terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Como treinar seu cérebro para torná-lo fluente em Matemática


Como treinei meu cérebro para me tornar fluente em Matemática

EDIGLEY ALEXANDRE
Sabiamente Galileu Galilei escreveu em seu livro, Il Saggiatore:
A Filosofia [Ciência] está escrita neste grande livro, o Universo, que está permanentemente aberto e ao alcance do nosso olhar. Mas o livro não pode ser compreendido sem antes aprendermos a linguagem e os caracteres em que está escrito. A linguagem é a Matemática, e os caracteres são triângulos, círculos e outras figuras geométricas, sem as quais é humanamente impossível compreender uma única palavra.

Não há citação mais adequada para iniciar uma breve história, sobre como treinei meu cérebro para me tornar fluente em Matemática. Neste post, contarei um pouco como foi o meu processo de aprendizado durante curso de Matemática concluído em 2007, no DME-UERN.
Como treinei meu cérebro para me tornar fluente em Matemática
Imagem: Nautil.us
Ouço muitos comentários dizendo que "saber" ou "entender" Matemática é um dom ou alguma palavra semelhante. Será? A Ciência que investiga o cérebro humano é tão ansiosa por respostas quanto a Ciência que procura respostas na imensidão do Universo.

Alguns estudos mostram que crianças podem nascer com habilidades matemáticas. São habilidades cognitivas incomuns que com o passar de sua idade ficarão em evidência. Mesmo assim, é um futuro incerto que depende de outros fatores que podem influenciar no avanço de suas altas habilidades.

No meu caso, não fui diagnosticado com nenhuma habilidade especial em Matemática na minha infância. Talvez se tivesse sofrido uma influência maior do meio que vivia, teria desenvolvido uma habilidade maior para tocar bateria, o que exige muito uma coordenação motora para uma criança de 8 anos.

O meu despertar para a Matemática foi tardio se comparado aos meus colegas professores que começaram a gostar de Matemática, desde crianças, e que se tornaram professores de Matemática. O meu prazer pela Matemática surgiu na 8ª série (hoje 9º ano), quando ainda nem sabia o que era realmente Matemática, apenas era um garoto que adorada resolver equações quadráticas e biquadradas.
 Duas páginas do meu caderno que usei na 8ª série (1170 x 1600)


Naquele época eu nunca abri a boca para reclamar dizendo: a fórmula de Bhaskara não serve pra nada. Não tinha nem noção do que era aplicações matemáticas.


Mas, antes de chegar a esse ponto sofri um pouco. Serei breve. Acompanhe.

Já fui reprovado

Fui reprovado duas vezes (não riam). Na 2ª série (hoje 3º ano) e na 4 série (5º ano). Não escrevo isso com prazer, porém tive motivos inacreditáveis que levaram a este ponto e que lembro-me muito bem. Não citarei um deles para não alongar mais ainda o texto.

O segundo fator, era minha deficiência visual que começava a se agravar naquela época. A miopia forte me impedia de acompanhar as tarefas realizadas no quadro. Não tinha óculos e não podia comprar um. Sempre introspectivo, me escondia em algum lugar na escola e não assistia as aulas. Resultado: reprovado. Na 5ª série não sabia as quatro operações básicas.

Somente no ano seguinte, que a equipe pedagógica e meus pais detectaram o problema e assim continuei normalmente minha vida escolar.

Bons professores

A consequência de ter bons professores comprometidos com o ensino, faz toda a diferença, principalmente, durante o Ensino Fundamental onde estudamos as principais teorias para obter uma boa base matemática. Dizemos que uma pessoa é dotada de base matemática, quando ela detém de um conjunto de conhecimentos específicos que possibilitam:
  • Identificar a linguagem matemática (símbolos e nomenclaturas padrões);
  • Interpretar a linguagem matemática em diferentes contextos;
  • Dominar operações aritméticas e algébricas;
  • Identificar, interpretar e dominar a Geometria no contexto aritmético e algébrico.
E assim consegui concluir o Ensino Fundamental.

Tudo deu errado

Durante o Ensino Médio aconteceu tudo de errado. Falta de professores. Professores descompromissados com o ensino. Foram os 3 anos mais longos da minha vida.

Para você ter uma ideia, concluí o Ensino Médio sem dominar conteúdos básicos, como por exemplo, Intervalos. Sim, aqueles segmentos de reta com círculos abertos ou fechados, para resolver sistemas de inequações ou simplesmente representar uma inequação. Sem falar na Geometria.

O jeito era colocar em prática o famoso "se vire sozinho!".

Estudar sem um orientador (assim defino um professor) é como tentar acessar páginas na internet sem ter um browser instalado no computador (que comparação tosca). É se sentir perdido.

Ingresso na universidade

Não cursar um bom Ensino Médio e não poder se preparar pagando por um cursinho, deixaram tudo mais complicado. Como já citei anteriormente, tive que me virar sozinho.

Dedicava 10 horas do dia para estudar todas as matérias e ler os quatro livros exigidos para o Processo Seletivo Vocacionado (PSV), que aliás, paguei R$ 50,00 pela inscrição. Naquela época o ENEM estava começando.

Me locomovia 5 km a pé até a biblioteca no centro da cidade para estudar e pegar os livros emprestados.

Estes pequenos esforços foram suficientes para ser aprovado no meu primeiro vestibular. 26ª colocação de 45 vagas.

O "sofrimento" inicial na faculdade

Foi durante o 1º período do curso de Matemática (modalidade licenciatura, mas com grade de bacharelado rsrs), que senti o baque. Um curso de Matemática é muito "puxado". Não há muito tempo para se tirar dúvidas. O ideal é que comece o curso com a base matemática completa, caso contrário terá que repetir a cadeira no semestre seguinte. E assim aconteceu.

É a partir daqui que começou o treinamento pessoal para me tornar fluente em Matemática.

Como treinei meu cérebro para me tornar fluente em Matemática

Escrever e falar fluentemente em um idioma qualquer exige, obviamente, que domine o idioma. Dominar a grafia e todas as características de um idioma, permitem entender o que se escreve e ler. Com a Matemática não é diferente. Leia novamente a citação de Galileu.

Quando me deparei pela primeira vez com a figura de um intervalo numérico, não tinha a menor noção do que aquilo significava. Calcular uniões, interseções e demais operações com intervalos era algo que eu odiava. Por que? Porque não entendia. E, geralmente, é assim: quando não conseguimos absorver um determinado conteúdo, não gostamos dele.

Mas não posso generalizar. Nem sempre o entendimento constrói fluência, pelo contrário, a fluência que constrói o entendimento.


Segue abaixo os 3 passos que segui para recuperar, aprender e aperfeiçoar o meu conhecimento teórico em Matemática.

1º passo: Força de vontade

Antes de querer recuperar aquilo que havia deixado passar ou perdido, tive que reconhecer que também tenho minha parcela de culpa. Fiz uma auto avaliação e consegui identificar as minhas principais deficiências matemáticas, que me impediam dominar os conceitos e definições sequentes.

Desta auto avaliação, identifiquei:

  • Matemática básica (5º ano) estava ok. Não tinha problemas com os conteúdos básicos.
  • Ensino Fundamental, do 6º ao 9º ano: ok.
  • Por mais que tenha me saído bem no Ensino Fundamental, isso não garantiu que me sairia bem no Ensino Médio. O conteúdo do Ensino Médio é gigantesco e nunca dava tempo de estudar todo o conteúdo dado pelo professor, que, na maioria das vezes, foi negligente.


2º passo: Planejamento de estudos

Visitei a biblioteca da faculdade e peguei emprestado (e renovava a cada semana), uma coleção completa de Matemática (principalmente os de Gelson Iezzi). Sozinho, me dedicava horas e horas por dia, estudando cada volume da coleção, naquele silêncio gostoso da biblioteca.

Montei um cronograma de estudos intensivo com 2 anos de duração. Cada volume era estudado e nunca adiantado sem entender o conteúdo anterior. Não tinha internet, vídeo aulas ou colegas pra me ajudar. Tive que me virar sozinho. Não foi nada fácil, mas depois de 2 anos e meio, terminei de estudar os principais volumes que seriam importantes para o entendimento de cadeiras como: Cálculo Diferencial e Integral, Álgebra Linear, etc. Estas duas as mais temidas.

3º passo: Aplicando Matemática em Matemática

Além de cumprir o cronograma que montei para estudar a Matemática correspondente ao Ensino Médio, cursava paralelamente cadeiras como: Física Teórica, Geometria Plana, Estatística, etc., que deixava as coisas ainda mais complicadas.

A parte boa era que tudo se encaixava quando assistia as aulas, cujo conteúdo tinha pré-requisitos, que havia estudado e aprendido há algumas semanas.

Resultado: aquele inexperiente acadêmico de Matemática, reprovado em Matemática 1, alguns anos depois, é aluno destaque em Álgebra Linear 1 e 2. Não conto isso com muito orgulho, pois da minha turma, só pagaram a cadeira de Álgebra Linear, eu e mais dois colegas.

4º passo: Aprendendo ensinando

Participei de muitos grupos de estudos quando cursava Matemática na faculdade, mas na época não conseguia acompanhar o ritmo, pelos motivos que já leram neste post. Depois de muitos esforços consegui dominar o que antes nunca tinha estudado ou tinha dificuldade para aprender.

Algum tempo depois, mediante a muitos estudos, me tornei monitor de Matemática 1, 2 e 3, Geometria Plana, Geometria Analítica, Desenho Geométrico e Álgebra Linear 1 e 2. E este foi o período em que mais aprendi e desenvolvi minha fluência em Matemática, compartilhando aquilo que com muita luta consegui adquirir.

A compreensão da Matemática por meio da discussão ativa é o talismã do aprendizado. Se você pode explicar para os outros o que você aprendeu, talvez, você deve entendê-los. [Barbara Oakley]

Diferentemente de outros colegas, eu sempre gostei de ajudar quem me procurava. Nunca me senti, por exemplo, o expert em Álgebra Linear, pois apenas detinha um pequeno conhecimento adquirido durante alguns meses de estudos, com um excelente professor cearense.

Mas confesso que meu ego se sentia massageado, quando colegas com dificuldades me procuravam pedindo uma ajudinha. E meu ego explodia quando, os que criticavam, os que faziam questão de ver as notas baixas postadas na parede ao lado da sala, as notas da prova de uma determinada disciplina; ficarem de piadinhas. Infelizmente há os que só criticam em vez de ajudar.

Lembro-me de uma pergunta de uma amiga da faculdade: o que você fez para aprender tudo isso e agora está sendo monitor? Respondi que apenas batalhei por uma coisa que realmente gostava, não apenas pelo desafio.

Aos sábados e domingos montei um grupo de estudos na faculdade, para Álgebra Linear. Caminhava 4 km até o ponto aonde esperava uma carona, para poder ir à universidade. Não guardo nada que aprendi para mim mesmo. Sempre senti um desejo em querer ajudar. É por esse motivo que mantenho esse blog há 7 anos.

Concluindo

Acredito fervorosamente que qualquer pessoa pode ser fluente em Matemática, desde que não sofra de nenhuma patologia que impeça isso. Porém, é necessário que se tenha o mínimo de consciência intelectual para identificar suas prioridades e tenha também muita força de vontade para estudar, sem desanimar.

Até mesmo grandes gênios da Matemática, como Andrew Wiles, passaram por desafios, cuja a própria Matemática e uma nova linguagem teve que ser "adaptada", com ajuda de outros matemáticos, afim de demonstrar o Último Teorema de Fermat.

Este texto não serve como um modelo que talvez funcione com você, é apenas um pouco das minhas experiências que me ajudaram a me tornar fluente em Matemática. Não imagine que sou um expert da Matemática, pois não sou. Lembre-se: nem sempre o entendimento constrói a fluência, pelo contrário, a fluência que constrói o entendimento.

Caso contrário não seria um professor hoje. Não me atreveria a ensinar Matemática sem dominar aquilo que irei ensinar, como vejo muitos a agirem assim. O que me faz ter sucesso como professor, é me colocar no lugar dos meus alunos e mostrar que eles também podem aprender Matemática.

É impossível compreender a Física dos movimentos, a Biologia dos seres vivos, a Química que nos compõem, a Informática que facilita nossas vidas, a Astronomia que todos os dias desvenda os mistérios da nossa própria existência, as engenharias e qualquer outra área, sem dominar a linguagem que é comum a todas elas - a Matemática. Todas caminham lado a lado e já revolucionaram o mundo como o conhecemos, seja para o bem ou para o mal.