sábado, 7 de dezembro de 2013

Aprenda a Distinguir "Vícios" dos "Defeitos" nas Relações de Consumo

4/Dezembro/2013

Aprenda a Distinguir "Vícios" dos "Defeitos" nas Relações de Consumo

Paulo Grandiski
Todas as falhas construtivas podem ser classificadas, em princípio, como vícios construtivos, conforme as seguintes descrições:

VÍCIOS:
"Anomalias que afetam o desempenho de produtos ou serviços, ou os tornam inadequados aos fins a que se destinam, causando transtornos ou prejuízos materiais ao consumidor. Podem decorrer de falha de projeto, ou da execução, ou ainda da informação defeituosa sobre sua utilização ou manutenção" (item 3.75 da ABNT NBR 13752/dez96). Vícios construtivos são, portanto, todas as falhas construtivas que causam prejuízo material ao consumidor, e que implicam em gastos financeiros para repará-los, ou seja, afetam o bolso do consumidor, e podem ser divididos em dois grandes grupos: os aparentes e os ocultos.

VÍCIOS APARENTES:
São as falhas construtivas ostensivas, detectáveis facilmente mesmo por leigos em construção. Exemplos: vidro quebrado ou manchado, diferentes tonalidades no revestimento ou na pintura, azulejo decorado aplicado de forma equivocada, quebrando o esquema do desenho geométrico projetado, falta de espelhos nas instalações elétricas, portas descoladas ou trincadas, vazamentos existentes no ato da entrega, material de acabamento empregado diferente do que consta do memorial descritivo de venda, etc.

VÍCIOS OCULTOS:
São as falhas construtivas inexistentes no ato da entrega (ou só detectáveis nessa ocasião por técnicos especializados), e que surgem ou só são detectadas algum tempo depois da entrega. Exemplos: curto-circuito nas instalações elétricas, infiltrações ou vazamentos de água que são detectados apenas depois da entrega, trincas, fissuras, gretamentos de placas cerâmicas, recalques de fundação, inclinação de prédios, desbotamento da pintura da fachada, etc.

REDIBIR:
Na língua portuguesa redibir significa "anular judicialmente uma venda ou outro contrato comutativo em que a coisa negociada foi entregue com vícios ou defeitos ocultos, que impossibilitam o uso ao qual se destina ou que lhe diminuam o valor"

Em virtude dessa definição, surge em "juridiquês" a distinção entre vícios redibitórios e vícios não redibitórios.
VÍCIOS REDIBITÓRIOS:
"Vícios ocultos que diminuem o valor da coisa ou a tornam imprópria ao uso a que se destina, e que, se fossem do conhecimento prévio do comprador, ensejariam pedido de abatimento do preço pago, ou inviabilizariam a compra" (item 3.76 da ABNT NBR 13752/dez96).

Assim sendo, ao pé da letra, o vício para ser redibitório deve ser de um tipo muito grave, desconhecido pelo comprador no ato da compra, e que, evidenciado mais tarde, dá direito ao comprador para pleitear a redibição (anulação) do contrato, com pedido cumulativo de perdas e danos ou, alternativamente, com abatimento proporcional do preço, desde que reclamados dentro dos prazos legais de 1 ano, previstos no art. 445 e seu parágrafo 1º. do Código Civil Brasileiro.
Em 1991 entrou em vigor o Código de Defesa do Consumidor (CDC), introduzindo uma distinção conceitual entre defeitos e vícios, que até então eram considerados como sinônimos, e que são tratados de formas distintas respectivamente nas seções II e |III do CDC.
PRODUTO DEFEITUOSO
O CDC no seu art. 12 apresenta o conceito de "produto defeituoso":

"Art. 12 do CDC - O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos."

"Art. 12 - Parágrafo 1. - O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:
I - sua apresentação;
II - o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III - a época em que foi colocado em circulação.
Parágrafo 2. - O produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado. Art. 12, §3º do CDC. - O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar: I - que não colocou o produto no mercado;
II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;
III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro."
Aproveito para chamar a atenção dos construtores para esse art. 12, §3º do CDC, que só é aplicável aos casos de defeitos existentes nas relações de consumo, por fazer parte da seção II - DO FATO DO PRODUTO OU DO SERVIÇO do CDC. No caso da construção civil, rotineiramente só é aplicável o inciso |III, que diz que o construtor só não será responsabilizado quando provar a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Essa conclusão é muito importante, pois se houver culpa concorrente, ou seja, o consumidor cometeu a falha que o prejudicou, por falta de advertência por parte do construtor (por exemplo, no Manual do Proprietário), é o construtor que será considerado como culpado.
No CDC a palavra defeito passa a caracterizar um tipo mais grave de falha ou anomalia, que afeta ou ameaça afetar a segurança ou saúde do consumidor (risco potencial). Em outras palavras: o vício atinge somente o produto, enquanto o defeito corresponde a um vício mais grave, que além dos danos materiais causados no próprio produto, afeta (ou ameaça afetar|) a segurança do consumidor, podendo nele provocar danos, como, por exemplo, prejudicando sua saúde.
Esses são os conceitos que venho apresentando em meus cursos e livros, e que aprendi diretamente do dr. Brito Filomeno, secretário da comissão que elaborou o anteprojeto do CDC, e que colaborou comigo na elaboração da seguinte definição normativa:
DEFEITOS:
"Anomalias que podem causar danos efetivos ou representar ameaça potencial de dano à saúde ou segurança do consumidor, decorrentes de falhas do projeto ou execução de um projeto ou serviço, ou ainda, da informação incorreta ou inadequada de sua utilização ou manutenção." (item 3.28 da NBR 13752/dez96).

Essa importante distinção entre vícios e defeitos nas relações de consumo não costuma ficar evidenciada em alguns livros de comentários sobre o CDC, mas foi confirmada no relatório do ministro Luis Felipe Salomão do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial 984.106, cuja importante ementa foi publicada em 20/11/2012, e do qual tomo a liberdade de transcrever os seguintes parágrafos:
"6. Inicio por salientar que não cabe aqui a distinção terminológica entre "vício" e "defeito", tal como realizado pelo CDC, porquanto se me afigura inócua para o deslinde da questão.

A doutrina consumerista, de um modo geral, tem conceituado "vício" como o característico que torna o produto inadequado para aos fins a que se destina, ou lhe reduza o valor, ao passo que "defeito" seria o característico que, além de tornar o produto inadequado, gera um risco de segurança para o consumidor, podendo-lhe acarretar danos."