade para mudar a vida das pessoas nas favelas. É um dever. O problema mais sério na sociedade hoje é a desigualdade entre pobres e ricos.
Seu escritório está desenvolvendo um grande projeto para Sydney, na Austrália. O senhor poderia explicar como será essa nova ocupação urbana?
É um bairro de uso misto junto ao centro da cidade, de um milhão de metros quadrados, com residências, escritórios, espaços para cultura. De frente para a linda baía. Como no Rio, ali era a área portuária, com contêineres. Mas você não precisa colocá-los no meio da cidade, pode mover o porto. Barcelona tem a mesma história. A cidade não chegava ao mar porque eram quilômetros de área vazia. Os prefeitos viram que era preciso conectar a cidade com o mar e construíram uma faixa, deslocando o porto um pouco para cima. O mesmo aconteceu em Londres, em que o melhor desenvolvimento é em volta do Rio Tâmisa, onde o porto costumava ficar.
O senhor quase não participou do concurso para projetar o Centro Georges Pompidou, que hoje é um edifício emblemático de Paris e um de seus projetos mais conhecidos. Por quê?
Porque venho da esquerda (risos). Não sabia se concordava com a construção de um centro cultural na primeira grande concorrência de arquitetura em Paris. Mas, por sorte, frequentemente estamos errados. A melhor coisa que fizemos no Pompidou foi construir uma piazza fantástica. É importante como se usa o espaço público. A gente desejava um lugar para todas as pessoas, de todas as idades e crenças, pobres e ricos. E você precisa ter flexibilidade, porque não sabe o que vai acontecer. A ideia era que o Pompidou fosse um arcabouço, como um robô, e que o fato de as coisas mudarem não fosse um problema. O lugar poderia abrigar outras instituições, como uma universidade.