Cidade na Ilha de Marajó utiliza bicicleta como único meio de transporte
Do alto da Cordilheira dos Andes, a equipe do Globo Repórter começa uma longa descida até as planícies amazônicas. Segue o riacho Carhuasanta até o Rio Apurimac, primeiro nome dado ao Rio Amazonas, que corre sobre um leito pedregoso.
Afuá, conhecida como Veneza de Marajó, no Pará, é uma cidade, no meio da floresta, onde vivem 32 mil moradores e o principal alimento é o açaí. Como não há carros no local, até as ambulâncias são movidas a pedaladas
A altitude faz com que poucos animais consigam sobreviver na região. Resistentes, os flamingos buscam alimento nas lagoas salgadas a mais de 4 mil metros do nível do mar. São pequenos moluscos e crustáceos que eles apanham cuidadosamente com o bico.
Mais abaixo, a viagem continua ao longo das margens do Apurimac. Um rio de corredeiras, de águas geladas e cristalinas. Ali, a equipe encontra um pescador. Ele joga a tarrafa, mas sem muita sorte. E, depois, tira do bolso o único peixe que conseguiu pescar. Uma pequena truta. Mas, nas nascentes, nem sempre o dia está para peixe.
Na foz, muita fartura. Esforço que recompensa o trabalho dos pescadores. “Tem muito peixe o Rio Amazonas. Quando a gente olha para ele, sente muita alegria”, diz o pescador Josué dos Santos.
Mas a pesca, na região, também é uma ameaça ao grande rio. Pelo menos, 700 embarcações costumam frequentar o pesqueiro. Mas só cerca de 50 estão autorizadas a pescar. Juntas, elas levam de lá, em uma viagem, uma média de duas mil toneladas de peixe. Calcula-se que isso represente apenas 20% da produção clandestina. Mas até quando a natureza vai conseguir repor esse estoque?
Os pescadores notaram, nos últimos anos, que as piramutabas estão cada vez menores. E a fartura já não é mais a mesma. Alguns pescadores não tem licença para pescar. “Eu particularmente, não. A maioria não tem, mas eu pesco assim mesmo”, diz o pescador Cleber Lacerda.
“Temos que acabar com o faz de conta. Um faz de conta que fiscaliza o outro faz de conta que realmente respeita os órgãos ambientais, mas o recurso estão sendo explorados e estão sendo, realmente, prejudicados. Eu acho que isso é que tem que acabar”, comenta o engenheiro de pesca Mutso Asano Filho.
No alto da Cordilheira, o respeito à natureza sempre acompanhou as antigas civilizações. Na margem direita do Apurimac, relíquias históricas de uma cidade inca. São os primeiros vestígios que ligam essa antiga civilização andina ao rio, que no Brasil vai ter o nome de Amazonas.
Os antigos habitantes da Cordilheira vinham até o lugar e pediam fertilidade para os animais e para as lavouras. O administrador local do patrimônio histórico peruano conta que a cidade abandonada tem mais de cinco mil anos. “ Cinco mil anos”, confirma o guia Marco Antonio Ibarra.
Nas construções de pedra eram feitas oferendas aos deuses. Um lugar de orações às margens do Apurimac.Logo, abaixo, começam a surgir formações rochosas que a água do rio e da chuva esculpiu durante milhares de anos.
Três Cânions é um dos lugares mais bonitos da Cordilheira dos Andes. Três rios chegam até ali protegidos pelos paredões de pedras esculpidas, que parecem obras de arte da natureza.
No encontro dos rios, o que chama a atenção são as pedras. São várias formas, como um bosque rochoso. “Nossa cultura chega ao Brasil e ao Atlântico através de um rio. Estamos unidos”, relata Elisban Apasa. Unidos e separados por tanta água.
A equipe viaja para Afuá, uma pequena cidade isolada na Ilha de Marajó, no estado do Pará. Uma cidade sem carros, no meio da floresta, e onde o alimento principal é o açaí. “Se não tiver na janta, no almoço não comi”, declara o vendedor de açaí Domingos de Almeida. Às margens do Rio Amazonas, vivem 32 mil moradores num lugar que ficou conhecido também como Veneza de Marajó.
Lá, tudo é erguido sobre palafitas para escapar das marés, menos o cemitério, que já rendeu muitas histórias. Diz o povo da cidade que, em Afuá, todo mundo ali morre duas vezes. “Morte morrida e depois de enterrado, morre afogado”, diz um morador. Fora o cemitério, todo o resto está sobre as palafitas. É por elas circulam 12 mil bicicletas, o único meio de transporte na cidade.
E quem não tem bicicleta e anda a pé pelas ruas de Afuá, tem que ter muito cuidado. Uma atenção parecida com a de que atravessa as ruas movimentadas das grandes cidades. Qualquer vacilo, a pessoa pode precisar de um veículo: o socorro da ambulância.
O triciclo atende muitas vítimas de atropelamentos. Mas os maiores problemas de saúde da população, quem diria, têm a ver com a qualidade da água que é consumida. “São as diarreias, as parasitoses, as desidratações”, conta o médico Paulo Fraga.
O lugar que poderia ser o sonho de muita gente sofre por não conseguir conviver bem com o rio. “É um pontinho no mapa. Para algumas pessoas pode ser insignificante ,mas, para nós, é o nosso mundo”, conta a professora Lucilena Coelho.