Wilson
da Costa Bueno | 12/03/2012 11:13
O
jogo continua tenso em Brasília às vésperas da reunião da ANVISA que irá decidir
sobre a exclusão definitiva de aditivos ao cigarro.
A
proposta em discussão representa uma medida acertada, e foi encaminhada há um
ano pela agência com a aprovação de associações, entidades e especialistas, que
não duvidam (é pra duvidar?) da intenção da indústria de utilizar aditivos para
mascarar o gosto ruim do tabaco e, com isso, estimular o vício prejudicando
sobretudo crianças e jovens.
O
lobby das tabaqueiras é poderoso. Como tem sido ao longo do tempo sua atuação no
sentido de ludibriar a sociedade, primeiramente com a negativa recorrente de que
o cigarro não fazia mal à saúde e depois com a tentativa deliberada de negar o
prejuízo do fumo para os fumantes passivos.
A
proibição de aditivos no cigarro representa mais uma etapa na luta contra uma
verdade que, infelizmente para a indústria, é incontestável: o cigarro mata
milhões de pessoas anualmente em todo o mundo e causa bilhões de dólares de
prejuízo aos sistemas de saúde. Esta luta, que promete ser dura mas precisa
continuar, se iniciou há um bom tempo e já percorreu várias frentes.
Primeiramente provou-se (era óbvio, não?) que o cigarro provoca câncer e um
montão de outras doenças fatais. Ele não poupa crianças, jovens ou adultos,
idosos ou mulheres grávidas e tem a capacidade nefasta de prejudicar a saúde dos
nenês contaminados pelo vício indesejável das mamães. O mundo - e o Brasil
também -, acertaram ao proibir a propaganda utilizada irresponsavelmente para
estimular o consumo e que, cinicamente, associava tabaco a prestígio, sucesso
profissional e pessoal e até (incrível!) à saúde, como está documentado na
história da propaganda. Você não se lembra do homem do Marlboro, ícone
emblemático da vilania empresarial?
Este
luta teve sequência com a proibição do fumo em lugares públicos, outra medida
acertada e que, felizmente, já está em vigor em todo o país, seguindo o exemplo
de outras nações que se deram conta, ainda que tardiamente, de que em nome da
qualidade de vida o vício deve ser combatido a todo custo.
O
cigarro é uma droga como muitas outras, degrada a saúde dos seus usuários sem dó
nem piedade e permanece liberado porque na prática governos míopes contemplam
apenas os impostos que ele gera, sem uma correta contabilidade dos prejuízos
incalculáveis que o fumo provoca nas contas públicas e no bolso dos fumantes. Se
as contas fossem feitas corretamente, seria fácil perceber que os impostos
apenas mascaram o montante do prejuízo que o fumo acarreta para o país, apesar
do discurso grandiloquente da contribuição do tabaco para o PIB nacional e para
o volume de exportações.
O
aumento de aditivos no cigarro (você sabia que tem cigarro com gosto de morango
e de chocolate?) tem uma única intenção: aumentar o consumo, favorecer sua
utilização por pessoas (jovens e crianças sobretudo) e, com isso, garantir os
lucros formidáveis de uma indústria poderosa.
A
cadeia do tabaco tem reagido agressivamente à tentativa de entidades como a
ANVISA de mudar suas posturas e de frear os seus lucros e se vale do lobby junto
a autoridades, inclusive com a participação de parlamentares que gravitam em
torno dela. Até aí nada demais porque o lobby, se legítimo (nem sempre é, como
sabemos), faz parte do jogo democrático e, nesse embate, também há, do outro
lado, entidades e parlamentares. E todos nós que sabemos que o fumo mata.
Os
argumentos utilizados pela indústria do tabaco, em manifesto publicado dia 9 de
março de 2012 no jornal O Estado de S.
Paulo, são frágeis e incluem meias verdades.
O
manifesto chega ao acúmulo de citar que “um cientista do FDA (que é agência
reguladora americana) publicou recentemente um estudo cuja principal conclusão é
que o risco de câncer de pulmão associado a cigarros mentolados é 41% menor do
que o de cigarros não mentolados”. Mas não dá o nome do cientista, não menciona
o estudo e, o que é pior, traz um dado meramente parcial e arbitrário daqueles
que se extrai aleatoriamente para tentar reforçar uma posição que,
evidentemente, não se justifica.
O
manifesto insiste na tese de que a proibição dos aditivos reduzirá os impostos
e, portanto a arrecadação. Mas fica a pergunta: se menos cigarros forem vendidos
e as pessoas fumarem menos, certamente os prejuízos para a saúde pública não
serão bastante atenuados? Mas essa conta a indústria não faz e não quer fazer e
é obrigação da ANVISA, do Ministério da Saúde e dos Governos e de todos os
brasileiros atentarem para ela porque, afinal a conta cai sempre no nosso
colo.
Reconhecemos,
no entanto, que as tabaqueiras têm razão quando se referem ao comércio ilegal de
cigarros porque ele não tem sido combatido nem com rigor nem com competência,
ainda que as autoridades saibam como e aonde ele acontece no país. Reconhecemos
ainda que centenas de milhares de pessoas vivem à custa do tabaco no Brasil, mas
duvidamos que o cenário se modificará com a proibição porque, perdida esta
batalha (e esperamos que ela seja perdida), a indústria buscará outras formas de
manter o consumo e os seus lucros. Ela tem se mostrado competente ao longo do
tempo e buscado junto às classes menos favorecidas, sobretudo em países pobres e
emergentes, compensar a perda causada pela redução do consumo por pessoas
esclarecidas e que estão comprometidas com a sua qualidade de vida.
Temos
dúvida (e como temos) se a reunião da ANVISA realmente acontecerá nesta próxima
semana e se a pressão sobre as autoridades não impedirá que esta medida
fundamental seja tomada. Nem temos como aquilatar o que deve estar acontecendo
nos bastidores porque a transparência costuma ser penalizada quando há grandes
interesses em jogo.
A
ANVISA fez tudo corretamente, seguiu todos os trâmites que orientam uma consulta
pública transparente e precisa ter autonomia para decidir o que é, nesse caso,
melhor para o país. O argumento de que a ANVISA recebeu centenas de milhares de
manifestações e abaixo-assinados contra a decisão não convence porque todos
sabemos que a maioria deles chegou na última hora e de que esse movimento não
foi espontâneo, ainda que parecesse ser.
Como
cidadão torço para que a proibição seja tomada, mas não sou ingênuo a ponto de
ignorar o que poderá acontecer nesta semana com o objetivo de favorecer
novamente os grandes interesses empresariais. Não descarto a possibilidade de
que a ANVISA seja impedida (isso já aconteceu outras vezes) de exercer o seu
papel. Sei que em períodos eleitorais candidatos se dirigem aos Estados
produtores para buscar votos junto aos fumicultores. Não desconheço que há,
infelizmente, relações nem sempre transparentes entre o poder político e
econômico e elas não estão restritas ao tabaco, mas se estendem para outros
setores, como o da biotecnologia, da agroquímica, de bebidas e para a Big
Pharma.
Espero
que possa, como cidadão, continuar expressando livremente a minha opinião sobre
esse e outros temas e não ignoro que setores poderosos costumam constranger os
adversários, buscando sufocar-lhes a fala e o texto. Agradeço o envio de
material a mim endereçado por representantes da cadeia do tabaco, com o objetivo
de fazer com que eu reexamine a minha opinião, frontalmente contrária ao fumo.
Mas reitero a minha disposição de cerrar fileiras contra a tentativa de
estimular o consumo do cigarro porque ele atenta contra a saúde de todos nós. O
cigarro é uma droga, mata e deve merecer tratamento correspondente a esta sua
condição.
O
resto é lobby, fumaça e um montão de aditivos. Meu apoio incondicional à
ANVISA.
Em
tempo 1: meu respeito às centenas de milhares de famílias que são reféns do
tabaco e que dependem dele para sobreviver. Sobretudo, minha solidariedade aos
que padecem nas culturas do tabaco vitimados pelos agrotóxicos e pela doença da
folha verde (há pesquisas da Fiocruz sobre ela e isso sim é ciência).
Em
tempo 2: meu respeito aos fumantes que, dependentes do vício, precisam do nosso
apoio. O Governo deve prover cada vez mais condições para que eles possam ser
tratados adequadamente e que, quando possível (nem sempre é e a própria
indústria sabe disso!), deixem este vício que poderá custar-lhes a vida.
Em
tempo 3: Devemos aumentar vigorosamente o preço do cigarro – por aqui ele tem um
preço barato demais – e sobretudo combater implacavelmente o contrabando porque
ele, como o cigarro legal, fazem mal para a saúde e a cidadania.