sexta-feira, 3 de maio de 2013

Pesquisador pedala 4.000 km do interior de SP ao Ushuaia


02/05/2013 - 03h30

Pesquisador pedala 4.000 km do interior de SP ao Ushuaia


DEPOIMENTO A
GABRIEL TOUEG
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM SÃO PAULO

O pesquisador paulista Raphael Fortes Marcomini, 32, realizou um sonho que tinha desde que era pequeno: pedalou 4.000 km, de São Carlos ( a 232 km de São Paulo), até Ushuaia, no extremo sul da Argentina. Em quatro meses, ele passou por 60 cidades, cruzou cinco Estados brasileiros e passou por Uruguai, Chile e Argentina.
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Após anos sonhando e lendo relatos de viagens, vi que teria finalmente a chance de viver a minha aventura.
O primeiro passo foi levar a bicicleta para uma revisão geral. Em cicloturismo, não basta o ciclista estar preparado. A bicicleta seria minha casa durante quase todo o período e deveria ter uma mecânica robusta para não falhar no caminho.
Arquivo Pessoal
Raphael com a bicicleta reclinada, que foi sua 'casa' durante a viagem
Raphael com a bicicleta reclinada, que foi sua 'casa' durante a viagem
Como sempre há imprevistos, coloquei na bagagem ferramentas para reparos simples, como câmara de ar, cola para remendos, chave inglesa universal, canivete etc.
Além desses apetrechos, levei um saco de dormir, para ser usado em casos de emergência, porque pretendia sempre dormir em albergues.
Juntei à bagagem minha flauta -não queria ficar tanto tempo sem estudar música. Além disso, seria de grande valor se eu precisasse de dinheiro, pois poderia tocar nas praças para tentar ganhar alguma coisa.
No fim das contas, nas poucas vezes em que toquei para alguém, devo ter arrecadado em torno de R$ 120 e um chocolate quente.
No espaço que sobrou na mochila, levei poucas roupas -uma bermuda, uma calça, duas camisetas, três pares de meia, três cuecas, duas bermudas e duas camisetas para pedalar e uma toalha- objetos de higiene pessoal, meu tablet, uma câmera fotográfica digital e um guia de estradas atualizado.
O plano era simples. Comecei pedalando entre São Carlos (SP) e São João da Boa Vista (SP), um trecho que eu já conhecia bem.
Carolina Daffara/Editoria de Arte/Folhapress
Depois, seguiria pelo Caminho da Fé para aproveitar a estrutura de pousadas -e porque queria conhecer Minas Gerais. Na região de Pouso Alegre (MG), mudaria para a Estrada Real e, de lá, para o mundo.
Mesmo não conhecendo as condições de pedalagem nesses trechos, sabia que são turísticos e que provavelmente teriam boa estrutura para cicloturistas -e condições favoráveis para alguém inexperiente, como era meu caso.
Os primeiros dias foram marcantes. Saí de São Carlos sob chuva. No segundo dia, tentando seguir por trechos de terra, me perdi. Um trajeto de 20 km acabou se tornando um trecho de 50 km sob chuva intensa. O pneu furou duas vezes e meu porta-bagagem rompeu.
A partir daí, decidi que só escolheria estradas de terra em caso de a via asfaltada ser muito movimentada.
Arquivo Pessoal
Laguna Mirim, no RS
Laguna Mirim, no RS
Como já havia previsto, toda cidadezinha possuía ao menos uma bicicletaria. Comprei um pneu novo e segui viagem. Depois de chegar a São João da Boa Vista, uma nova parte da viagem se iniciaria, por regiões totalmente desconhecidas.
O mapa do meu guia de estradas indicava as rotas, mas só os habitantes locais conheciam de fato as condições da estrada, se havia acostamentos ou vias secundárias.
Aconselho que sempre se converse com as pessoas no caminho. Elas têm dicas realmente preciosas sobre o percurso e sobre atrações nas cidades, que elas conhecem melhor que qualquer mapa.
Assim, de cidade em cidade, um pouco por dia, percorri as serras mineiras, as planícies do Mato Grosso do Sul, as paisagens paranaenses, o pampa gaúcho, o litoral uruguaio e o deserto argentino, até chegar a Ushuaia, no extremo sul do continente.
Lá, fiquei durante 20 dias, vivendo em um albergue e explorando as trilhas locais.
Na última etapa da pedalada, o vento era tão forte e cortante que eu mal conseguia caminhar. Seguir na bicicleta ficou bastante difícil.
A maior parte dos meus gastos ficou na hospedagem -procurei sempre dormir em pousadas ou albergues nas cidades que visitei, algumas por três ou quatro noites.
Fazia as refeições em restaurantes, onde podia comer à vontade por até R$ 10. Nos locais onde parava, buscava sempre uma conexão gratuita com a internet para poder publicar as fotos, em pousadas ou outros locais. E também para falar com amigos e familiares.
O contato com diferentes sotaques e culturas foi a melhor experiência da viagem. Ouvir histórias, notar as diferenças e semelhanças que existem nesta região da América do Sul.
Percebi que muita gente simpatiza com o cicloturismo e enxerga a experiência como uma forma de ter liberdade.
De fato, quando se viaja de bicicleta, estamos expostos a tudo, nos tornamos parte da paisagem, sentimos o vento, observamos o movimento das nuvens e nos perdemos completamente no tempo.
Arquivo Pessoal
Laguna Esmeralda, Ushuaia
Laguna Esmeralda, Ushuaia
Em alguns trechos, precisei viajar de ônibus. Funcionários de algumas empresas estranhavam a carga excedente, mas nunca me impediram de embarcar com a bicicleta.
Outras vezes, decidi seguir de carona. Viajava na boleia conversando com os caminhoneiros e a bicicleta ia atrás, na carroceria, com a carga. Uma vez, peguei carona em um motorhome.
A bicicleta foi sempre comigo, me acompanhou do começo ao fim do percurso de quase 4.000 quilômetros.
Em alguns momentos durante o percurso, pensava que já tinha chegado longe o bastante, mas continuava só para ver o que aconteceria.
Ainda bem que não parei. Conheci lugares e pessoas que jamais imaginei conhecer. Senti-me pequeno diante das distâncias e das tempestades, me deliciei com o voo dos pássaros e com o cheiro da terra.
Foi uma experiência única, que não vou esquecer. Espero que não seja a última. Já estou pensando em partir para o norte da América do Sul.
Preparação
- A maior preparação tem de ser mental
- Qualquer pessoa com um mínimo de boa saúde consegue pedalar bastante
- O bacana é passear, conhecer as pessoas no caminho
Equipamentos e bagagem
- A bicicleta não precisa ser muito especial, basta ser uma boa montain bike
- Alforjes (bolsas para transporte presas à bicicleta) são muito importantes: o ideal é que sejam impermeáveis
- Leve o mínimo de roupa, e pense nas estações, saiba onde vai estar quando
- Para dormir, barracas de alumínio, que são leves, valem a pena
- Ideal é que a bicicleta e o equipamento não excedam dois terços do peso do ciclista
- Só leve equipamentos e ferramentas que usará em reparos na estrada, em emergências
Alimentação
- Leve o suficiente para um dia de autonomia, para o caso de não conseguir comida
- É muito importante hidratar-se bastante, com sopas e frutas no final do dia
- Durante o percurso, eu levava 4 litros de água
- A saída é adaptar-se à alimentação dos locais por onde você passa
Documentação
- Leve passaporte válido e RG (países do Mercosul não exigem passaporte)
- Pense com antecedência na questão dos vistos
Segurança
- Nunca se afaste da bicicleta quando não estiver pedalando
- As pessoas param o ciclista muito mais para ajudar do que para fazer mal, mas fique atento