29/10/2013 - 03h30
'Royal não maltrata bichos', afirma ambientalista que resgata cachorros
RAFAEL GARCIA
DE SÃO PAULO
DE SÃO PAULO
Há mais de seis anos, a ambientalista Deise Mara do Nascimento, 50, representa a sociedade civil na comissão de ética do Instituto Royal.
Dona de dez cachorros e dois gatos, ela coordena uma organização de proteção ambiental e animal na região de Campinas. Seu parecer: "Não existe dentro do Instituto Royal o uso indiscriminado de cobaias".
Criadora do Instituto Árvore da Vida, ONG de proteção à fauna e flora silvestres no entorno de Campinas, Deise começou a trabalhar com assistência a animais domésticos alguns anos após ter fundar a entidade em 2005. A organização é baseada no município de Barão Geraldo, que possui grande população de bichos de estimação.
"Aqui tem mais cachorro do que gente", diz. "Tem morador que mantém 20 ou 30 na mesma casa."
O dinheiro da ONG, que antes era todo voltado a programas de proteção de nascentes e de matas ciliares, passou a ser usado também para resgate de animais em situação de risco.
"A gente se sensibilizou com os casos de enchentes e deslizamentos em que as pessoas eram socorridas, mas os animais eram deixados para trás", conta. Sua meta é construir um abrigo de animais, mas ainda não há dinheiro.
Gabo Morales/Folhapress | ||
A ambientalista Deise Mara do Nascimento, 50, com alguns de seus dez cães; ela diz que instituto não maltrata aniamais |
ÉTICA EM PESQUISA
Após dois anos de existência, o Árvore da Vida incluiu uma missão a mais em seu estatuto: "Acompanhamento e monitoração de atividades científicas e de estudo, pesquisa e testes com seres vivos, com objetivo de manutenção da ética e respeito pela vida".
Desde então, Deise é voluntaria nas comissões de ética da Uninove e do Instituto Royal --sem salário.
Aprovada para a posição, ela passou a ter acesso a detalhes de todos os projetos de pesquisa da entidade, incluindo a composição dos medicamentos em teste, que não são divulgados ao público geral por questão de sigilo de patente.
Mensalmente, ela se reúne com outros integrantes da comissão para avaliar propostas de pesquisa no Royal. Diz que entrou nos laboratórios e biotérios ("ambientes limpos e com conforto") sempre que quis e nunca viu evidência que sugerisse maus tratos.
"Temos acesso às substâncias que estão sendo pesquisadas, ao número de cobaias que estão sendo usadas, a detalhes do procedimento e ao método de análise dos resultados", afirma. "Uma discussão que sempre ocorre lá é a de como reduzir ao mínimo o número de animais testados."
Ela diz não ver incoerência em gostar de bichos e ao mesmo tempo defender o uso de animais em pesquisas para desenvolver drogas, pois é preciso considerar que há vidas humanas em jogo. "Faço todas as perguntas que eu quero lá, porque não sou cientista e preciso entender quais substâncias vão ser testadas", conta. "Sempre recebi explicações coerentes."
Deise afirma que o problema por trás da invasão do instituto é de desinformação. "Existe um mau entendimento por parte das ONGs voltadas exclusivamente à proteção animal sobre o que são as pesquisas", afirma. "Tem gente que simplesmente não quer receber informação."
28/10/2013 - 12h39
Maioria reprova cães como cobaia, mas apoia ratos, diz Datafolha
Apesar de 66% dos paulistanos apoiarem a utilização de ratos como cobaias, apenas 29% são favoráveis ao uso de cães em pesquisas científicas para o desenvolvimento de medicamentos e tratamentos para seres humanos. Esse foi o resultado de pesquisa do Datafolha conduzida na última sexta-feira (25).
A opinião dos entrevistados foi dada uma semana após a invasão do instituto Royal, um centro de estudos farmacológicos em São Roque, do qual ativistas retiraram 178 cães da raça beagle.
O levantamento também perguntou aos entrevistados se eles acreditam que a ação foi correta. Uma parcela de 56% afirmou que os ativistas agiram bem ao entrar na instituição para retirar os cães, enquanto 33% reprovaram a invasão (os outros 11% se declararam indiferentes ou não souberam opinar).
Editoria de Arte/Folhapress |
A pesquisa revelou uma escala de preferência na aceitação de cobaias que reflete, em parte, o quão comuns os animais são adotados como bichos de estimação no Brasil.
Enquanto o emprego de cães em pesquisas foi reprovado por 66% dos entrevistados, 59% reprovaram o uso de macacos, 57% rejeitam o uso de coelhos, e apenas 29% condenaram o uso de ratos.
O ANSEIO E A LEI
A aceitação do uso de roedores vai ao encontro da maior demanda de animais de laboratório para testes de pré-clínicos (antes de drogas poderem ser administrados a humanos pela primeira vez). O guia da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para estudos sobre segurança de medicamentos exige o uso de ratos ou camundongos em praticamente todos os testes.
O uso de cães é especificamente indicado apenas em um número pequeno de testes, mas é obrigatório em alguns casos, como os de toxicidade para o coração e para o sistema nervoso. Muitos testes de segurança exigem que o procedimento seja feito em duas espécies de mamíferos, sendo que uma delas não pode ser um roedor.
Sem os resultados positivos na fase animal, nenhum estudo farmacológico ganha permissão para progredir para testes em seres humanos.
Estudos de eficácia de drogas e de biologia básica (para compreender um determinado mecanismo biológico) não têm uma padronização tão rígida. Todos, porém, também precisam passar por comitês de ética das suas instituições de pesquisa e por avaliação no Concea (Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal).
Ativistas resgatam cães em São Roque (SP)
Sala é encontrada com objetos revirados no Instituto Royal, em São Roque (SP) Leia mais
Ciência ainda depende dos testes em animais
Em todo o mundo se buscam alternativas, mas ainda não é possível fazer o desenvolvimento de uma nova droga sem usar bichos
27 de outubro de 2013 | 2h 04
Giovana Girardi - O Estado de S.Paulo
No final da década de 1950, quando bebês começaram a nascer com malformações congênitas após as mães terem tomado talidomida para combater enjoos matinais, médicos e pesquisadores ficaram em choque. Como isso podia estar acontecendo se em camundongos o sedativo tinha se mostrado seguro? Tão seguro, pensavam, que poderia ser usado até por gestantes.
O caso poderia ser hoje uma excelente justificativa para grupos de direitos dos animais – que pregam que testes em cobaias são inúteis porque as reações das drogas no organismos delas são muito diferentes do que no nosso – não fosse um detalhe. Essa falha acabou se tornando um dos marcos para que os estudos com animais se tornassem ainda mais rigorosos.
Diante do cenário de tragédia, com mais de 10 mil casos em cinco anos os cientistas voltaram aos testes com animais, dessa vez com coelhos e macacos, e viram que neles também havia malformação fetal, apesar de isso não ocorrer em roedores.
A conclusão foi simples: o problema teria sido evitado com o teste em mais de uma espécie. Daí que surgiu o protocolo internacional, seguido por atualmente agências reguladoras de Estados Unidos, Europa e do Brasil, de que antes de uma nova droga chegar a humanos, é preciso fazer testes de segurança em pelo menos duas espécies, sendo uma de não roedores.
Essa história foi lembrada por alguns pesquisadores na semana passada por conta da invasão ao Instituto Royal e do subsequente bombardeio que as pesquisas com uso de animais sofreram – que levaram também a uma manifestação em peso da comunidade científica.
Necessidade. Paixões e defesas de classe à parte, a mensagem que todas as entidades passaram é: em todo mundo se buscam alternativas para substituir o uso de animais e alguns métodos já eliminaram sua necessidade em algumas etapas, mas ainda não há o desenvolvimento completo de uma nova droga sem testá-la em bichos.
E isso em todo o mundo. Mesmo a Europa, que é mais rigorosa nos cuidados com os animais e já proibiu seu uso em testes de cosméticos, utiliza por ano cerca de 12 milhões de animais em estudos farmacológicos, segundo o último relatório de estatísticas da União Europeia. Apenas chimpanzés são proibidos. Os EUA também estão encerrando estudos com esses grandes primatas.
Por outro lado, assim como evoluíram as pesquisas de fármacos, também se desenvolveu toda uma linha de estudos para melhorar os cuidados com os animais de laboratório, centrada principalmente em três pontos: buscar alternativas, reduzir o número de animais usados e aprimorar os métodos a fim de reduzir a dor e o sofrimento.
Foram essas diretrizes que, no Brasil, balizaram a criação da Lei Arouca, que regulamenta o uso de animais em pesquisa e entrou em vigor em julho de 2009. Ela criou, por exemplo, o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea), que credencia instituições que fazem estudos com cobaias e é responsável por zelar pelo bom tratamento delas.
Segundo Marcelo Morales, que coordena o Concea, desde sua criação várias denúncias de maus-tratos foram apuradas.
“Chegamos a suspender as pesquisas em uma universidade inteira, que depois se regularizou.”
Entrave. De acordo com especialistas ouvidos pelo Estado, o maior entrave para eliminar o uso de animais é não se conseguir ainda simular por outros meios, com precisão, o complexo funcionamento do organismo. “É bem verdade que podemos minimizar o uso dos animais, mas eliminá-lo ainda não dá, porque não temos como ainda avaliar impactos do uso de longo prazo ou reprodutivos”, afirma Eliezer Barreiro, coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Fármacos e Medicamentos, do qual o Instituto Royal faz parte.
Alternativas em algumas etapas já conseguem reduzir o número de cobaias. Na Fiocruz, por exemplo, pesquisadores do grupo de estudos de Métodos Alternativos aos Ensaios Toxicológicos, ligado ao Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde, buscam saídas para testes de irritação ocular de colírios e pomadas oftalmológicas.
No processo-padrão, os primeiros testes seriam em coelhos. Cientistas descobriram que, usando córneas de bois abatidos, é possível saber se o produto promove irritação severa ou corrosiva. “Se der positivo, descartamos o produto e os coelhos são poupados. Se der negativo, os estudos seguem e testamos em animal”, diz o biólogo Octávio Presgrave.
Segundo o pesquisador, pela experiência do grupo, corroborada por dados da literatura médica, o uso de métodos alternativos pode levar a redução de 70% dos custo da pesquisa.
Células-tronco. Além de poupar os bichos, outras técnicas se mostraram até mais eficientes, como o modelo desenvolvido pelo biólogo brasileiro Alysson Muotri, da Universidade da Califórnia, em São Diego. Ele estuda autismo e diz que, apesar dos vários anos de estudos feitos por vários grupos em roedores, ainda não se chegou a um bom medicamento. A principal dificuldade é que não dá para realmente recriar o autismo nos animais.
Ele então teve a ideia de aproveitar células-tronco dos próprios pacientes para transformá-las em neurônios e testar drogas candidatas diretamente neles. “Nos pacientes, os neurônios fazem um número menor de sinapses do que em pessoas normais. Os neurônios que desenvolvemos mostraram o mesmo problema”, explica. Com essa mudança, disse, está sendo possível evitar o uso de milhares de cobaias por ano.
Parte das drogas que o pesquisador está testando para autismo está no mercado para outras doenças. Como elas já passaram por testes de segurança, Muotri espera que se elas se mostrarem efetivas nos neurônios criados, talvez seja possível mudar no futuro os protocolos. “Passaríamos direto para os testes em humanos.”
Este modelo pioneiro já foi adotado para outras doenças, como arritmias cardíacas. As células do coração desenvolvidas a partir das células-tronco agem como o próprio órgão, inclusive mostrando batimento cardíaco. Nesse caso, inclusive, elas apresentam a mesma arritmia. “É realmente uma cópia do que ocorre no indivíduo. Dá para checar direito nela diferentes remédios e ver como ela reage a cada um. É o futuro da medicina”, diz.