quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Arquitetura social ou sustentável numa cidade compacta?


A nova cara da habitação popular

26 de fevereiro de 2012 | 3h 03


RODRIGO BRANCATELLI, RODRIGO BURGARELLI - O Estado de S.Paulo
Apartamentos de um, dois e três dormitórios, em uma das áreas mais valorizadas de São Paulo. Ampla varanda, vista privilegiada, espaços já prontos para home offices, paredes removíveis para aumentar os ambientes, preocupação com iluminação natural em todas as unidades, estacionamento para bicicletas e jardins abertos na cobertura. Tudo isso em prédios exclusivos, únicos, assinados pelos arquitetos mais disputados da capital.
Poderia muito bem ser um anúncio de uma imobiliária, um texto publicitário em um daqueles folhetos entregues no semáforo, nos quais o céu é sempre espetacularmente azul. A descrição, no entanto, é a nova maneira de a Secretaria Municipal de Habitação (Sehab) enxergar as unidades habitacionais construídas para população de baixa renda.
Para tentar fugir da estigmatização que sempre acompanhou a moradia social - dos Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs) às Cohabs, Cingapuras e CDHUs -, a Prefeitura agora está investindo em edifícios pequenos, em áreas nobres, com boa parte dos diferenciais que as construtoras oferecem no mercado de alto padrão de São Paulo.
Na região da Avenida Jornalista Roberto Marinho, na zona sul, onde o metro quadrado já passa dos R$ 9 mil, a Sehab vai começar a construir em até dois meses prédios para moradia social em 35 áreas diferentes - cada edifício foi desenhado com um projeto específico para cada lote, por um pool de grifes da arquitetura que incluiu os escritórios Grupo SP, Una Arquitetos, Marcelo Suzuki, Marcos Boldarini, Ciro Pirondi, Tibiriçá Arquitetos e Paulo Brazil.
Serão 4.300 apartamentos, mas, ao contrário dos velhos e criticados "conjuntões" habitacionais perdidos na periferia, os novos prédios serão erguidos até o fim do ano em áreas menores, alguns com apenas 25 unidades, e os maiores com no máximo 200 apartamentos. Essa nova tendência marca uma ruptura com o modelo tradicional de habitação popular em São Paulo, cidade com 1,1 milhão de pessoas vivendo em unidades de moradia social.
"A moradia popular está sendo pensada para abrigar as famílias desapropriadas para a construção de um túnel e de um parque linear, como parte da Operação Urbana Águas Espraiadas", diz Maria Teresa Diniz, coordenadora de Projetos da Sehab. "Não vamos mandar essas pessoas para a periferia, vamos reintegrá-las na mesma área, o que é ideal para manter os vínculos sociais."
São Paulo já tentou um sem-número de modelos para lidar com o assombroso déficit habitacional da capital - do primeiro grupo de edifícios projetado em 1942 para dar teto a operários da região do Glicério até o período das Cohabs. "Os grandes conjuntos viram guetos, é justamente o que não se deve fazer", diz a arquiteta Cristiane Muniz, sócia do Una Arquitetos, escritório que participou da elaboração dos novos projetos da Avenida Jornalista Roberto Marinho. "Quando você faz um prédio menor, a inserção urbana é muito melhor, porque ele não fica estigmatizado."
Para fugir do estereótipo dos prédios para baixa renda, os novos projetos da região da Roberto Marinho são abertos, com uso misto e área para lojas no térreo. Todos também são vizinhos a empreendimentos de alto padrão, onde as unidades chegam a custar R$ 1,5 milhão. Além disso, os projetos pegaram emprestado vários conceitos que se tornaram corriqueiros nos lançamentos imobiliários, como estacionamento para bicicletas e até mesmo paredes removíveis para o proprietário que quiser ampliar sua sala de estar ou seu quarto.
"Cada um vai ter sua particularidade, um vai ter varanda, o outro jardim aberto, o outro vai ter telecentro", diz Maria Teresa Diniz. "É uma nova forma de pensar a habitação popular, algo que respeita a cidade e as famílias."
Projetos para zona sul rompem com velhos modelos de 'conjuntões' e oferecem diferenciais antes reservados só ao público de alto padrão