quarta-feira, 10 de abril de 2013

Custo-benefício do cigarro...


06/04/2013 - 03h00

Indiferença inexplicável


Drauzio Varella é médico cancerologista. Por 20 anos dirigiu o serviço de Imunologia do Hospital do Câncer. Foi um dos pioneiros no tratamento da Aids no Brasil e do trabalho em presídios, ao qual se dedica ainda hoje. É autor do livro "Estação Carandiru" (Companhia das Letras). Escreve aos sábados, a cada duas semanas, na versão impressa de "Ilustrada".

Para quem está habituado a genocídios, que diferença faz um crime a mais?
Em 2010, a Anvisa realizou uma série de consultas públicas sobre a conveniência de proibir a adição de aromatizantes e edulcorantes ao fumo. Na época, escrevi nesta coluna que a medida conseguia a proeza circense de ser a um só tempo corajosa e covarde.
Corajosa porque finalmente o governo federal tomava a iniciativa de enfrentar a ganância criminosa dos que adicionam ao cigarro uma parafernália de substâncias químicas, para tornar a fumaça menos aversiva ao paladar infantojuvenil.
Covarde porque não tem cabimento uma agência governamental legalmente encarregada de proteger a saúde dos brasileiros ser obrigada a consultar o público para coibir uma prática adotada com a finalidade exclusiva de induzir crianças e adolescentes à mais escravizadora das dependências de droga.
Apesar desses pesares, em março de 2012, a Anvisa publicou a resolução RDC nº 14, segundo a qual continuavam permitidos os aditivos essenciais ao processo de fabricação de cigarros, mas seriam vetados aqueles introduzidos para deixá-lo mais palatável.
Para a adaptação às novas regras foram fixados prazos generosos: 18 meses para os fabricantes e 24 meses para os comerciantes.
Essa questão é da maior relevância. Até a década de 1970 o emprego de aditivos era muito restrito; hoje são acrescentados mais de 600 deles. Perto de 10% do peso de um cigarro é composto por aditivos de efeitos mal estudados e imprevisíveis para o organismo.
Pertencem a essa categoria produtos que conferem gosto de maçã, chocolate, cravo, morango, canela, baunilha ou menta. Outros, provocam broncodilatação para que a fumaça penetre mais fundo nos pulmões. Há, ainda, os que aumentam a afinidade dos neurônios à nicotina, para viciar com mais eficiência.
O mentol, especificamente, adicionado para anestesiar as vias aéreas e diminuir a irritação causada pela fumaça, além de aumentar a permeabilidade da mucosa oral às nitrosaminas cancerígenas liberadas na combustão, é o preferido por mais de 50% das meninas e meninos que começam a fumar.
A resolução da Anvisa foi contestada pelo deputado Luiz Carlos Heinz, por meio do PDC 3034/2010, que está para ser votado em Brasília. Em síntese, o nobre representante do povo contesta a autoridade da Anvisa para legislar sobre o tema. A alegação é a ladainha de sempre: como o fumo gera riquezas para o país, qualquer tentativa de reduzir seu consumo levaria à miséria milhares de famílias empregadas no plantio.
A Advocacia Geral da União já se pronunciou a favor da legalidade constitucional do papel da Anvisa nessa questão.
Em relação ao famigerado argumento das riquezas geradas pelo fumo, vamos lembrar que o Brasil gasta mais de R$ 20 bilhões por ano apenas com o tratamento das doenças causadas por ele, enquanto arrecada em impostos menos de um terço desse valor.
Já em relação ao desemprego dos pobres lavradores --bandeira que a bancada do fumo no Congresso desfraldou até para justificar sua posição contrária à proibição de fumar em ambientes fechados--, quero dizer que, se todos os brasileiros deixassem de fumar, seriam eles os menos prejudicados, uma vez que somos o segundo maior exportador mundial.
Mais desemprego haveria entre cancerologistas, cardiologistas, pneumologistas, cirurgiões, enfermeiras, atendentes, acompanhantes de inválidos, fabricantes de respiradores, balões de oxigênio, cadeiras de rodas, motoristas de ambulâncias, coveiros e demais envolvidos nas tragédias provocadas pelo cigarro.
Reconheço que consigo entender o papel desprezível dos parlamentares que se prestam a defender os interesses da indústria. Eles o fazem por questões práticas, como os financiamentos de campanhas eleitorais ou seja lá que outro nome tenham. O que é inadmissível é a inércia do poder Executivo.
Por que o Ministério da Saúde e a própria Anvisa sequer acompanham as sessões da Câmara em que o assunto está para ser votado? Por que razão a Casa Civil se abstém de convocar a maioria que detém no Legislativo, para impedir essa afronta à saúde dos brasileiros? Além das barganhas por ministérios, qual a serventia da base aliada?