sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Raios que mudam vidas e até a história

Raios que mudam vidas e até a história

Recorde brasileiro de incidência de descargas elétricas é mote de documentário do Inpe

30 de setembro de 2013 | 2h 02


Giovana Girardi - O Estado de S.Paulo
Entre os moradores mais antigos da zona leste de São Paulo que têm jazigos no Cemitério da Quarta Parada, por muito tempo rezou a lenda de que em Dia de Finados era melhor não ir ao cemitério. Vai que um raio cai na sua cabeça? A probabilidade média de isso acontecer no Brasil é de 1 em 1 milhão, mas no Quarta Parada se dizia que em Finados alguém sempre acabava atingido.
Talvez um pouco exagerado, o temor - relatado no documentário Fragmentos da Paixão, que estreia no dia 11 - toma por base um fato real. No feriado dos mortos de 1959, no meio de um temporal, um grupo de 15 pessoas se abrigou debaixo de uma árvore e foi atingido por um raio. A descarga, que partiu a árvore ao meio, matou Eva Bierling, de 20 anos, na hora e feriu outras 11 pessoas.
Esta foi uma das dezenas de histórias reunidas pelo pesquisador Osmar Pinto Jr., coordenador do Grupo de Eletricidade Atmosférica (Elat) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, e por sua filha, Iara Cardoso, para a composição do filme, escrito e dirigido por ela.
A pesquisa, que durou três anos, levou o geofísico a uma dramática conclusão: 85% das mortes por raio no País poderiam ser evitadas. "O problema é que as pessoas se colocam em risco por falta de informação. A probabilidade média de acidentes do País faz as pessoas subestimarem o risco de serem atingidas. Mas a chance passa a ser muito maior num lugar descampado. Sobe para 1 em cem", alerta o pesquisador.
"A situação às vezes fica a pior possível, como no caso do cemitério. Novembro já é um período de muita tempestade, a zona leste é a região com maior incidência de raio da capital, aí as pessoas, num lugar muito aberto, correm para debaixo d'árvore quando começa a chuva. E depois fica parecendo uma coisa do além", brinca Iara.
O Brasil é recordista mundial em queda de raios, com 50 milhões por ano e 130 mortes. Para Pinto Jr., esse número só vai diminuir com mais conscientização - e talvez com um pouquinho de medo. "Olha, o filme não é dramático, mas serve para alertar. Eu mesmo, que nunca tive medo de raio, fiquei com um pouquinho depois de conversar com tanta gente", conta, divertindo-se.
O filme mostra a jornada do pesquisador em busca de responder uma pergunta: os raios podem mudar a vida de uma pessoa? Para isso, ele viajou por São Paulo, Rio, Bahia e Rio Grande do Sul atrás de causos pessoais e fatos históricos do País ligados às descargas elétricas.
O local onde foi fundado São Paulo, por exemplo, tinha uma pedra, a Itaecerá, que, segundo a mitologia tupi, fora rachada por um raio. Em relação ao local, os índios tinham um misto de respeito e medo, o que os afastava de conflitos com jesuítas.
Entre as histórias pessoais, destaca-se a do homem que foi atingido quando andava de bicicleta sob uma tempestade e acabou se apaixonando pela mulher que o socorreu. Estar em um veículo aberto, explica Pinto Jr., é uma das posições mais arriscadas. "A melhor maneira de se proteger é ficar num carro fechado", aconselha.
E fugir das árvores. Lição que a duras penas aprendeu Mario Vechio, último sobrevivente do incidente de 1959. Então com 23 anos, diante da chuva, fez o que todo mundo estava fazendo, e foi para debaixo da árvore. "Um clarão, um estrondo, e de repente tava todo mundo no chão, alguns se debatendo. Tentei levantar, mas não tinha força e caía de novo. Mas dei sorte, nada aconteceu. Hoje não tenho medo não, mas não corro mais para debaixo de árvore."