A
SUSTENTABILIDADE E O LAZER EM UNIDADES DE CONSERVAÇÃO: TRAJETÓRIA HISTÓRICA E
REFLEXÕES CONTEMPORÂNEAS
Mirleide
Chaar Bahia[1]
Tânia
Mara Vieira Sampaio[2]
RESUMO:
Há um considerável aumento na procura de
práticas de lazer em ambientes naturais gerando uma preocupação do Poder
Público e de Organizações Não-Governamentais que dividem a administração desses
espaços e ocupam-se em elaborar de forma urgente e prioritária, planos de
manejo que estabeleçam regras claras de uso público – caracterizado como Turismo
e Recreação – nas Unidades de Conservação. Essa experiência de lazer tem
provocado impactos sócio-ambientais causados pela visitação e prática de
esportes em áreas naturais e deve ser gerenciado de modo a não afetar a
conservação e os modos de vida das populações tradicionais residentes em tais
áreas. Para isso, tanto a educação pelo e para o lazer, a educação ambiental e
o planejamento da visitação tornam-se atividades fundamentais a serem
desenvolvidas por uma equipe multidisciplinar estabelecendo não apenas o uso,
como: modos de minimizar impactos e proporcionar a qualidade de vida do
ambiente e das pessoas.
DESCRITORES: LAZER E
MEIO AMBIENTE – SUSTENTABILIDADE – UNIDADES DE CONSERVAÇÃO – AGENDA 21 –
ECOTURISMO.
Introdução
A necessidade de
sobrevivência e de desenvolvimento das populações tem gerado a busca de alternativas que se contraponham ao
paradigma hegemônico de desenvolvimento e crescimento desenfreado, de modo que
venham a suprir as necessidades atuais, sem o comprometimento das gerações
futuras e a degradação do meio ambiente.
A sociedade tem se engajado cada vez mais em tais
discussões e com isso ampliado suas experiências de atividades e momentos de
lazer na natureza, numa busca pela reaproximação de áreas naturais – na medida
em que a urbanização das cidades causou um afastamento das relações com tais
áreas.
Por essa busca de reencontrar-se consigo e com o
meio-ambiente tem sido importante pensar uma lógica de preservação e
conservação dos recursos naturais e culturais das populações tradicionais –
habitantes de áreas naturais remotas. Os estudos atuais tem trabalhado preceitos
que possam permitir um planejamento consciente das várias atividades humanas,
de modo a não esgotar tais recursos, nos processos de visitação, vivências de
lazer, entre outras atividades.
Foi criada, em 1983, a
Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento - CMMAD, presidida pela
secretária do Meio Ambiente da Noruega, Gro Harden Brundtland, destinada a
combater a degradação ambiental e promover a melhoria das condições de vida das
populações carentes. Após três anos de estudos e visitas a vários países, a
Comissão encerrou oficialmente as atividades em 1987, com a entrega do
Relatório Brundtland (Nosso Futuro Comum) à Assembléia Geral das Nações Unidas.
O texto ressaltou com grande ênfase as conseqüências negativas da pobreza sobre
o meio ambiente. Ao final dos trabalhos, a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente
concluiu que era necessário um novo tipo de desenvolvimento capaz de manter o
progresso humano não apenas em alguns lugares por alguns anos, mas em todo o
planeta até um futuro longínquo. O Relatório Brundtland sugeriu à Assembléia
Geral da Organização das Nações Unidas – ONU a convocação de uma conferência
internacional para avaliação dos progressos obtidos pelos países na área
ambiental. Tendo sido o referido Relatório aprovado pela Assembléia Geral da
ONU em 1989, confirmou-se a realização da Conferência sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento – CNUMAD, a ECO-92, no Rio de Janeiro. (SEABRA, 2001).
A partir de preocupações
acerca dos rumos do desenvolvimento – e suas respectivas conseqüências em nível
mundial –, e a necessidade de estabelecer-se os rumos a serem tomados pelo
planeta, além da publicação do “Relatório Brundtland”, diversas reuniões com a
presença de chefes de Estado do mundo todo passaram a ser agendadas, para
firmar-se acordos em nível mundial sobre diversas questões relacionadas à
problemática sócio-ambiental (Protocolo de Kyoto, Mercado de Carbono, Pobreza
nos Países de Terceiro Mundo) sobressaindo-se dentre elas a Conferência sobre o
Meio Ambiente e Desenvolvimento – Rio/92 (CNUMAD) – ECO 92[3],
na qual algumas metas de desenvolvimento foram discutidas e sistematizadas –
pautadas numa preocupação com gerações futuras e o esgotamento dos recursos
naturais e culturais – e a construção de um documento intitulado AGENDA 21
GLOBAL. (COELHO, 1999).
Essas idéias começaram a surgir, como
nos mostra Franz Bruseke (1993), Ignacy Sachs (1993) e Olivier Godard (1997), a
partir das preocupações dos pesquisadores do chamado Clube de Roma, através do
estudo “Limites do Crescimento”, conjuntamente com a Conferência de Estocolmo.
Possuíam uma preocupação com o crescimento populacional mundial, estabilização
da relação economia versus ecologia e
a conscientização e participação da população mundial. Mas essas primeiras
idéias surgem com a premissa de um congelamento do crescimento da população
global e do capital industrial, baseada no crescimento zero, e, portanto,
criticada principalmente pelos países em desenvolvimento. (FIGUEIREDO, 1999a,
p.81).
Impulsiona-se, portanto, o
desejo e a tentativa de um equilíbrio social, econômico e ecológico, num tripé
que, baseado no Relatório Brundtland, significa “justiça social, eficiência
econômica e prudência ecológica”[4],
denominado Desenvolvimento Sustentável. (FIGUEIREDO, 1999a, p. 36).
A perspectiva teórica designada “Desenvolvimento
Sustentável” surgiu, na década de 1970, da crítica ao planejamento econômico
tal como foi concebido no mundo ocidental pós-50 e os seus resultados
ambientais danosos e socialmente injustos, sobretudo nos países então
denominados “Terceiro Mundo”. (COELHO, 1999) Nas propostas apresentadas pelo
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente - PNUMA, emprega-se o termo
“desenvolvimento sustentável” significando melhorar a qualidade da vida humana
dentro dos limites da capacidade de suporte dos ecossistemas. (SÃO PAULO, 1992).
O desenvolvimento sustentável compreende
um amplo processo de transformação no qual a exploração dos recursos, a direção
dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e a mudança
institucional se harmonizam e reforçam o potencial presente e futuro, a fim de
atender às necessidades e aspirações humanas. (CMMAD, 1988).
Desenvolvimento sustentável vem sendo comumente
definido como desenvolvimento que leva em consideração a finitude dos recursos
naturais, a sustentabilidade ou durabilidade no uso dos recursos com vista às
gerações futuras. Além da sustentabilidade social, econômica e ecológica, neste
conceito de desenvolvimento é também ressaltada, com propriedade, a
sustentabilidade cultural. (COELHO, 1999, p.57).
Para Ignacy Sachs (1993), as dimensões a serem observadas
devem ter uma amplitude bem maior, capaz de abarcar aspectos defendidos inicialmente
pelo “ecodesenvolvimento”, tendo cinco eixos norteadores: 1) sustentabilidade
social: a meta é construir uma civilização com maior eqüidade na distribuição
de renda e de bens, reduzindo o abismo social; 2) sustentabilidade econômica:
privilegia a alocação e o gerenciamento mais eficiente de recursos financeiros;
3) sustentabilidade ecológica: propõe novas formas de relacionamento entre o
consumo humano e os recursos naturais, desde a limitação do uso até a
reutilização destes através de reciclagem; 4) sustentabilidade espacial:
expressa principalmente nas relações das áreas rurais e urbanas, combatendo a
centralização em áreas urbanas; e por fim; 5) sustentabilidade cultural:
valorização de formas diversas de relação ser-humano natureza e diversidades
culturais, através da etnociência, por exemplo.
A Agenda 21 Brasileira é um
processo e instrumento de planejamento participativo para o desenvolvimento
sustentável e que tem como eixo central a sustentabilidade, compatibilizando a
conservação ambiental, a justiça social e o crescimento econômico. O documento
é resultado de uma vasta consulta à população brasileira, sendo construída a
partir das diretrizes da Agenda 21 global. (BRASIL, 2005a). Várias são as
questões estabelecidas na Agenda 21, inclusive a visitação pública em áreas
naturais, o que incluiria o lazer, tanto em seu conteúdo cultural de turismo,
quanto na prática de atividades físico-esportivas. A preocupação a partir de
então seria a do cumprimento de metas exeqüíveis, em nível local ou regional,
com uma Agenda 21 Local[5]
passando a ser pensada em cada região, seus problemas, suas diversidades, suas
particularidades, sua cultura.
O entendimento de que cada
região deve buscar soluções específicas para seus problemas particulares,
considerando dados ecológicos e igualmente culturais, bem como as necessidades
imediatas e de longo prazo, remete à observação primordial da diversidade
cultural. Ignacy Sachs (1993), destaca que diversidade cultural significa
diversidade de formas de relação do ser humano com a natureza e das adaptações
de modelos tecnológicos a realidades regionais, criticando a prática da
transferência de tecnologia sem adaptações a essas realidades.
Assim, é preciso visualizar
a Terra como um todo, mas deve-se considerar as particularidades de cada
região, de cada local, com suas particularidades, diversidades.
O cuidado com
a Terra representa o global. O cuidado com o próprio nicho ecológico representa
o local. O ser humano tem os pés no chão (local) e a cabeça aberta para o
infinito (global). O coração une chão e infinito, abismo e estrelas, local e
global. A lógica do coração é a capacidade de encontrar a justa medida e
construir o equilíbrio dinâmico [...] Para isso cada pessoa precisa
descobrir-se como parte do ecossistema local e da comunidade biótica, seja em
seu aspecto de natureza, seja em sua dimensão de cultura. (BOFF, 1999, p. 135).
Tal abordagem suscita a
compreensão de que todas as formas de ação do ser humano no meio ambiente,
principalmente no que se refere ao estabelecimento de práticas as quais busquem
recursos naturais ou a própria área natural como suporte, necessitam essencial
e prioritariamente de planejamento, envolvimento com as comunidades da área,
levantamento de capacidade de suporte, enfim, uma série de medidas capazes de
minimizar a ação antrópica[6]
em tais áreas e na busca do desenvolvimento com sustentabilidade e
responsabilidade. (FIGUEIREDO, 1999b).
O
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente - PNUMA, com o apoio da
Organização das Nações Unidas - ONU e de diversas organizações
não-governamentais, propôs, em 1991, princípios, ações e estratégias para a
construção de uma sociedade sustentável. Propõe-se que as ações humanas ocorram
dentro das técnicas e princípios conhecidos de conservação, estudando seus
efeitos para que se aprenda rapidamente com os erros.
Com o crescente avanço do uso público em áreas
naturais, seja para exploração de recursos, seja para subsistência (caça,
pesca) ou mesmo para vivência de atividades de lazer (turismo, esportes), houve
uma mobilização do Poder Público no sentido de demarcar e preservar algumas
destas áreas, criando-se Áreas de Proteção Ambiental – APAs.
Segundo Patrícia Costa (2002), a criação de Áreas de
Proteção Ambiental (APAs)[7],
surge em fins do século XIX, quando foi criada a primeira área natural
protegida, o Parque Nacional de Yellowstone (EUA).
Essas áreas de proteção ambiental começaram a ser
criadas em diversos países e passou-se a denominar Unidades de Conservação[8]
(UCs), para as diversas categorias de manejo criadas com características
específicas (Parques Nacionais, Estações Ecológicas, Reservas extrativistas,
entre outras).
No Brasil, a primeira Unidade de Conservação foi o Parque Nacional de
Itatiaia, criado em 1937. Essas Unidades tiveram o seu reconhecimento a partir
da promulgação do Projeto de Lei n° 2.892, de 1992, que originou o Sistema
Nacional de Unidades de Conservação – SNUC[9],
no qual foram estabelecidas as categorias de manejo e suas respectivas
características. O uso público é permitido em três vertentes: Pesquisa,
Educação Ambiental e Recreação. (COSTA, 2002).
É possível verificar que
houve um avanço nas concepções iniciais – fruto da herança do modelo americano
de áreas naturais, de que as unidades de conservação deveriam ser “ilhas” fechadas
ao uso público – e estabeleceu-se a abertura controlada de algumas categorias
de manejo, a partir da compreensão de que com um plano de manejo[10]
é possível o uso responsável das áreas naturais abertas a esse fim, propiciando
o conhecimento e a possível conscientização da população da necessidade de conservação
de tais áreas.
As unidades de conservação integrantes do SNUC dividem-se
em dois grupos, com características específicas:
I
- Unidades de Proteção Integral:
criadas com a característica de preservação da natureza, sendo admitido apenas
o uso indireto dos seus recursos
naturais, com exceção dos casos previstos na Lei, composto pelas seguintes
categorias de unidade de conservação: Estação Ecológica; Reserva Biológica
(REBIO); Parque Nacional (PARNA); Monumento Natural e Refúgio de Vida
Silvestre.
II
- Unidades de Uso Sustentável:
criadas com a característica de compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus
recursos naturais, composto pelas seguintes categorias de unidade de
conservação: Área de Proteção Ambiental (APA); Área de Relevante Interesse
Ecológico (ARIE); Floresta Nacional (FLONA); Reserva Extrativista (RESEX);
Reserva de Fauna; Reserva de Desenvolvimento Sustentável e Reserva Particular
do Patrimônio Natural (RPPN). (BRASIL, 2000, Art. 7o; Art. 8o, Art. 14).
A partir do conhecimento das categorias de manejo, é
possível analisar em quais dessas áreas é permitido o uso público para fins de
vivência de lazer, na forma de turismo ou na forma de vivência de atividades
físico-esportivas, que na lei é classificada como recreação.
A categoria que apresenta
como regra geral características de uso público denominado “Sujeito a condições
e restrições estabelecidas no Plano de Manejo” ou “Condicionado ao plano de
manejo, às normas do órgão gestor e regulamento”, equivale dizer que é possível
o uso para turismo e recreação, desde que essas características estejam
planejadas e organizadas no plano de manejo construído pelo órgão público e/ou
organização não governamental que esteja responsável pela área em questão.
O aumento na procura de
práticas de lazer nesses ambientes naturais tornou-se uma preocupação do Poder
Público e de Organizações Não-Governamentais que dividem a administração desses
espaços, de elaborar de forma urgente e prioritária, Planos de Manejo que
estabelecessem regras claras de uso público – caracterizado como Turismo e
Recreação – nas Unidades de Conservação que possuíam essa característica,
permitindo tais práticas, porém, dentro de um planejamento detalhado, elaborado
por uma equipe multidisciplinar, estabelecendo não apenas o uso, como: modos de
minimizar impactos, quantidade de visitantes nas trilhas, manejo para áreas
degradadas a partir de um período de utilização, cuidados a serem tomados na prática
de esportes nas áreas naturais, entre outros aspectos.
Manifestações
do Lazer na Natureza: o “Ecoturismo” e os “Esportes de Aventura”.
O Turismo Ecológico ou Ecoturismo surge como uma
alternativa de se contrapor à lógica do turismo de massa (estandardizado e
predatório), e procura cada vez mais defender a proposição de roteiros
personalizados, preocupados com o mínimo impacto e com grande interesse
paisagístico-ecológico. (SERRANO, 1997)
No documento “Diretrizes
para uma Política Nacional de Ecoturismo”, lançado em 1994 pelo Ministério da
Indústria, Comércio e Turismo – MICT e pelo Ministério do Meio Ambiente, dos
Recursos Hídricos e da Amazônia Legal – MMA, o Ecoturismo, que se traduz numa
multiplicidade de vivências em áreas naturais[11]
– dentre estas, algumas atividades físicas na natureza (nem sempre vinculadas à
aventura e ao risco) e o Turismo de Aventura (atividades com características
mais fortemente vinculadas à “aventura”, ao “risco” e ao “radicalismo”) –, traz
em seu bojo a discussão de ter como seu elemento fundante, o desenvolvimento
sustentável.
[...] é um segmento da atividade
turística que utiliza, de forma sustentável, o patrimônio natural e cultural,
incentiva sua conservação e busca a formação de uma consciência ambientalista
através da interpretação do ambiente, promovendo o bem-estar das populações
envolvidas. (BRASIL-MICT/MMA, 1994)
No
entanto, muitos são os autores e autoras (RUSCHMANN, 1994; SERRANO, 2000;
FIGUEIREDO, 1999; SEABRA, 2001; UVINHA, 2003; entre outros), que têm procurado
fazer análises críticas sobre as concepções teórico-práticas dos projetos e
ações executados em todo o Brasil, os quais se autodenominam de ecoturismo e
turismo de aventura, mas que no entanto, refletem práticas pouco preocupadas
com os preceitos defendidos originalmente.
Apesar
do discurso oficial, ainda existem limitações e práticas equivocadas no
desenvolvimento do segmento Ecoturismo, gerando falta de credibilidade quanto à
sustentabilidade divulgada. Percebe-se este fato nas palavras de Giovanni
Seabra (2001):
O caráter sociodesenvolvimentista do
ecoturismo permeia os projetos oficiais e os discursos políticos, sem contudo
alcançar e envolver as comunidades tradicionais que habitam as unidades de
conservação, sendo estas tragadas por uma política oficial massificante,
travestida de auto-sustentável. (p. 09).
Além
da falta de articulação e envolvimento de comunidades tradicionais residentes
em áreas onde são implantados projetos de Ecoturismo, nota-se uma preocupação
crescente quanto ao aspecto relacionados com o “uso” da natureza como
“mercadoria” e a conseqüente devastação ambiental. Muitos dos erros cometidos
no modelo econômico vivido na sociedade – lucro, ganância, degradação -, estão
sendo cometidos no Turismo, diminuindo sua credibilidade. (MENEZES; CORIOLANO, 2002)
Na mesma linha
de raciocínio, Célia Serrano (2000), demonstra preocupações quanto à prática
equivocada deste segmento:
[...] o ecoturismo vem perdendo sua
capacidade de crítica às formas tradicionais de organização das viagens para as
massas, pois passou igualmente a empacotar com ‘embalagens recicláveis’, é
certo, natureza e subjetividade, disponibilizando-as para um consumo rápido e
fácil. (SERRANO, 2000, p.16)
Nas
Unidades de Conservação, onde comumente acontecem o uso público voltado ao
segmento ecoturismo e turismo de aventura, também são apontadas algumas
limitações e problemas vivenciados, decorrentes de falta de investimento do
Poder Público no sentido de elaborar planos de manejo que possibilitem o
desenvolvimento sustentável de tais atividades.
Faltam, em diversas UCs, estudos
limitantes de áreas e das possibilidades de exploração turística,
principalmente porque a maioria dos Parques – em todos os níveis, federal,
estadual e municipal – não possui plano de manejo [...] A não existência do
plano de manejo dificulta a gestão da área e, conseqüentemente, o correto
desenvolvimento do turismo. Esse documento é fruto de um intenso trabalho de
pesquisa e abarca múltiplas áreas do conhecimento científico - geografia,
botânica, história, direito, geologia, zoologia, engenharia, medicina, entre
outras - aliadas ao saber das populações diretamente envolvidas com a UC
estudada. Age como instrumento regulador que define e delimita o uso adequado
em zonas específicas e cria normas para essa utilização [...] A ausência
histórica de investimentos públicos nas Unidades de Conservação – em todos os
níveis – é constatada pela pequena quantidade de UCs que possuem plano de
manejo, sendo menor ainda o número destas que os conseguiram implementar [...]
Como conseqüência, há um comprometimento da qualidade no atendimento ao
visitante de tais áreas, e a conseqüente dificuldade de gestão do turismo.
(COSTA, 2002, p. 40-41)
O
Turismo de Aventura, situado na polissemia do termo e da multiplicidade das
atividades do ecoturismo (SERRANO, 2000), remete às mesmas preocupações em
termos de planejamento, gestão e sustentabilidade. Tem sido incluído nas
discussões gerais sobre Ecoturismo, no que se refere ao Poder Público, com sua
inserção nos projetos maiores de desenvolvimento, como por exemplo, o do
“Turismo Verde”, do Governo Federal, que visa desenvolver o ecoturismo na
Amazônia brasileira e está inserido no programa “Avança Brasil”. (BRASIL,
2005b). Abarca o Programa de Desenvolvimento de Ecoturismo na Amazônia Legal -
PROECOTUR e amplia a previsão de recursos na mesma direção. (BRASIL, 2005b)
No
meio acadêmico, já existe um vasto campo de pesquisas, percorrido por autores e
autoras, que têm se dedicado à temática específica do turismo de aventura, dos
esportes de aventura, dos esportes radicais. (MARINHO, 2003; BRUHNS, 2003;
COSTA, 2000; UVINHA, 2003; SCHWARTZ, 2003; entre outros)
Heloísa
Bruhns (2000) denuncia a falsa idéia de que os esportes de aventura são
inofensivos e “ecologicamente corretos”, revelando preocupações quanto à sua
prática e planejamento.
Apesar de um discurso ecológico legitimar a presença dos
esportes em cachoeiras, cavernas, trilhas e montanhas, sem muito
questionamento, permeando sua prática com nuances românticas e utilizando
termos como “harmonização com a natureza”, “integração com a natureza” e
outros, presenciamos uma situação que revela que o caráter inofensivo dos
mesmos não se mostra sustentável. (BRUHNS, 2000, p. 27)
Uma das preocupações a serem pontuadas nesse texto, diz respeito às
práticas do Turismo de Aventura numa lógica consumista e não-sustentável, com
atividades executadas de forma desordenada e sem planejamento, causando
impactos sócio-ambientais.
Cabe ressaltar que, na “indústria” turística, o
segmento identificado genericamente como ecoturismo é o que apresenta maiores
taxas de crescimento. Se ainda levarmos em consideração o crescimento de outros
sinais da busca da natureza também associados ao mesmo universo mental das
práticas do ecoturismo, como as medicinas alternativas, a alimentação natural e
os esportes praticados em ambientes naturais, sem tocar na disseminação do
ambientalismo – sem duvida a maior influencia ao crescimento desse tipo de
interesse, é impossível negar sua importância como fenômeno social. Da mesma
forma, não é possível negligenciar os impactos sociais e naturais decorrentes
de seu desenvolvimento, em que pese a retórica do “baixo impacto”, centrada na
imagem do turismo como “indústria limpa”, característica de seu marketing. (SERRANO, 1997, p. 16-17)
Ao sistematizar
alguns dos principais processos de impactos do lazer na natureza, Maria Isabel
Barros e Milton Dines (2000, p. 58), os agrupam em dois aspectos: “ecológicos, quando provocam alterações
no ambiente, degradando o solo, a vegetação, os recursos hídricos e a fauna, e sociais, quando causam uma diminuição na
qualidade da experiência dos visitantes”.
Em um passeio por áreas naturais é comum encontrar sinais
evidentes de impacto no ambiente como erosão em trilhas, restos de fogueira por
toda parte, lixo, locais devastados por “trilheiros”, etc [...] Há outros
impactos graves que não são tão aparentes, como a contaminação das águas, a
mudança de hábito da fauna, a alteração na dinâmica de ecossistemas, a ausência
de certas plantas nativas, o decréscimo na natalidade de espécies ameaçadas,
etc. (BARROS; DINES, 2000, p. 71, grifos dos autores)
Em pesquisa realizada na
Vila de Paranapiacaba – Santo André/SP, Ricardo Uvinha (2003), pôde verificar
como o desenvolvimento do Turismo de aventura, e conseqüentemente dos esportes
de aventura, têm sido realizados, e cita, como exemplo, alguns impactos
ambientais na área.
- a poluição da água numa área de
mananciais provocada pelo cascade e
canyoning;
- a poluição sonora e do ar na prática
de esportes motorizados como o motocross e
o jipe offroad;
- a elevada incidência de incêndios
ocasionados por acampamentos levantados por praticantes de trekking na mata;
- a erosão aguçada por adeptos de mountain bike, em especial quando a
prática se dá na terra molhada. (UVINHA, 2003, p. 114)
Somando a estes, mais alguns
outros problemas detectados na área, resultantes do grande fluxo de turistas na
Vila, como: o crescimento da violência contra o praticante de esportes radicais
nas trilhas; a venda de drogas e assaltos à mão armada; a presença de caçadores
nas trilhas; os grupos que se perdem nas trilhas por falta de sinalização
turística e a falta do devido policiamento nas trilhas; e o desrespeito dos
praticantes pelos residentes que circulam pela Vila (motos em alta velocidade).
(UVINHA, 2003)
Em outro estudo coordenado
por Teresa Magro; Gytha van Bentveld; Silvia Kataoka e Carlos Koury (2002),
realizado no município de Brotas – SP, denominado “Uso Turístico do Ambiente
Natural em Brotas – Manejo do Público Visitante”, foi feito um levantamento das
atividades de lazer realizadas neste município, no sentido de mapear impactos
ecológicos e sociais e elaborar recomendações para a melhoria das condições de
uso de tais áreas. Os resultados da prática de rafting, bóia cross e floating
são apontados a seguir:
De acordo com a avaliação feita, pontos
com erosão significativa se localizam em vários trechos do rio, nos trechos sem
vegetação ciliar. Todas as bases de embarque e desembarque se encontram em área
de pasto ou em mata ciliar degradada, sendo que a perda de vegetação nos locais
com mata, fica restringida em uma área pequena. Estes locais deverão ser
monitorados no futuro para avaliar se estão ocorrendo alterações significativas
na vegetação e qualidade do solo [...] Além dos efeitos ambientais negativos, a
falta da vegetação ciliar em grande parte das margens do rio Jacaré-Pepira
diminui a qualidade da experiência do visitante cuja expectativa é encontrar um
ambiente primitivo ou o mais perto possível desta condição. (MAGRO et al., 2002, p. 101)
A preocupação em encontrar
soluções capazes de equacionar os problemas apontados anteriormente, leva a uma
reflexão sobre caminhos possíveis a se tomar, em direção a proposições e ações
para uma tomada de consciência e uma perspectiva de vivência de novos valores
na prática de lazer na natureza.
Novas
Atitudes e Propostas de Intervenção.
Ao considerar a natureza como “espaço de celebração”,
Heloísa Bruhns (1997) analisa a importância das experiências vivenciadas entre
ser humano, através de seu corpo e meio ambiente.
As
experiências íntimas do corpo com a natureza, numa perspectiva subjetiva,
expressam em alguns casos uma busca de reconhecimento do espaço ocupado por
esse corpo na sua relação com o mundo, uma revisão de valores bem como um
encontro muito particular do homem com ele mesmo [...] Essas experiências
conduzem a uma aproximação, a um reconhecimento da natureza pelo qual nos
conhecemos. (BRUHNS, 1997, p. 136)
Apesar
de aspectos relacionados ao consumo, à prática alienada do lazer na natureza,
da falta de cuidado com a sustentabilidade de algumas práticas de esportes na
natureza apontada por diversos autores, é possível buscar novas atitudes e
novas formas do relacionamento ser humano-natureza.
No fragmentado
e heterogêneo mundo contemporâneo ele seria, além do canal das trocas
econômicas, um lugar de trocas simbólicas, um elemento constituinte e
constitutivo das identidades individuais e de grupos, que estariam
rearticulando-se não mais em bases territoriais/nacionais, mas transnacionais,
a partir de signos e códigos construídos e compartilhados através do consumo
[...] Se aderirmos a esta proposição, e somarmos a ela esforços na direção da cooperação,
da solidariedade, da criatividade e da apreensão sensível da natureza, de nós
mesmos e do mundo, é possível, apesar da apropriação do ecoturismo e da
educação ambiental pelo mercado, reconhecer e desenhar estratégias visando
resgatar e tornar mais evidentes as potencialidades dessas práticas [...] uma
saudável busca de caminhos que possam concretizar as potencialidades educativas
e transformadoras do contato com a natureza, em especial através do ecoturismo.
(SERRANO, 2000, p.18-19)
O aumento dos impactos sócio-ambientais causados pela
visitação e prática de esportes em áreas naturais deve ser gerenciado de modo a
não afetar a conservação e os modos de vida das populações tradicionais
residentes em tais áreas. Para isso, tanto a educação pelo e para o lazer, a
educação ambiental e o planejamento da visitação tornam-se atividades
fundamentais e devem utilizar-se de formação profissional daqueles que irão
atuar como promotores das atividades, além de ferramental e métodos que
conciliem uso e conservação.
O uso público em áreas ambientais preservadas e
regulamentadas pela lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação traz
impactos que podem ser minimizados se forem considerados dois aspectos
complementares entre si:
1.
a ampla divulgação em campanhas permanentes de informação sobre a ética e as
práticas de mínimo impacto;
2. a adoção de instrumentos e ações de manejo
que contribuam para a minimização dos impactos. (BARROS; DINES, 2000, p.
50)
A ética e as práticas de mínimo impacto podem ser aplicadas
a quaisquer atividades realizadas em áreas naturais, sejam unidades de
conservação ou não. As práticas de manejo da visitação poderão ser aplicadas
principalmente a áreas consideradas como unidades de conservação, embora possam
ser utilizadas em outras eras naturais onde se pretenda compatibilizar o uso
público ligado ao lazer com a conservação do ambiente e dos ecossistemas
naturais existentes em tais áreas. (BARROS; DINES, 2000)
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[1] Mestre em Educação Física; Universidade
Federal do Pará – UFPA; mirleide@ufpa.br
[2] Doutora em Ciências da Religião;
Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP/GPL; tsampaio@unimep.br
[3] Por ocasião da Conferência
Internacional Rio / 92, cidadãos representando instituições de mais de 170
países assinaram tratados nos quais se reconhece o papel central da educação
para a construção de um mundo socialmente justo e ecologicamente equilibrado, o
que requer responsabilidade individual e coletiva em níveis local, nacional e
planetário. (SÃO PAULO, 1992).
[4] Atualmente alguns autores (LEFF, 2003;
GUATTARI, 1990) defendem a inserção da responsabilidade política como uma das
bases da concepção do Desenvolvimento Sustentável.
[5] O capítulo 28 da Agenda 21 global
estabelece que cada autoridade em cada país implemente uma Agenda 21 Local,
tendo como base de ação a construção, operacionalização e manutenção da
infra-estrutura econômica, social e ambiental local, estabelecendo políticas
ambientais locais e prestando assistência na implementação de políticas
ambientais nacionais. Ainda segundo a Agenda 21, como muitos dos problemas e
soluções apresentados neste documento têm suas raízes nas atividades locais, a
participação e cooperação das autoridades locais são fatores determinantes para
o alcance de seus objetivos. (BRASIL, 2005a).
[6] Ação antrópica é toda ação provinda do
homem. As conseqüências da ação antrópica, como geradora de impacto ambiental,
incluem fatores como a dinâmica populacional (aglomerações, crescimento
populacional, deslocamentos, fluxos migratórios), o uso e a ocupação do solo
(expansão urbana, paisagismo, instalações de infra-estrutura, rede viária,
etc.), a produção cultural e também as ações de proteção e recuperação de áreas
específicas. (SÃO PAULO, 1992).
[7] No Brasil há várias leis estabelecendo
Áreas de Proteção Ambiental (APAs), que são espaços do território brasileiro,
assim definidos e delimitados pelo Poder Público (União, Estado ou Município),
cuja proteção se faz necessária para garantir o bem estar das populações
presentes e futuras e o meio ambiente ecologicamente equilibrado. (SÃO PAULO,
1992).
[8] Unidades de Conservação: “Espaço
territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com
características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público,
com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de
administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção”. (COSTA,
2002, p.27).
[9] O conjunto de Unidades de Conservação
do Brasil constitui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza -
SNUC. (COSTA, 2002, p.27).
[10] Plano de Manejo: documento técnico
mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma unidade de
conservação, se estabelece o seu zoneamento e as normas que devem presidir o
uso da área e o manejo dos recursos naturais, inclusive a implantação das
estruturas físicas necessárias à gestão da unidade. (BRASIL, 2000).
[11] De acordo com Célia Serrano (2000, p.
9), “podemos considerar o Ecoturismo
como uma idéia “guarda-chuva”, pois envolve uma multiplicidade de atividades
como trekking, hiking, escaladas, rapel, espeleologia, mountain biking, cavalgadas, mergulho, rafting, floating, cayaking, vela, vôo
livre, paragliding, balonismo,
estudos do meio, safári fotográfico, observação de fauna e de flora, pesca (catch-release), turismo esotérico e turismo rural, para citar
as mais usuais”.