sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Apesar de proibição, cigarro eletrônico se dissemina em São Paulo

Apesar de proibição, cigarro eletrônico se dissemina em São Paulo

13/10/2013 | 15h04min














Há uma nuvem sobre São Paulo. Ela sai do cigarro eletrônico, engenhoca criada para substituir a queima de tabaco e cuja venda e importação são proibidas no país em razão das incertezas de seus efeitos na saúde. Mesmo assim, já pode ser visto sendo utilizado em restaurantes, bares e baladas da cidade.
"Fumo em todo lugar desde que trouxe de Los Angeles, há um ano", diz a empresária Cristina Nabil, 53, com um modelo da marca americana Blu em punho. "Aprendi lá que não faz mal para quem está perto, então é OK fumar num restaurante."
Não é bem assim. Há poucos estudos realizados. Em um deles, efetuado há seis meses nos Estados Unidos, mostra que o vapor emitido contém substâncias cancerígenas, ainda que em quantidades menores em relação ao cigarro comum (veja quadro na pág. 31).
Seja como for, Nabil diz ter convencido as duas melhores amigas a aderirem à novidade, com a qual nunca passou por problemas. A não ser uma vez, quando funcionários de uma loja de bolsas na rua Oscar Freire, zona oeste, pediram que apagasse a geringonça ou saísse para fumar.
"Respondi que não era apagar, e sim desligar, e que em Paris sempre compro fumando. Não adiantou. Ê, Brasil!" Saiu da loja na promessa de "nunca mais voltar".
O DJ Flavio Romão, 33, ficou quatro meses em lua de mel com o seu modelo, comprado em Nova York. "Optei por causa da saúde. E melhorou: não tive pigarro nem fiquei passando mal por fumar muito."
Retornou ao cigarro de papel faz pouco por não achar no país o líquido com nicotina necessário para a recarga de sua máquina. Romão diz que, no período, fumou em baladas em Pinheiros e no centro. "Usei tranquilo, ninguém me encheu."
Para o empresário Anderson Ribeiro, 35, o "e-fumo" foi um degrau entre o vício e a abstinência. "Comecei a usar e acabei largando o normal." Ele diz que, sem a obrigação de "matar" um cigarro inteiro a cada vez que fumava, diminuiu a quantidade aos poucos.
A coordenadora da área de cardiologia do Programa de Tratamento do Tabagismo do InCor, Jaqueline Scholz Issa, é entusiasta do uso do cigarro eletrônico como uma terapia de redução de danos.
"É um produto para o indivíduo que não consegue parar de fumar ter um cigarro menos tóxico. Mas, por conter nicotina, não é uma forma de tratar a dependência." A médica, no entanto, pondera: "Mesmo com concentrações menores, não é possível avaliar o impacto disso na saúde".
Com a capacidade de levar nicotina ao cérebro de maneira rápida, os eletrônicos funcionam como um cigarro comum. Porém, sem a combustão do tabaco e substâncias químicas, como o alcatrão.
A falta de certezas produz situações delicadas. Quando ainda fumava o eletrônico, Anderson Ribeiro foi repreendido em alguns lugares. "Tem gente que fica ofendidíssima. É como se eu estivesse violando o espaço que os não-fumantes conquistaram", diz ele.
"Agora, entro no shopping fumando Blu e ninguém pode falar nada. Parece uma caneta e [os seguranças] não sacaram", conta a artista plástica Patricia Mariani, 56. Ela ganhou o eletrônico da filha neste mês. E o objetivo, ressalta, é reduzir o consumo do cigarro tradicional.
ILEGAL
"Para consumo em ambiente fechado, [o eletrônico] tem de ser entendido como cigarro [comum]", ressalta André Luiz Oliveira, da Gerência Geral de Produtos Derivados de Tabaco da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Ou seja, o eletrônico se insere na lei federal que não permite fumar em aeronaves e veículos de transporte coletivo desde 1996. O mesmo aplica-se à lei antifumo paulista, que barrou a partir de 2009 o consumo em ambientes coletivos no Estado.
No mesmo ano, a Anvisa proibiu a venda e importação no país, por falta de comprovação científica da sua qualidade e dos possíveis efeitos na saúde. "Ninguém sabe do que se trata", diz Oliveira. "Há casos nos EUA de explosão de cigarro eletrônico."
Dois anos atrás, a Anvisa identificou que o Paraguai é um dos pontos de origem dos produtos. Aqui, não é difícil encontrá-los. Para esta reportagem, a sãopaulo comprou um, de modelo simples, em uma lojinha na 25 de março por R$ 12,50, e outro, muito mais avançado, de R$ 400, por meio de um site.
Já quem tenta comprá-lo pela internet de vendedores no exterior costuma perder o produto: as máquinas de raio-X existentes nos Correios o identificam. Registram-se em média dois flagrantes por dia. A Receita Federal retém a encomenda e a devolve ao país de origem.
A chance de punição para o consumidor, por sua vez, é remota. "Se analisarmos friamente a lei, é contrabando", diz Humberto Fabretti, professor de direito do Mackenzie. "Mas não acredito que se faça algo por conta de um cigarro. É mais ou menos a lógica aplicada ao CD pirata."
VITRINE
Nessa batalha, a novidade tecnológica tem conquistado adeptos entre os famosos. Neste ano, a modelo inglesa Kate Moss fumou um no Baretto, bar do hotel Fasano, no Jardim Paulista, zona oeste. Ronaldo e sua ex-mulher Bia Anthony também foram fotografados usando.
O colunista social Amaury Jr, 62, engrossa os adeptos. Enquanto conversa com a reportagem em sua produtora, no Jardim Europa, saca um modelo descartável da Blu.
Ainda que tenha no estojo variedades de aroma como champanhe e baunilha, opta no dia a dia pelo sabor que imita Marlboro Light (em Los Angeles, é possível utilizar até óleo de haxixe).
A descoberta do cigarro eletrônico, anos atrás, o animou. Muito. "Eu até pensei em entrar nesse mercado." Mas depois veio a descobrir que o produto estava vetado. E usou seu ofício para descobrir o porquê do interdito.
"Trouxe um cara da Anvisa para me dar entrevista [no programa de TV]. Queria saber por que está proibido. É porque tem nicotina? Chicletes [com nicotina] e 'patches' [adesivos] estão por todo lugar."
Para ele, é só questão de tempo para que a proibição caia, e brasileiros se acostumem ao "e-fumo" em lugares públicos. "Até em avião eu fumo!" Questionadas, as companhias aéreas Gol e TAM não responderam se já flagraram passageiros e que procedimento adotam nesse caso.
UMA NOITE NA CIDADE
A pedido da sãopaulo, a redatora publicitária Carla Regina Cortegoso, 27, levou seu cigarro virtual para uma noitada composta por: abertura de mostra de arte, jantar em shopping, um bar, um café, um restaurante e uma balada.
Após dar cabo de um fast-food na praça de alimentação de um shopping na Bela Vista, região central, ela tirou a geringonça da bolsa e a levou à boca.
Em três minutos, uma segurança se chegou à mesa. "Senhora, aqui não se pode fumar." Carla explicou, batendo a maquininha na mesa de pedra, que não era um cigarro de verdade. A funcionária partiu.
Um pai de família na mesa atrás dela, para onde ia o vapor, começou a chamar mais seguranças. Imitava um cigarro com uma mão e pedia atenção estalando os dedos da outra. Em vão. Depois de minutos pedindo atenção, pegou o celular e começou a filmar a cena, que chamou de "inacreditável".
"Eu ia mandar para a Polícia Federal se vocês não avisassem que era reportagem", disse ele.
Na abertura de uma exposição fotográfica, no Itaim Bibi, zona oeste, um casal comentava: "Aquela menina está fumando?". Sim, ela estava. Garçons pareceram notar a cena. A fumante ouviu cinco vezes frases como "a senhora quer vinho?", como se dissessem que repararam o uso do cigarro. Nenhuma interpelação direta, contudo, foi feita.
"Parece ser uma relação meio de mãe de drogado, que vê o que está acontecendo mas prefere não lidar com o problema", compara a publicitária.
Os frequentadores da mesa ao lado do café, perto da Paulista, pediram a conta assim que as baforadas começaram. O garçom do bar na Vila Madalena, zona oeste, ficou em dúvida se ela poderia, consultou o gerente e voltou oferecendo uma mesa na calçada. No restaurante, atraiu olhares espantados da freguesia. Já na balada da rua Augusta, passou completamente batido.
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PERGUNTAS E RESPOSTAS
1. Onde comprar?
É proibida a venda no Brasil desde 2009. Porém, diferentes modelos são oferecidos em sites e em lojas da rua 25 de Março
2. É proibido fumar?
Não. O produto contém nicotina, extrato da planta tabaco, cujo consumo é permitido
3. Posso fumar em restaurantes?
Não. A lei paulista, de 2009, veta o consumo de "produto fumígeno" em ambientes de uso coletivo
4. Posso trazer do exterior?
Não. E quem tentar, pode ser acusado de contrabando. Entretanto, até hoje não há registro de apreensões no aeroporto de Guarulhos
5. Faz mal?
Sim. Esses cigarros têm nicotina, droga que causa dependência, além de substâncias cancerígenas
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Fontes: Anvisa, Receita, PF, Secretaria da Saúde e Humberto Fabretti, prof. de direito do Mackenzie
Folha de São Paulo