29/10/2013 - 16h05 Comissões - Assuntos Econômicos - Atualizado em 31/10/2013 - 09h04
Reforma tributária deve ser indutora de sustentabilidade, dizem debatedores
Elina Rodrigues Pozzebom e Iara Guimarães Altafin
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Em seminário realizado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), nesta terça-feira (29), especialistas defenderam uma reforma tributária indutora de sustentabilidade. Para eles, o sistema tributário vigente estaria superado, uma vez que serve ao modelo de crescimento econômico sem limites, focado na redistribuição do excedente econômico, sem se voltar para a tributação sobre sistemas de produção que interessem ao desenvolvimento do país. O novo sistema precisa ser menos injusto e inadequado, frisaram.
Para o professor Ricardo Abramovay, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP), a reforma tributária não deve ter como único foco o crescimento do país, mas deve ser indutora da direção que se quer dar a esse crescimento.
Ao apontar contrastes entre crescimento e prosperidade, ele argumentou que mudanças no sistema tributário e desonerações devam ser mecanismos de indução para a promoção de melhor qualidade de vida.
Como exemplo desses contrastes ele cita desonerações na produção de automóveis e o agravamento da mobilidade urbana. A cada ano, disse, a indústria automobilística produz 3,6 milhões de novos carros, agravando os engarrafamentos nas cidades brasileiras.
– Em 2005, a velocidade média na cidade de São Paulo, durante o dia, era de 22 quilômetros por hora, o que já era quase semelhante ao das carroças da idade média. Isso caiu em 2011 a 18 quilômetros por hora – disse.
Conforme dados citados pelo pesquisador, São Paulo perde R$ 40 bilhões por ano por causa dos congestionamentos e o Rio de Janeiro, R$ 29 bilhões. Para ele, o país vive uma “verdadeira esquizofrenia” por não associar os problemas de mobilidade urbana à crescente oferta de carros.
Ele apontou ainda contrastes no setor de moradias, onde estaria ocorrendo um “apartheidterritorial” promovido pela indústria imobiliária, com a construção de condomínios de alto luxo, isolando a fatia mais rica da sociedade.
Para ele, a definição de apoio tributário deveria ser condicionada à inovação que fortaleça a economia sustentável, premiando novos sistemas que reduzam o uso de matéria prima e de energia.
No mesmo sentido, Márcio Pochmann, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), considera essencial que os incentivos fiscais fortaleçam a adoção de sistemas sustentáveis. Ele considera que são cada vez menores as chances de continuidade da espécie humana se não houver uma profunda transformação no modo de vida atual, baseado no crescimento indiscriminado e ilimitado.
E como instrumentos que promovam essa transformação ele sugere, entre outras medidas, inverter a lógica dos investimentos em ciência e tecnologia, com ênfase em processos e sistemas poupadores de recursos naturais, e a difusão de valores para uma vida mais simples e menos consumista.
– São fundamentais as mudanças na cultura do reuso, da reciclagem, do antidesperdício – disse.
Ele lembrou que a transição da economia de baixo carbono não ocorre de forma espontânea, mas requer a presença do Estado, em especial com a adoção da tributação ambiental.
Impostos
Odilon Guedes, mestre em economia pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), citou a “injustiça brutal” do sistema tributário do país, pois quem paga mais impostos são os mais pobres – um milionário paga o mesmo tributo sobre um pão ou uma TV que o assalariado. Além disso, não se cobra sobre o que se deveria.
Segundo afirmou, o imposto sobre propriedade rural do Brasil inteiro é menor do que dois meses de imposto territorial urbano na cidade de São Paulo. Não há cobranças de impostos sobre grandes propriedades, nem sobre herança ou fortuna, e isso precisa ser enfrentado, assim como a cobrança da dívida ativa precisa ser aperfeiçoada, pois se deve pelo menos R$ 1 trilhão ao Tesouro nacional sem perspectiva de pagamento, e isso é feito de forma deliberada, prejudicando o bom pagador.
O economista também frisou o papel essencial do Estado como indutor da economia e da sustentabilidade. Ele frisou que para uma sociedade não ser poluidora é preciso educação, saúde, segurança, e quem banca esses investimentos é o Estado, e para isso são necessários tributos. Eles só precisam ser mais justos e bem direcionados.
Ronaldo Mota, professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), lembrou que a tributação para fins ambientais deve atender a objetivos extra-fiscais, ou seja, não apenas para arrecadação, mas também para estimular um comportamento mais sustentável ou corrigir padrões de uso e consumo. Ele também lamentou que o desenho tributário para o setor – que é complexo – não esteja na discussão que o Senado vem promovendo sobre tributação.
Já Jorge Nogueira, professor do Centro de Estudos em Economia, Meio Ambiente e Agricultura da Universidade de Brasília (UnB), apesar de defende-la, fez ponderações sobre as injustiças que a cobrança de uma taxa ambiental pode trazer, como o fato de o tributo incidir sobre o degradador com um peso maior justamente quando ele busca corrigir o seu comportamento poluidor. Ele também afirmou que o tributo cobrado para fins de proteção ao meio ambiente não pode ser generalizado e único.
- O tributo ambiental é para cada tipo de poluente para o qual você precisa reduzir as emissões. Não existe um tributo de mil e uma utilidades – alertou.
André Lima, coordenador de políticas públicas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), também defendeu alterações no sistema tributário brasileiro que, ao contrário do resto do mundo, tributa mais o consumo e não a renda. Ele também observou que os municípios têm sido especialmente prejudicados, pois vêm assumindo cada vez mais responsabilidade na gestão ambiental e não tem recursos para realizar os avanços necessários.
- Falta cidadania tributária e transparência na política do sistema tributário do país – declarou.
André também citou estudo do Ipam que buscou relacionar o direcionamento dos incentivos tributários concedidos pelo governo dos últimos anos com o aumento das emissões de dióxido de carbono em alguns setores. Os que mais receberam esses incentivos foram os setores de agropecuária e energia (transportes), justamente onde se evidenciou a elevação das emissões. Até mesmo nos desmatamentos houve redução, citou. Até 2005, 57% das emissões vinham da derrubada da floresta, e esse número foi reduzido para 22% em 2010.
Seminário
O seminário “Política Tributária e Sustentabilidade: Uma plataforma para a nova economia” foi realizado pela CAE em parceria com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e o Instituo Ethos.
Agência Senado
(Reprodução autorizada mediante citação da Agência Sena