Plano básico ambiental
Documento é condição para instalação de empreendimentos. Saiba quais as responsabilidades dos contratantes no gerenciamento ambiental das construções
http://www.infraestruturaurbana.com.br/solucoes-tecnicas/25/artigo279344-1.aspPor Maryana Giribola
O resgate da flora e fauna nas intermediações das obras da Usina de Belo Monte faz parte das medidas compensatórias previstas pelo órgão licenciador
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O Plano Básico Ambiental (PBA), documento que traça todas as ações e os programas de gerenciamento das questões ambientais de uma obra, é condicionante para a emissão da licença de instalação de um empreendimento. Caso não seja cumprido, pode impedir o funcionamento efetivo da construção.
Mas, antes de entender as competências do PBA, é preciso compreender como o processo de aprovação funciona. “Poucas pessoas assimilam o que é a licença prévia, de fato”, ressalta Antonio Fernando Pinheiro Pedro, sócio do Pinheiro Pedro Advogados, escritório especializado em direito ambiental.
A licença prévia (LP) é o instrumento que prevê e previne todos os impactos ambientais que uma obra pode causar. E, para que ela seja emitida, são necessários Estudos de Impacto Ambiental (Eia) e respectivo Relatório de Impacto Ambiental (Rima) bem elaborados. O Eia/Rima, contratado pelos órgãos públicos, integra a etapa de avaliação da viabilidade ambiental do empreendimento e a concessão, ou não, da licença prévia ao empreendimento.
“Em geral, as licitações/contratações de empreiteiras são feitas após a obtenção de licença prévia, pois as condicionantes dessa licença representam ‘custos’ e ‘obrigações’ que são transferidos para os executores das obras. Existe também o risco de negação de uma LP, o que inviabilizaria o negócio. No entanto, em alguns modelos, licitações são feitas antes da LP. Para minimizar eventuais riscos, esses setores já contam com áreas ambientais que fazem pré-seleção ambiental das propostas e trabalham próximas aos órgãos ambientais”, comenta Maria Silvia Romitelli, gerente do departamento de avaliação ambiental de empreendimentos da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb).
De qualquer modo, é com base em estudos e avaliações apontados nos documentos de EIA e Rima que o PBA é elaborado – sempre pela empresa responsável pela obra e de forma conjugada com a fase de elaboração do projeto de engenharia –, para que a licença de instalação possa ser emitida ou não, dependendo da aprovação do órgão licenciador.
No PBA, devem ser apresentados os cuidados e procedimentos ambientais a serem observados pela construtora, pelo consórcio ou pela concessionária durante a construção do empreendimento, definidos em função da tipologia e das peculiaridades ambientais das áreas afetadas pelo projeto.
Os programas mais comuns que constam em um PBA são: programa de controle ambiental das obras, programa de comunicação social, programas de monitoramento das águas, programa de gerenciamento de resíduos etc.
Também é apresentado no PBA o sistema de gestão ambiental a ser implantado para gerenciamento ambiental das construções. Esse sistema indica o corpo gerencial responsável pela execução e pelo controle das ações durante as obras. Além disso, deve incluir membros das empreiteiras e outras empresas terceirizadas que participam ativamente da construção de um empreendimento.
Preservação da fauna
Uma medida que o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (Dnit) tem tomado em suas obras é a proteção à fauna silvestre em relação a atropelamentos de animais em rodovias, uma prática recente no Brasil. Segundo a Coordenação geral de meio ambiente do departamento, todos os projetos e obras de rodovias em fase de implantação sob responsabilidade do órgão têm obedecido a diretrizes de inclusão de passagens de fauna, em linha com as orientações dos órgãos ambientais
.Para isso, são realizados diagnósticos da fauna silvestre na área de influência das obras rodoviárias para identificar as espécies que mais demandam proteção de atropelamentos em cada caso. As medidas de proteção à fauna nas imediações de rodovias envolvem a implantação de dispositivos, iniciativas educativas e de fiscalização dos usuários. Um exemplo dessa prática é a instalação de cercas para evitar a invasão de animais nas rodovias, induzindo sua travessia por passagens de fauna inferiores. Essas passagens podem ser associadas a pontes e bueiros com margens alargadas ou até a travessias inferiores secas, exclusivas para essa finalidade.
Numa primeira fase, são produzidos EIAS e PBAs em linha com os projetos básicos das rodovias, e que indicam a necessidade de inserção, a quantidade, a tipologia e a localização sugerida para os dispositivos de travessia de fauna. Na fase de obras, as diretrizes desses documentos são compatibilizadas com os projetos de engenharia e apreciadas pelos órgãos ambientais licenciadores. Alguns casos dessas práticas em rodovias são:
BR-262/MS
A rodovia BR-262/MS, em seu trecho que atravessa o Pantanal sulmatogrossense, é um exemplo de obra onde o Dnit desenvolve estudos para a identificação da fauna mais susceptível e os pontos críticos de ocorrência de acidentes. Os dispositivos de proteção contemplados nas obras incluem cercas de proteção e direcionamento a passagens de fauna, redutores eletrônicos de velocidade e sinalização de advertência, bem como um programa de conscientização e motivação dos usuários. Está em estudo um projeto piloto de sinalização rodoviária com mensagens educativas e placas de advertência com uso de espécies da fauna silvestre pantaneira.
BR-163/PA
As obras de pavimentação da BR-163/PA ocorrem em pleno bioma amazônico. Na região da rodovia, o Dnit já conta com resultados de alguns anos de estudos de monitoramento da fauna silvestre e das espécies mais envolvidas em acidentes. Cercas de proteção e direcionamento a passagens de fauna, inserção de passagem seca em pontes e sinalização de advertência fazem parte dos dispositivos instalados durante as obras, e sua eficácia poderá ser avaliada durante a operação da rodovia, após a conclusão das obras, por comparação com os dados dos últimos anos.
Programas de melhorias de travessias urbanas e de redução de desconforto e de acidentes em obras rodoviárias são exemplos que devem ser previstos no PBA
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A gestão ambiental da instalação de empreendimentos envolve, muitas vezes, o gerenciamento de conflitos. Na foto, pescadores reivindicam paralisação das obras do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) e reparação de danos
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Termo de referência
O termo de referência para elaboração do estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto ambiental deve determinar a abrangência, os procedimentos e os critérios gerais para nortear o desenvolvimento de estudos que diagnostiquem a qualidade ambiente atual da área de implantação do empreendimento. É importante lembrar que o documento deve considerar todas as condicionantes do projeto.
Além disso, é imprescindível listar todas as leis a que os estudos devem atender em âmbito municipal, estadual e federal. As principais são as Resoluções 01/86 e 237/97 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e a Lei de Política Nacional de Meio Ambiente, no 6.938/91. Veja, a seguir, algumas dicas de como elaborar o termo, mas lembre-se: o documento deve descrever a fundo todos os impactos possíveis de um projeto.
- Exija que a empresa seja qualificada na elaboração de estudos de impactos ambientais e peça documentos que comprovem sua experiência
- Liste todas as regulamentações aplicáveis ao licenciamento
- Caracterize a situação ambiental atual da área de influência do projeto
- Apresente os levantamentos e os potenciais impactos da obra, incluindo os socioeconômicos, com a colaboração de órgãos oficiais
- Indique a forma como o diagnóstico ambiental deverá ser feito
- Referencie todos os mapas apresentados com legendas, número, autor, proprietário, data e orientação geográfica
- Apresente os programas de monitoramento com cronograma de execução e metodologia a ser aplicada
- Elabore o prognóstico ambiental considerando as alternativas de execução e os empreendimentos situados ao redor do projeto
- Estabeleça as áreas de influência do empreendimento, que podem ser direta ou indiretamente afetadas
- Apresente estudos de alternativas locacionais do empreendimento, confrontando-as de forma a mostrar a melhor hipótese do ponto de vista ambiental
- Caracterize o projeto, incluindo objetivos, justificativas, dados técnicos, localização e infraestrutura de apoio à obra
- Apresente as medidas mitigadoras, compensatórias e programas de controle e de monitoramento
Segundo Maria Silvia, da Cetesb, de forma geral, os programas apresentados no PBA contemplam a seguinte estrutura:
- Objetivos e metas
- Procedimentos ambientais
- Indicadores ambientais
- Formas de acompanhamento ambiental
- Registros ambientais
- Equipe alocada e responsabilidades
- Cronograma de execução
Os programas que contemplam o PBA tratam de iniciativas ambientais que acompanham a fase de projeto executivo do empreendimento (veja quadro à parte). Portanto, devem ser detalhados em nível executivo também. “Não podem se restringir apenas a uma carta de intenções genéricas, mas devem mostrar aderência ao plano de ataque de obras, aos métodos construtivos propostos, à equipe de trabalhadores proposta, às características do local do empreendimento e ao porte. Ou seja, às variáveis construtivas e locacionais que caracterizam o empreendimento”, afirma Maria Silvia.
PBA na prática
Como a implantação do PBA é de competência da contratada para tocar a obra, o cuidado que o gestor público deve tomar é contratar uma empresa com experiência na elaboração de laudos, estudos e diagnósticos para a elaboração de um EIA/Rima eficiente. Além disso, o órgão licenciador deve acompanhar a implantação dos PBAs para verificar-se de que estão sendo cumpridos.
Os custos para elaboração do plano variam de acordo com o empreendimento e seu impacto ambiental. “Os empreendedores, responsáveis pela elaboração dos planos, precisam dedicar uma porcentagem do custo da obra ao custo operacional da gestão ambiental do projeto”, lembra o advogado Pinheiro Pedro.
Pesam no custo dessa gestão as implicações que as construções podem sofrer durante a construção. Um exemplo são as obras da Usina de Belo Monte. “Os conflitos enfrentados com os índios que ocupam a região são onerosos. Fizemos um estudo para o Banco Mundial e para o Ministério de Minas e Energias entre 2007 e 2008 para avaliar qual era o custo final da gestão ambiental em obras hidrelétricas. Esse custo chegou a 15% do valor da obra. É assustador! Mas isso varia conforme o nível de conflitos do projeto”, explica Pinheiro Pedro.
Além de serem onerosos à gestão, os conflitos ambientais são os principais impasses na elaboração dos planos. Por isso a importância de uma empresa especializada para elaborar e gerenciar o PBA. “É fundamental que esse tratamento se dê a partir da determinante técnica de engenharia, e a vertente institucional, voltada para os conflitos humanos”, explica Pinheiro Pedro.
“O plano não pode ser totalizante, de maneira que se torne difícil de ser modificado, porque vai haver modificação no decorrer da instalação do projeto. Mas ele também não pode ser simples demais, a ponto de não servir como documento que possa suportar uma licença de instalação. Quem vai dar a medida disso é o profissional ou os profissionais envolvidos”, argumenta Pinheiro Pedro.
Atualmente, cada vez mais se faz necessária na prática da gestão ambiental das obras a presença dos advogados, por conta dos conflitos jurídicos enfrentados no decorrer da construção. “Esses conflitos têm sido inúmeros e crescentes na área ambiental, e o engenheiro da obra não lida com isso”, completa o advogado.