Afinal a biodiversidade sobe ao primeiro plano
03 de fevereiro de 2012 | 3h 07
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,afinal-a-biodiversidade-sobe-ao-primeiro-plano-,830801,0.htm
Washington Novaes, jornalista. E-mail:
wlrnovaes@uol.com.br - O Estado de S.Paulo
É muito importante e bem-vinda para o Brasil a notícia de que o professor
Bráulio de Souza Dias, secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do
Meio Ambiente, está ascendendo ao cargo de secretário executivo da Convenção
sobre Diversidade Biológica, a convite do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.
Competente e experimentado na área - onde atua há muito tempo -, Bráulio
concorreu com outros 66 indicados para o cargo. Sua principal tarefa -
dificílima - será levar à prática o protocolo assinado em Nagoya em 2010 que
pede a ampliação, para 17% da superfície planetária, das áreas de conservação da
biodiversidade em terra e para 10% das de ecossistemas marinhos e costeiros,
incluídos os mangues. O protocolo, ao qual já aderiram 70 países, precisa ser
ratificado por pelo menos 50 - mas somente seis já o fizeram.
Entre as metas para o período que vai até 2020 está a de chegar a um acordo
entre países - e em cada um deles, entre empresas, cientistas e povos
tradicionais que detêm o conhecimento - sobre repartição de benefícios em
produtos derivados da biodiversidade. E também tornar prioritário o tema da
biodiversidade, que o próprio secretário executivo reconhece que ainda não é
relevante para as sociedades, principalmente em meio a uma crise econômica
(Valor, 23/1). Talvez por isso mesmo, especialistas calculam entre US$ 2 bilhões
e US$ 4 bilhões as perdas anuais nessa área. A perda líquida de florestas no
mundo, por exemplo, chegou à média de 145 mil quilômetros quadrados anuais entre
1990 e 2005 (30/11, 2011), segundo a Organização das Nações Unidas para
Agricultura e Alimentação (FAO). Ainda assim, no último ano as florestas
correspondiam a 30% da superfície terrestre.
Mas, diz ainda a FAO, em 25% da superfície do planeta a desertificação é
total, por causa de erosão do solo, degradação da água e perda da
biodiversidade; em 8% a degradação é moderada; em 36%, "leve". Como, nesse
quadro, conseguir aumentar a produção de alimentos em 70% até 2050, para atender
pelo menos mais 2 bilhões de pessoas e eliminar a fome de pelo menos 1 bilhão -
sem falar que o investimento necessário para isso terá de ser de US$ 100 bilhões
anuais? Nesse quadro, lembra o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
(Pnuma) que já estamos consumindo recursos naturais 30% além da capacidade de
reposição do planeta.
É uma riqueza enorme desperdiçada. Edward Wilson, um dos maiores
especialistas na área, lembra que, embora saibamos muito pouco, já estão
identificadas 280 mil espécies de plantas (que podem chegar a 320 mil), 16 mil
de nematoides (que podem ser 15 milhões), 900 mil de insetos (talvez 5 milhões).
Podemos ter de 5 milhões a 10 milhões de espécies. Em uma tonelada de terra
fértil podem estar 4 mil de bactérias. O comércio mundial de produtos naturais
já está perto de US$ 4 trilhões anuais (talvez um quarto do comércio total), o
de medicamentos derivados de plantas, em US$ 250 bilhões/ano. Robert Costanza e
outros economistas da Universidade da Califórnia calcularam em US$ 180 trilhões
anuais (o triplo do PIB mundial) o valor dos serviços que a natureza presta
gratuitamente - fertilidade do solo, regulação do fluxo hídrico, regulação do
clima -, se estes tivessem de ser substituídos por ações humanas.
Por aqui mesmo a questão é grave, com a perda de florestas na Amazônia ainda
acima de 7 mil quilômetros quadrados anuais, o Cerrado já sem vegetação em 50%
da área (85 mil km2 perdidos em sete anos) - no país que tem entre 15% e 20% da
biodiversidade planetária. Uma esperança está no fato de que o governo federal
recolhe em consulta pública sugestões da sociedade (academia, governos,
populações tradicionais, segmentos sociais) para um plano estratégico destinado
a implementar até 2020 as recomendações da convenção. E também estuda como
avançar na complicada questão da repartição dos frutos da exploração da
biodiversidade. Pensa-se até em criar uma taxa de 3% sobre o faturamento público
- as empresas não concordam (O Globo, 22/1).
É preciso correr. Como lembra Bráulio, a cada ano estamos descrevendo em
média mil espécies novas no Brasil, que se somam às 41.121 espécies vegetais já
conhecidas, 9.100 marinhas, 2.600 de peixes, dezenas de milhares de animais:
"Estamos sentados em um baú de ouro e não sabemos o que fazer com ele" (Estado,
2/9/2010). Mas em Nagoya se calculou que serão necessários US$ 300 bilhões
anuais (cem vezes mais do que hoje) em financiamentos dos países
industrializados aos demais para cuidarem da biodiversidade. Porque em cem anos
75% da biodiversidade de plantas alimentares já se perdeu - 22% das espécies de
batata, feijão, arroz ainda podem ser perdidas. Robert Zoellick, presidente do
Banco Mundial, chega a propor que o capital natural seja incluído nos cálculos
do produto interno bruto (PIB) de cada país.
A posição brasileira será única se isso acontecer. Como já tem sido lembrado
aqui, além da maior biodiversidade, temos 13% da água superficial do mundo,
território continental, possibilidade de matriz energética "limpa" e renovável.
O Brasil pode ser uma "potência ambiental", diz Carlos Nobre, secretário de
Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento no Ministério da Ciência e
Tecnologia - chamando a atenção para as questões graves na Amazônia e no
Cerrado. Às quais é preciso acrescentar as que sobrevirão se o novo Código
Florestal aceitar muitas das propostas que estão na mesa; se o governo não
prestar atenção à proposta do professor Aziz Ab'Saber de criar, em lugar dele,
um Código da Biodiversidade específico para cada bioma, cada região; se
continuar esquecida a proposta da Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência (SBPC) de desmatamento zero na Amazônia e forte investimento, ali, na
formação de cientistas para trabalharem com a biodiversidade.
Caminhos há, certamente. E a ascensão de um brasileiro à secretaria executiva
da Convenção sobre Diversidade Biológica pode dar forte impulso a eles.