sexta-feira, 5 de março de 2010

Parques sustentáveis

Parques sustentáveis



Até o início da década de setenta, na cidade de São Paulo os parques se integravam à paisagem urbana como uma extensão da própria via pública.

Não havia barreiras ou fronteiras que delimitassem o perímetro dos parques, era muito comum a presença de carros dentro dos parques em passeios ou até mesmo em rotas de caminhos alternativos, trenzinhos estilizados faziam a alegria da garotada nos fins de semana.

A ocupação dos parques por automóveis também se dava em importantes eventos da cidade como: Feira da bondade, Feira do Verde do Ibirapuera, parque que abrigou por um bom tempo, até uma casa noturna de shows de samba do sambista Sargentelli.

Nas tardes de sábado, junto à marquise, havia uma concentração de motociclistas, bugueiros que promoviam pegas e shows de pilotagem assistidos por centenas de jovens que faziam dali seu ponto de encontro.

A partir da metade da década de setenta, tendo como principal justificativa, o aumento da criminalidade e o mau uso destes espaços públicos, principalmente durante o período noturno, os parques da cidade passaram a ser isolados através de grades, acesso controlado e mais tarde a instituição de horários de funcionamento.

Com este preâmbulo fica fácil entender a implantação arquitetônica da maioria dos parques da cidade. Neste contexto, era necessário que os projetos dos parques contemplassem com muita ênfase, o acesso de automóveis em seu interior, daí, o motivo dos seus usuários, hoje, caminharem sobre vias largas, asfaltadas, delimitadas por guias e sarjetas de concreto, iluminadas por postes de mais de oito metros de altura.



Sempre que tenho oportunidade de me pronunciar sobre o perfil que se deve adotar na implantação e readequação dos nossos parques, defendo que o parque deva ser apresentado como equipamento diferenciado, com características próprias e distintas dos outros espaços públicos.

Como seus caminhos e alamedas internas são destinadas à movimentação de pessoas a pé, não existe mais a necessidade de guias e calçadas em desnível, a via toda pode ser um grande passeio, como não andamos sobre rodas, suas curvas também não necessitam de grandes raios de giração.

Sobre os materiais empregados devemos priorizar aqueles que em seus ciclos de vida causam o menor impacto ambiental, como a madeira.

Com o aproveitamento da madeira proveniente de corte e poda das árvores dos próprios parques e vias públicas, de forma a não contribuir para a sua deposição em aterros, é possível suprir demandas de produtos como: postes, piquetes, orlas para caminhos, bolachas para pisos, peças para cercamentos, alambrados, arrimos, degraus e espelhos de pequenas escadas e acessos, guarda-corpos, caramanchões, madeira picada para pisos de trilhas, placas para comunicação visual, lixeiras, tutores e protetores para árvores, bancos, mesas para pic-nic, jogos, cavaletes, brinquedos para playground e equipamentos esportivos.

A madeira de origem legal e não predatória é alternativa ecológica à materiais como: metais, plásticos, compostos de cimento e outros que em sua produção utilizam como fonte de energia, a própria madeira e em seus ciclos de vida, acarretam incomparáveis impactos ambientais.

Longe de representar um retrocesso à construções de baixa qualidade, ao contrário, a idéia é promover o uso da madeira de forma engenheirada e moderna.

Para os pisos de passeios, ciclovias e outros, a pavimentação destes deve ser exemplar, contemplando em sua formulação, o agregado reciclado da construção civil, material já normatizado pela ABNT. Estima-se que somente na região metropolitana são geradas 15mil toneladas /dia de entulho provenientes de obras de construção e reforma.

Em seu cotidiano, o paulistano já convive em demasia com aço, concreto e subprodutos de petróleo. O parque pode se contrapor ao ambiente construído da cidade e servir de modelo para implantação de políticas públicas para:

- Uso racional de água: aproveitamento de águas subterrâneas - a água de chuva que cai sobre a área do parque deve ser infiltrada no solo ou aproveitada para usos não potáveis, da mesma forma os efluentes líquidos de todo o esgoto gerado após ser biodigerido em mini estações de tratamento. Assim se promove a recarga de aquíferos, evita-se a saturação das redes públicas de águas pluviais e esgotos da cidade, minimiza-se o consumo de água tratada e, principalmente, se reduz o potencial de enchentes em regiões mais baixas;

- Eficiência energética: a energia elétrica num parque é essencialmente consumida em sua iluminação - as luminárias instaladas em alturas inferiores a 4 metros têm maior rendimento e não prejudicam a ambientação da fauna;

Lâmpadas econômicas alimentadas por um sistema de coletores solares, posicionados acima das copas das árvores dispensam quilômetros de redes de cabos elétricos.

- Arborização: plantio de arvores em vias públicas e implantação de calçadas verdes no entorno do parque, plantio em ruas adjacentes, promovendo a ligação entre áreas verdes próximas como: parques, reservas, unidades de conservação, praças, etc... que no futuro viessem a se consolidar numa teia de linhas verdes dentro da paisagem urbana;

Emprego de técnicas de permacultura, com manejo de resíduos vegetais em leiras, plantio de espécies frutíferas nativas da região, resgate de consumo de frutas não comercializadas: pitanga, abricó, jenipapo, jambo e outras menos conhecidas pela maioria da população;

- Alimentação saudável: critérios de sustentabilidade e alimentação saudável para a concessão de pontos de vendas de alimentos e bebidas no interior dos parques;

- Incentivo ao Transporte Coletivo: instalação de portões de acesso aos parques o mais próximo de estações de embarque, pontos de parada, corredores de ônibus e outros modais;

- Incentivo ao uso bicicletas: instalação de bicicletários para guarda e locação de bicicletas;

- Separação de resíduos: disposição de resíduos por parte do usuário em lixeiras específicas;

- Incentivo à prática de caminhadas: implantação de “calçadões” no perímetro externo dos parques promovendo uma maior integração do parque com seu entorno.



Por fim, num momento em que se questiona sobre a ocorrência de fenômenos naturais e mudanças climáticas como consequências da atividade humana no planeta, numa cidade como São Paulo os parques, alem do lazer e integração das pessoas com a natureza, podem desempenhar a importante função de modelo para a indução de boas práticas e um modo de vida mais sustentável no ambiente urbano.



Eduardo Coelho e Mello Aulicino




Eduardo Coelho e Mello Aulicino é engenheiro civil, funcionário da Universidade Aberta de Meio Ambiente e Cultura de Paz da Secretaria do Meio Ambiente do Município de São Paulo, atua na área de Ecoeconomia com ações em: Compras Públicas Sustentáveis, Energias Renováveis e Construção Sustentável.