quarta-feira, 15 de maio de 2013

A SUSTENTABILIDADE E O LAZER EM UNIDADES DE CONSERVAÇÃO: TRAJETÓRIA HISTÓRICA E REFLEXÕES CONTEMPORÂNEAS


A SUSTENTABILIDADE E O LAZER EM UNIDADES DE CONSERVAÇÃO: TRAJETÓRIA HISTÓRICA E REFLEXÕES CONTEMPORÂNEAS


Mirleide Chaar Bahia[1]
Tânia Mara Vieira Sampaio[2]

RESUMO:

Há um considerável aumento na procura de práticas de lazer em ambientes naturais gerando uma preocupação do Poder Público e de Organizações Não-Governamentais que dividem a administração desses espaços e ocupam-se em elaborar de forma urgente e prioritária, planos de manejo que estabeleçam regras claras de uso público – caracterizado como Turismo e Recreação – nas Unidades de Conservação. Essa experiência de lazer tem provocado impactos sócio-ambientais causados pela visitação e prática de esportes em áreas naturais e deve ser gerenciado de modo a não afetar a conservação e os modos de vida das populações tradicionais residentes em tais áreas. Para isso, tanto a educação pelo e para o lazer, a educação ambiental e o planejamento da visitação tornam-se atividades fundamentais a serem desenvolvidas por uma equipe multidisciplinar estabelecendo não apenas o uso, como: modos de minimizar impactos e proporcionar a qualidade de vida do ambiente e das pessoas.

DESCRITORES: LAZER E MEIO AMBIENTE – SUSTENTABILIDADE – UNIDADES DE CONSERVAÇÃO – AGENDA 21 – ECOTURISMO.

Introdução
            A necessidade de sobrevivência e de desenvolvimento das populações tem gerado a  busca de alternativas que se contraponham ao paradigma hegemônico de desenvolvimento e crescimento desenfreado, de modo que venham a suprir as necessidades atuais, sem o comprometimento das gerações futuras e a degradação do meio ambiente.
A sociedade tem se engajado cada vez mais em tais discussões e com isso ampliado suas experiências de atividades e momentos de lazer na natureza, numa busca pela reaproximação de áreas naturais – na medida em que a urbanização das cidades causou um afastamento das relações com tais áreas.
Por essa busca de reencontrar-se consigo e com o meio-ambiente tem sido importante pensar uma lógica de preservação e conservação dos recursos naturais e culturais das populações tradicionais – habitantes de áreas naturais remotas. Os estudos atuais tem trabalhado preceitos que possam permitir um planejamento consciente das várias atividades humanas, de modo a não esgotar tais recursos, nos processos de visitação, vivências de lazer, entre outras atividades.
Foi criada, em 1983, a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento - CMMAD, presidida pela secretária do Meio Ambiente da Noruega, Gro Harden Brundtland, destinada a combater a degradação ambiental e promover a melhoria das condições de vida das populações carentes. Após três anos de estudos e visitas a vários países, a Comissão encerrou oficialmente as atividades em 1987, com a entrega do Relatório Brundtland (Nosso Futuro Comum) à Assembléia Geral das Nações Unidas. O texto ressaltou com grande ênfase as conseqüências negativas da pobreza sobre o meio ambiente. Ao final dos trabalhos, a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente concluiu que era necessário um novo tipo de desenvolvimento capaz de manter o progresso humano não apenas em alguns lugares por alguns anos, mas em todo o planeta até um futuro longínquo. O Relatório Brundtland sugeriu à Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas – ONU a convocação de uma conferência internacional para avaliação dos progressos obtidos pelos países na área ambiental. Tendo sido o referido Relatório aprovado pela Assembléia Geral da ONU em 1989, confirmou-se a realização da Conferência sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento – CNUMAD, a ECO-92, no Rio de Janeiro. (SEABRA, 2001).
A partir de preocupações acerca dos rumos do desenvolvimento – e suas respectivas conseqüências em nível mundial –, e a necessidade de estabelecer-se os rumos a serem tomados pelo planeta, além da publicação do “Relatório Brundtland”, diversas reuniões com a presença de chefes de Estado do mundo todo passaram a ser agendadas, para firmar-se acordos em nível mundial sobre diversas questões relacionadas à problemática sócio-ambiental (Protocolo de Kyoto, Mercado de Carbono, Pobreza nos Países de Terceiro Mundo) sobressaindo-se dentre elas a Conferência sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento – Rio/92 (CNUMAD) – ECO 92[3], na qual algumas metas de desenvolvimento foram discutidas e sistematizadas – pautadas numa preocupação com gerações futuras e o esgotamento dos recursos naturais e culturais – e a construção de um documento intitulado AGENDA 21 GLOBAL. (COELHO, 1999).
Essas idéias começaram a surgir, como nos mostra Franz Bruseke (1993), Ignacy Sachs (1993) e Olivier Godard (1997), a partir das preocupações dos pesquisadores do chamado Clube de Roma, através do estudo “Limites do Crescimento”, conjuntamente com a Conferência de Estocolmo. Possuíam uma preocupação com o crescimento populacional mundial, estabilização da relação economia versus ecologia e a conscientização e participação da população mundial. Mas essas primeiras idéias surgem com a premissa de um congelamento do crescimento da população global e do capital industrial, baseada no crescimento zero, e, portanto, criticada principalmente pelos países em desenvolvimento. (FIGUEIREDO, 1999a, p.81).

Impulsiona-se, portanto, o desejo e a tentativa de um equilíbrio social, econômico e ecológico, num tripé que, baseado no Relatório Brundtland, significa “justiça social, eficiência econômica e prudência ecológica”[4], denominado Desenvolvimento Sustentável. (FIGUEIREDO, 1999a, p. 36).
A perspectiva teórica designada “Desenvolvimento Sustentável” surgiu, na década de 1970, da crítica ao planejamento econômico tal como foi concebido no mundo ocidental pós-50 e os seus resultados ambientais danosos e socialmente injustos, sobretudo nos países então denominados “Terceiro Mundo”. (COELHO, 1999) Nas propostas apresentadas pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente - PNUMA, emprega-se o termo “desenvolvimento sustentável” significando melhorar a qualidade da vida humana dentro dos limites da capacidade de suporte dos ecossistemas. (SÃO PAULO, 1992).
O desenvolvimento sustentável compreende um amplo processo de transformação no qual a exploração dos recursos, a direção dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional se harmonizam e reforçam o potencial presente e futuro, a fim de atender às necessidades e aspirações humanas. (CMMAD, 1988).
Desenvolvimento sustentável vem sendo comumente definido como desenvolvimento que leva em consideração a finitude dos recursos naturais, a sustentabilidade ou durabilidade no uso dos recursos com vista às gerações futuras. Além da sustentabilidade social, econômica e ecológica, neste conceito de desenvolvimento é também ressaltada, com propriedade, a sustentabilidade cultural. (COELHO, 1999, p.57).

Para Ignacy Sachs (1993), as dimensões a serem observadas devem ter uma amplitude bem maior, capaz de abarcar aspectos defendidos inicialmente pelo “ecodesenvolvimento”, tendo cinco eixos norteadores: 1) sustentabilidade social: a meta é construir uma civilização com maior eqüidade na distribuição de renda e de bens, reduzindo o abismo social; 2) sustentabilidade econômica: privilegia a alocação e o gerenciamento mais eficiente de recursos financeiros; 3) sustentabilidade ecológica: propõe novas formas de relacionamento entre o consumo humano e os recursos naturais, desde a limitação do uso até a reutilização destes através de reciclagem; 4) sustentabilidade espacial: expressa principalmente nas relações das áreas rurais e urbanas, combatendo a centralização em áreas urbanas; e por fim; 5) sustentabilidade cultural: valorização de formas diversas de relação ser-humano natureza e diversidades culturais, através da etnociência, por exemplo.
A Agenda 21 Brasileira é um processo e instrumento de planejamento participativo para o desenvolvimento sustentável e que tem como eixo central a sustentabilidade, compatibilizando a conservação ambiental, a justiça social e o crescimento econômico. O documento é resultado de uma vasta consulta à população brasileira, sendo construída a partir das diretrizes da Agenda 21 global. (BRASIL, 2005a). Várias são as questões estabelecidas na Agenda 21, inclusive a visitação pública em áreas naturais, o que incluiria o lazer, tanto em seu conteúdo cultural de turismo, quanto na prática de atividades físico-esportivas. A preocupação a partir de então seria a do cumprimento de metas exeqüíveis, em nível local ou regional, com uma Agenda 21 Local[5] passando a ser pensada em cada região, seus problemas, suas diversidades, suas particularidades, sua cultura.
O entendimento de que cada região deve buscar soluções específicas para seus problemas particulares, considerando dados ecológicos e igualmente culturais, bem como as necessidades imediatas e de longo prazo, remete à observação primordial da diversidade cultural. Ignacy Sachs (1993), destaca que diversidade cultural significa diversidade de formas de relação do ser humano com a natureza e das adaptações de modelos tecnológicos a realidades regionais, criticando a prática da transferência de tecnologia sem adaptações a essas realidades.
Assim, é preciso visualizar a Terra como um todo, mas deve-se considerar as particularidades de cada região, de cada local, com suas particularidades, diversidades.
O cuidado com a Terra representa o global. O cuidado com o próprio nicho ecológico representa o local. O ser humano tem os pés no chão (local) e a cabeça aberta para o infinito (global). O coração une chão e infinito, abismo e estrelas, local e global. A lógica do coração é a capacidade de encontrar a justa medida e construir o equilíbrio dinâmico [...] Para isso cada pessoa precisa descobrir-se como parte do ecossistema local e da comunidade biótica, seja em seu aspecto de natureza, seja em sua dimensão de cultura. (BOFF, 1999, p. 135).

Tal abordagem suscita a compreensão de que todas as formas de ação do ser humano no meio ambiente, principalmente no que se refere ao estabelecimento de práticas as quais busquem recursos naturais ou a própria área natural como suporte, necessitam essencial e prioritariamente de planejamento, envolvimento com as comunidades da área, levantamento de capacidade de suporte, enfim, uma série de medidas capazes de minimizar a ação antrópica[6] em tais áreas e na busca do desenvolvimento com sustentabilidade e responsabilidade. (FIGUEIREDO, 1999b).
O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente - PNUMA, com o apoio da Organização das Nações Unidas - ONU e de diversas organizações não-governamentais, propôs, em 1991, princípios, ações e estratégias para a construção de uma sociedade sustentável. Propõe-se que as ações humanas ocorram dentro das técnicas e princípios conhecidos de conservação, estudando seus efeitos para que se aprenda rapidamente com os erros.
Com o crescente avanço do uso público em áreas naturais, seja para exploração de recursos, seja para subsistência (caça, pesca) ou mesmo para vivência de atividades de lazer (turismo, esportes), houve uma mobilização do Poder Público no sentido de demarcar e preservar algumas destas áreas, criando-se Áreas de Proteção Ambiental – APAs. 
Segundo Patrícia Costa (2002), a criação de Áreas de Proteção Ambiental (APAs)[7], surge em fins do século XIX, quando foi criada a primeira área natural protegida, o Parque Nacional de Yellowstone (EUA).
Essas áreas de proteção ambiental começaram a ser criadas em diversos países e passou-se a denominar Unidades de Conservação[8] (UCs), para as diversas categorias de manejo criadas com características específicas (Parques Nacionais, Estações Ecológicas, Reservas extrativistas, entre outras).
No Brasil, a primeira Unidade de Conservação foi o Parque Nacional de Itatiaia, criado em 1937. Essas Unidades tiveram o seu reconhecimento a partir da promulgação do Projeto de Lei n° 2.892, de 1992, que originou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC[9], no qual foram estabelecidas as categorias de manejo e suas respectivas características. O uso público é permitido em três vertentes: Pesquisa, Educação Ambiental e Recreação. (COSTA, 2002).
É possível verificar que houve um avanço nas concepções iniciais – fruto da herança do modelo americano de áreas naturais, de que as unidades de conservação deveriam ser “ilhas” fechadas ao uso público – e estabeleceu-se a abertura controlada de algumas categorias de manejo, a partir da compreensão de que com um plano de manejo[10] é possível o uso responsável das áreas naturais abertas a esse fim, propiciando o conhecimento e a possível conscientização da população da necessidade de conservação de tais áreas.
As unidades de conservação integrantes do SNUC dividem-se em dois grupos, com características específicas:
I - Unidades de Proteção Integral: criadas com a característica de preservação da natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais, com exceção dos casos previstos na Lei, composto pelas seguintes categorias de unidade de conservação: Estação Ecológica; Reserva Biológica (REBIO); Parque Nacional (PARNA); Monumento Natural e Refúgio de Vida Silvestre.
II - Unidades de Uso Sustentável: criadas com a característica de compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais, composto pelas seguintes categorias de unidade de conservação: Área de Proteção Ambiental (APA); Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE); Floresta Nacional (FLONA); Reserva Extrativista (RESEX); Reserva de Fauna; Reserva de Desenvolvimento Sustentável e Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN). (BRASIL, 2000, Art. 7o; Art. 8o, Art. 14).
A partir do conhecimento das categorias de manejo, é possível analisar em quais dessas áreas é permitido o uso público para fins de vivência de lazer, na forma de turismo ou na forma de vivência de atividades físico-esportivas, que na lei é classificada como recreação.
A categoria que apresenta como regra geral características de uso público denominado “Sujeito a condições e restrições estabelecidas no Plano de Manejo” ou “Condicionado ao plano de manejo, às normas do órgão gestor e regulamento”, equivale dizer que é possível o uso para turismo e recreação, desde que essas características estejam planejadas e organizadas no plano de manejo construído pelo órgão público e/ou organização não governamental que esteja responsável pela área em questão.
O aumento na procura de práticas de lazer nesses ambientes naturais tornou-se uma preocupação do Poder Público e de Organizações Não-Governamentais que dividem a administração desses espaços, de elaborar de forma urgente e prioritária, Planos de Manejo que estabelecessem regras claras de uso público – caracterizado como Turismo e Recreação – nas Unidades de Conservação que possuíam essa característica, permitindo tais práticas, porém, dentro de um planejamento detalhado, elaborado por uma equipe multidisciplinar, estabelecendo não apenas o uso, como: modos de minimizar impactos, quantidade de visitantes nas trilhas, manejo para áreas degradadas a partir de um período de utilização, cuidados a serem tomados na prática de esportes nas áreas naturais, entre outros aspectos.

Manifestações do Lazer na Natureza: o “Ecoturismo” e os “Esportes de Aventura”.

O Turismo Ecológico ou Ecoturismo surge como uma alternativa de se contrapor à lógica do turismo de massa (estandardizado e predatório), e procura cada vez mais defender a proposição de roteiros personalizados, preocupados com o mínimo impacto e com grande interesse paisagístico-ecológico. (SERRANO, 1997)
No documento “Diretrizes para uma Política Nacional de Ecoturismo”, lançado em 1994 pelo Ministério da Indústria, Comércio e Turismo – MICT e pelo Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal – MMA, o Ecoturismo, que se traduz numa multiplicidade de vivências em áreas naturais[11] – dentre estas, algumas atividades físicas na natureza (nem sempre vinculadas à aventura e ao risco) e o Turismo de Aventura (atividades com características mais fortemente vinculadas à “aventura”, ao “risco” e ao “radicalismo”) –, traz em seu bojo a discussão de ter como seu elemento fundante, o desenvolvimento sustentável.  
[...] é um segmento da atividade turística que utiliza, de forma sustentável, o patrimônio natural e cultural, incentiva sua conservação e busca a formação de uma consciência ambientalista através da interpretação do ambiente, promovendo o bem-estar das populações envolvidas. (BRASIL-MICT/MMA, 1994)

No entanto, muitos são os autores e autoras (RUSCHMANN, 1994; SERRANO, 2000; FIGUEIREDO, 1999; SEABRA, 2001; UVINHA, 2003; entre outros), que têm procurado fazer análises críticas sobre as concepções teórico-práticas dos projetos e ações executados em todo o Brasil, os quais se autodenominam de ecoturismo e turismo de aventura, mas que no entanto, refletem práticas pouco preocupadas com os preceitos defendidos originalmente.
Apesar do discurso oficial, ainda existem limitações e práticas equivocadas no desenvolvimento do segmento Ecoturismo, gerando falta de credibilidade quanto à sustentabilidade divulgada. Percebe-se este fato nas palavras de Giovanni Seabra (2001):
O caráter sociodesenvolvimentista do ecoturismo permeia os projetos oficiais e os discursos políticos, sem contudo alcançar e envolver as comunidades tradicionais que habitam as unidades de conservação, sendo estas tragadas por uma política oficial massificante, travestida de auto-sustentável. (p. 09).

Além da falta de articulação e envolvimento de comunidades tradicionais residentes em áreas onde são implantados projetos de Ecoturismo, nota-se uma preocupação crescente quanto ao aspecto relacionados com o “uso” da natureza como “mercadoria” e a conseqüente devastação ambiental. Muitos dos erros cometidos no modelo econômico vivido na sociedade – lucro, ganância, degradação -, estão sendo cometidos no Turismo, diminuindo sua credibilidade.  (MENEZES; CORIOLANO, 2002) 
Na mesma linha de raciocínio, Célia Serrano (2000), demonstra preocupações quanto à prática equivocada deste segmento:
[...] o ecoturismo vem perdendo sua capacidade de crítica às formas tradicionais de organização das viagens para as massas, pois passou igualmente a empacotar com ‘embalagens recicláveis’, é certo, natureza e subjetividade, disponibilizando-as para um consumo rápido e fácil. (SERRANO, 2000, p.16)

Nas Unidades de Conservação, onde comumente acontecem o uso público voltado ao segmento ecoturismo e turismo de aventura, também são apontadas algumas limitações e problemas vivenciados, decorrentes de falta de investimento do Poder Público no sentido de elaborar planos de manejo que possibilitem o desenvolvimento sustentável de tais atividades.
Faltam, em diversas UCs, estudos limitantes de áreas e das possibilidades de exploração turística, principalmente porque a maioria dos Parques – em todos os níveis, federal, estadual e municipal – não possui plano de manejo [...] A não existência do plano de manejo dificulta a gestão da área e, conseqüentemente, o correto desenvolvimento do turismo. Esse documento é fruto de um intenso trabalho de pesquisa e abarca múltiplas áreas do conhecimento científico - geografia, botânica, história, direito, geologia, zoologia, engenharia, medicina, entre outras - aliadas ao saber das populações diretamente envolvidas com a UC estudada. Age como instrumento regulador que define e delimita o uso adequado em zonas específicas e cria normas para essa utilização [...] A ausência histórica de investimentos públicos nas Unidades de Conservação – em todos os níveis – é constatada pela pequena quantidade de UCs que possuem plano de manejo, sendo menor ainda o número destas que os conseguiram implementar [...] Como conseqüência, há um comprometimento da qualidade no atendimento ao visitante de tais áreas, e a conseqüente dificuldade de gestão do turismo. (COSTA, 2002, p. 40-41)

 O Turismo de Aventura, situado na polissemia do termo e da multiplicidade das atividades do ecoturismo (SERRANO, 2000), remete às mesmas preocupações em termos de planejamento, gestão e sustentabilidade. Tem sido incluído nas discussões gerais sobre Ecoturismo, no que se refere ao Poder Público, com sua inserção nos projetos maiores de desenvolvimento, como por exemplo, o do “Turismo Verde”, do Governo Federal, que visa desenvolver o ecoturismo na Amazônia brasileira e está inserido no programa “Avança Brasil”. (BRASIL, 2005b). Abarca o Programa de Desenvolvimento de Ecoturismo na Amazônia Legal - PROECOTUR e amplia a previsão de recursos na mesma direção. (BRASIL, 2005b)
No meio acadêmico, já existe um vasto campo de pesquisas, percorrido por autores e autoras, que têm se dedicado à temática específica do turismo de aventura, dos esportes de aventura, dos esportes radicais. (MARINHO, 2003; BRUHNS, 2003; COSTA, 2000; UVINHA, 2003; SCHWARTZ, 2003; entre outros)
Heloísa Bruhns (2000) denuncia a falsa idéia de que os esportes de aventura são inofensivos e “ecologicamente corretos”, revelando preocupações quanto à sua prática e planejamento.
Apesar de um discurso ecológico legitimar a presença dos esportes em cachoeiras, cavernas, trilhas e montanhas, sem muito questionamento, permeando sua prática com nuances românticas e utilizando termos como “harmonização com a natureza”, “integração com a natureza” e outros, presenciamos uma situação que revela que o caráter inofensivo dos mesmos não se mostra sustentável. (BRUHNS, 2000, p. 27)

Uma das preocupações a serem pontuadas nesse texto, diz respeito às práticas do Turismo de Aventura numa lógica consumista e não-sustentável, com atividades executadas de forma desordenada e sem planejamento, causando impactos sócio-ambientais.
Cabe ressaltar que, na “indústria” turística, o segmento identificado genericamente como ecoturismo é o que apresenta maiores taxas de crescimento. Se ainda levarmos em consideração o crescimento de outros sinais da busca da natureza também associados ao mesmo universo mental das práticas do ecoturismo, como as medicinas alternativas, a alimentação natural e os esportes praticados em ambientes naturais, sem tocar na disseminação do ambientalismo – sem duvida a maior influencia ao crescimento desse tipo de interesse, é impossível negar sua importância como fenômeno social. Da mesma forma, não é possível negligenciar os impactos sociais e naturais decorrentes de seu desenvolvimento, em que pese a retórica do “baixo impacto”, centrada na imagem do turismo como “indústria limpa”, característica de seu marketing. (SERRANO, 1997, p. 16-17)
                                                           
Ao sistematizar alguns dos principais processos de impactos do lazer na natureza, Maria Isabel Barros e Milton Dines (2000, p. 58), os agrupam em dois aspectos: “ecológicos, quando provocam alterações no ambiente, degradando o solo, a vegetação, os recursos hídricos e a fauna, e sociais, quando causam uma diminuição na qualidade da experiência dos visitantes”.
Em um passeio por áreas naturais é comum encontrar sinais evidentes de impacto no ambiente como erosão em trilhas, restos de fogueira por toda parte, lixo, locais devastados por “trilheiros”, etc [...] Há outros impactos graves que não são tão aparentes, como a contaminação das águas, a mudança de hábito da fauna, a alteração na dinâmica de ecossistemas, a ausência de certas plantas nativas, o decréscimo na natalidade de espécies ameaçadas, etc. (BARROS; DINES, 2000, p. 71, grifos dos autores)   

Em pesquisa realizada na Vila de Paranapiacaba – Santo André/SP, Ricardo Uvinha (2003), pôde verificar como o desenvolvimento do Turismo de aventura, e conseqüentemente dos esportes de aventura, têm sido realizados, e cita, como exemplo, alguns impactos ambientais na área.
- a poluição da água numa área de mananciais provocada pelo cascade e canyoning;
- a poluição sonora e do ar na prática de esportes motorizados como o motocross e o jipe offroad;
- a elevada incidência de incêndios ocasionados por acampamentos levantados por praticantes de trekking na mata;
- a erosão aguçada por adeptos de mountain bike, em especial quando a prática se dá na terra molhada. (UVINHA, 2003, p. 114)

Somando a estes, mais alguns outros problemas detectados na área, resultantes do grande fluxo de turistas na Vila, como: o crescimento da violência contra o praticante de esportes radicais nas trilhas; a venda de drogas e assaltos à mão armada; a presença de caçadores nas trilhas; os grupos que se perdem nas trilhas por falta de sinalização turística e a falta do devido policiamento nas trilhas; e o desrespeito dos praticantes pelos residentes que circulam pela Vila (motos em alta velocidade). (UVINHA, 2003)
Em outro estudo coordenado por Teresa Magro; Gytha van Bentveld; Silvia Kataoka e Carlos Koury (2002), realizado no município de Brotas – SP, denominado “Uso Turístico do Ambiente Natural em Brotas – Manejo do Público Visitante”, foi feito um levantamento das atividades de lazer realizadas neste município, no sentido de mapear impactos ecológicos e sociais e elaborar recomendações para a melhoria das condições de uso de tais áreas. Os resultados da prática de rafting, bóia cross e floating são apontados a seguir:
De acordo com a avaliação feita, pontos com erosão significativa se localizam em vários trechos do rio, nos trechos sem vegetação ciliar. Todas as bases de embarque e desembarque se encontram em área de pasto ou em mata ciliar degradada, sendo que a perda de vegetação nos locais com mata, fica restringida em uma área pequena. Estes locais deverão ser monitorados no futuro para avaliar se estão ocorrendo alterações significativas na vegetação e qualidade do solo [...] Além dos efeitos ambientais negativos, a falta da vegetação ciliar em grande parte das margens do rio Jacaré-Pepira diminui a qualidade da experiência do visitante cuja expectativa é encontrar um ambiente primitivo ou o mais perto possível desta condição. (MAGRO et al., 2002, p. 101)  

A preocupação em encontrar soluções capazes de equacionar os problemas apontados anteriormente, leva a uma reflexão sobre caminhos possíveis a se tomar, em direção a proposições e ações para uma tomada de consciência e uma perspectiva de vivência de novos valores na prática de lazer na natureza.

Novas Atitudes e Propostas de Intervenção.

Ao considerar a natureza como “espaço de celebração”, Heloísa Bruhns (1997) analisa a importância das experiências vivenciadas entre ser humano, através de seu corpo e meio ambiente.
As experiências íntimas do corpo com a natureza, numa perspectiva subjetiva, expressam em alguns casos uma busca de reconhecimento do espaço ocupado por esse corpo na sua relação com o mundo, uma revisão de valores bem como um encontro muito particular do homem com ele mesmo [...] Essas experiências conduzem a uma aproximação, a um reconhecimento da natureza pelo qual nos conhecemos. (BRUHNS, 1997, p. 136) 

Apesar de aspectos relacionados ao consumo, à prática alienada do lazer na natureza, da falta de cuidado com a sustentabilidade de algumas práticas de esportes na natureza apontada por diversos autores, é possível buscar novas atitudes e novas formas do relacionamento ser humano-natureza.
No fragmentado e heterogêneo mundo contemporâneo ele seria, além do canal das trocas econômicas, um lugar de trocas simbólicas, um elemento constituinte e constitutivo das identidades individuais e de grupos, que estariam rearticulando-se não mais em bases territoriais/nacionais, mas transnacionais, a partir de signos e códigos construídos e compartilhados através do consumo [...] Se aderirmos a esta proposição, e somarmos a ela esforços na direção da cooperação, da solidariedade, da criatividade e da apreensão sensível da natureza, de nós mesmos e do mundo, é possível, apesar da apropriação do ecoturismo e da educação ambiental pelo mercado, reconhecer e desenhar estratégias visando resgatar e tornar mais evidentes as potencialidades dessas práticas [...] uma saudável busca de caminhos que possam concretizar as potencialidades educativas e transformadoras do contato com a natureza, em especial através do ecoturismo. (SERRANO, 2000, p.18-19) 

O aumento dos impactos sócio-ambientais causados pela visitação e prática de esportes em áreas naturais deve ser gerenciado de modo a não afetar a conservação e os modos de vida das populações tradicionais residentes em tais áreas. Para isso, tanto a educação pelo e para o lazer, a educação ambiental e o planejamento da visitação tornam-se atividades fundamentais e devem utilizar-se de formação profissional daqueles que irão atuar como promotores das atividades, além de ferramental e métodos que conciliem uso e conservação.
O uso público em áreas ambientais preservadas e regulamentadas pela lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação traz impactos que podem ser minimizados se forem considerados dois aspectos complementares entre si:
1. a ampla divulgação em campanhas permanentes de informação sobre a ética e as práticas de mínimo impacto;
 2. a adoção de instrumentos e ações de manejo que contribuam para a minimização dos impactos. (BARROS; DINES, 2000, p. 50)  

A ética e as práticas de mínimo impacto podem ser aplicadas a quaisquer atividades realizadas em áreas naturais, sejam unidades de conservação ou não. As práticas de manejo da visitação poderão ser aplicadas principalmente a áreas consideradas como unidades de conservação, embora possam ser utilizadas em outras eras naturais onde se pretenda compatibilizar o uso público ligado ao lazer com a conservação do ambiente e dos ecossistemas naturais existentes em tais áreas. (BARROS; DINES, 2000)

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SERRANO, Célia. A educação pelas pedras: uma introdução. In: SERRANO, Célia (org). A educação pelas pedras: ecoturismo e educação ambiental. São Paulo: Chronos, 2000. (07-24)
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UVINHA, Ricardo R. Turismo de aventura: uma análise do desenvolvimento desse segmento na Vila de Paranapiacaba. São Paulo: Escola de Comunicação e Artes/ Universidade de São Paulo, 2003.




[1] Mestre em Educação Física; Universidade Federal do Pará – UFPA; mirleide@ufpa.br
[2] Doutora em Ciências da Religião; Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP/GPL; tsampaio@unimep.br

[3] Por ocasião da Conferência Internacional Rio / 92, cidadãos representando instituições de mais de 170 países assinaram tratados nos quais se reconhece o papel central da educação para a construção de um mundo socialmente justo e ecologicamente equilibrado, o que requer responsabilidade individual e coletiva em níveis local, nacional e planetário. (SÃO PAULO, 1992).
[4] Atualmente alguns autores (LEFF, 2003; GUATTARI, 1990) defendem a inserção da responsabilidade política como uma das bases da concepção do Desenvolvimento Sustentável.
[5] O capítulo 28 da Agenda 21 global estabelece que cada autoridade em cada país implemente uma Agenda 21 Local, tendo como base de ação a construção, operacionalização e manutenção da infra-estrutura econômica, social e ambiental local, estabelecendo políticas ambientais locais e prestando assistência na implementação de políticas ambientais nacionais. Ainda segundo a Agenda 21, como muitos dos problemas e soluções apresentados neste documento têm suas raízes nas atividades locais, a participação e cooperação das autoridades locais são fatores determinantes para o alcance de seus objetivos. (BRASIL, 2005a).
[6] Ação antrópica é toda ação provinda do homem. As conseqüências da ação antrópica, como geradora de impacto ambiental, incluem fatores como a dinâmica populacional (aglomerações, crescimento populacional, deslocamentos, fluxos migratórios), o uso e a ocupação do solo (expansão urbana, paisagismo, instalações de infra-estrutura, rede viária, etc.), a produção cultural e também as ações de proteção e recuperação de áreas específicas. (SÃO PAULO, 1992).
[7] No Brasil há várias leis estabelecendo Áreas de Proteção Ambiental (APAs), que são espaços do território brasileiro, assim definidos e delimitados pelo Poder Público (União, Estado ou Município), cuja proteção se faz necessária para garantir o bem estar das populações presentes e futuras e o meio ambiente ecologicamente equilibrado. (SÃO PAULO, 1992).
[8] Unidades de Conservação: “Espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção”. (COSTA, 2002, p.27).
[9] O conjunto de Unidades de Conservação do Brasil constitui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza - SNUC. (COSTA, 2002, p.27).
[10] Plano de Manejo: documento técnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma unidade de conservação, se estabelece o seu zoneamento e as normas que devem presidir o uso da área e o manejo dos recursos naturais, inclusive a implantação das estruturas físicas necessárias à gestão da unidade. (BRASIL, 2000).

[11] De acordo com Célia Serrano (2000, p. 9), “podemos considerar o Ecoturismo  como uma idéia “guarda-chuva”, pois envolve uma multiplicidade de atividades como trekking, hiking, escaladas, rapel, espeleologia, mountain biking, cavalgadas, mergulho, rafting, floating, cayaking, vela, vôo livre, paragliding, balonismo, estudos do meio, safári fotográfico, observação de fauna e de flora, pesca (catch-release),  turismo esotérico e turismo rural, para citar as mais usuais”.