Cientistas de diferentes países definem temas prioritários para uma das maiores pesquisas sobre o tema que deverão integrar chamada internacional de propostas liderada pela FAPESP (Belmont Forum)
02/01/2013
Por Elton Alisson
Agência FAPESP – A disponibilidade de terra arável e para pecuária deverá diminuir globalmente nas próximas décadas, ao mesmo tempo em que será preciso aumentar a produção de alimentos para atender ao crescimento da demanda mundial e melhorar a conservação e a sustentabilidade dos recursos não renováveis, que são essenciais para atingir esse objetivo.
Um grupo de pesquisadores de diferentes países, incluindo do Brasil, iniciará uma série de estudos colaborativos com o objetivo de aumentar a compreensão e gerar conhecimento científico para enfrentar esses três desafios concomitantes e inter-relacionados em escala mundial.
Nos dias 17 a 19 de dezembro, eles se reuniram em São Paulo, na FAPESP, para participar do “Belmont Forum International: Call Scoping Workshop on Food security and land use change”.
Organizado pela FAPESP em parceria com o Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da Universidade de São Paulo (USP) e o Belmont Forum, o objetivo do evento foi definir áreas prioritárias de pesquisa, relacionadas à segurança alimentar e mudanças no uso da terra, que poderão integrar a segunda chamada de propostas do Belmont Forum.
Entidade criada pelas principais agências financiadoras de pesquisa sobre mudanças ambientais do mundo, o Belmont Forum foi formado em 2009 durante uma conferência realizada pela National Science Foundation (NSF), dos Estados Unidos, e o Natural Environment Research Council (Nerc), do Reino Unido, na cidade norte-americana de Belmont.
O objetivo do fórum, coordenado pelo International Group of Funding Agencies for Global Change Research (IGFA), é tentar influenciar os rumos da colaboração internacional em estudos sobre mudanças globais por meio de chamadas conjuntas de pesquisas.
Como membro do Belmont Forum, a FAPESP foi convidada a formatar uma proposta de chamada de projetos de pesquisa sobre segurança alimentar e mudanças no uso da terra que irá submeter para aprovação da entidade em uma reunião em fevereiro de 2013, na Índia.
Para balizar a proposta, a FAPESP convidou para participar do encontro em São Paulo pesquisadores que integram alguns dos principais projetos internacionais sobre segurança alimentar e mudanças no uso da terra para relatar as ações realizadas nos últimos anos.
Thomas Rosswall, do Research Program on Climate Change, Agriculture and Food Security da Dinamarca, Margaret Gill e Isabelle Albouy, do The European Joint Programming Initiative on Agriculture, Food Security and Climate Change, Andreas Heinimann, do Global Land Project, da Suíça, e John Ingram, do Global Environmental Change and Food Systems (Gecafs), do Reino Unido, foram alguns dos pesquisadores convidados.
“O objetivo foi conhecer as ações realizadas por essas iniciativas internacionais para que a proposta que submeteremos ao Belmont Forum não seja repetitiva ou represente uma duplicação de esforços de pesquisa já existentes no mundo”, disse Reynaldo Luiz Victoria, coordenador do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG) e representante da Fundação no Belmont Forum.
“A ideia é que os estudos realizados no âmbito da chamada possibilitem explorar novos temas de pesquisa relacionados à segurança alimentar e mudanças no uso da terra que ainda não são abordados por outros programas de pesquisa internacionais”, disse Victoria à Agência FAPESP.
Durante o encontro, cientistas de países signatários do Belmont Forum apresentaram iniciativas e prioridades de pesquisa relacionadas à segurança alimentar e mudanças no uso da terra implementadas em seus respectivos países. Entre eles marcaram presença Samuel Scheiner, da NSF, Ryohei Kada, do Instituto de Pesquisa para Humanidades e Natureza, do Japão, e Sheryl Hendricks, da Universidade de Pretória, África do Sul.
Do lado do Brasil, André Nassar, do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), Carlos Joly, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e Gilberto Câmara, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), apresentaram resultados de pesquisas sobre, respectivamente, biocombustíveis, biodiversidade e monitoramento de mudanças no uso da terra realizadas no âmbito dos programas BIOTA, BIOEN e PFPMCG da FAPESP, de cujas coordenações fazem parte.
Câmara falou sobre os desafios para as políticas de uso da terra no Brasil que, segundo ele, representam o maior experimento de mudanças no uso da terra e seus efeitos realizado no mundo nas últimas décadas.
“Desde 1980, foram desmatados 720 mil km² da Amazônia e 400 mil km² do Cerrado. Isso representa uma transição de uso da terra que não aconteceu nessa magnitude, nesse intervalo de tempo e nessa época em nenhum outro país do mundo e é um marco significativo do que acontece hoje no planeta”, avaliou.
Segundo Câmara, parte da transição do uso da terra na Amazônia e no Cerrado para cultivo de soja e pastagem de gado está relacionada ao aumento da demanda interna por alimento. Mas outra parte significativa – principalmente no Cerrado – foi devida ao aumento das exportações de carne e grãos para atender ao crescimento da demanda mundial por alimentos.
Lições do Brasil
Nos anos de 1980, de acordo com Câmara, a mudança de uso da terra no Brasil ocorreu de forma desordenada e sem nenhuma espécie de controle. Mais recentemente, com o amplo acesso às informações sobre desmatamento disponibilizadas na internet por instituições de pesquisa como o Inpe e pressões internacionais e da sociedade brasileira, foi possível implementar uma política de desmatamento da Amazônia que obteve muito êxito ao ser baseada na tríade composta por transparência, governança e instituições de pesquisa com boa reputação.
“Alguns aprendizados que o Brasil teve com a criação de instituições de pesquisa capazes de produzir informações sobre desmatamento – disponibilizadas de forma transparente e acessível na internet, que resultaram em mecanismo de governança que tem funcionado muito bem – podem servir de lição para outros países que também pretendem conseguir implementar uma política de uso da terra ampla. O Brasil precisa liderar o mundo nessa capacidade de ter um sistema de informação de uso da terra”, afirmou.
De acordo com o pesquisador, um dos gargalos no sistema de monitoramento do desmatamento na Amazônia é produzir informação com maior nível de detalhe.
Atualmente, os sensores dos satélites utilizados no Sistema de Detecção de Desmatamentos em Tempo Real (Deter) no Inpe têm resolução espacial moderada, de 250 metros, o que impossibilita detectar desmatamentos e mudanças no uso da terra em áreas menores do que 25 hectares. “Precisamos de informação com maior detalhe”, afirmou Câmara.
Mas, segundo ele, as maiores lacunas no sistema de monitoramento de mudanças de uso da terra no Brasil se referem a biomas como o Cerrado, a Caatinga, a Mata Atlântica, o Pampa e o Pantanal, os quais ainda não dispõem de um sistema de informação sobre desmatamento similar ao existente para a Amazônia.
“O Brasil precisa ter em todo o seu território o mesmo nível de informação diária sobre mudanças no uso da terra que possui hoje para a Amazônia. Isso é essencial para um país que tem esse tamanho de área, que quer balancear a produção agrícola e de biocombustíveis com o equilíbrio ambiental”, destacou Câmara.
Questões fundamentais
O equilíbrio entre uso da terra e mitigação dos impactos ambientais causados pela atividade agropecuária foi apontado pelos pesquisadores participantes do workshop na FAPESP como um dos principais desafios para os próximos anos.
De modo a contribuir na busca de soluções para o problema, as propostas de pesquisa que serão apoiadas na segunda chamada do Belmont Forum deverão tentar responder, entre outras questões fundamentais, como os atuais padrões de demanda por alimentos afetam o uso da terra, a biodiversidade e a segurança alimentar.
Outra pergunta é quais serão as consequências das mudanças no uso da terra sobre os serviços dos ecossistemas e da biodiversidade e como irão afetar a disponibilidade e o acesso aos alimentos.
“Seguramente, a competição entre serviços de ecossistemas e a produção de alimentos é um tema que deverá ser abordado e discutido nas pesquisas que serão financiadas nessa chamada de projetos”, disse Victoria.
Para definir quais os temas de pesquisa inter e transdisciplinares relacionados à segurança alimentar e mudanças no uso da terra que devem ser contemplados nas pesquisas colaborativas financiadas pelo Belmont Forum, os participantes do evento foram divididos em quatro grupos de trabalho.
Ao final do encontro, eles produziram um rascunho de um documento que sintetiza as discussões científicas estabelecidas durante os três dias do evento e apresenta uma proposta de chamada que será submetida para aprovação no Belmont Forum. A proposta deverá ter a participação de, no mínimo, três países signatários do grupo.
“No âmbito da chamada, será possível realizar projetos conjuntos de países em que três ou mais países se propõem a responder uma ou mais questões que serão colocadas. Será possível realizar estudos comparativos sobre segurança alimentar no Brasil, África do Sul e Ásia, por exemplo”, disse Victoria.
Participaram do encontro na FAPESP representantes de seis países signatários do Belmont Forum: Brasil, Estados Unidos, Canadá, Japão, África do Sul e Inglaterra. Outros seis países integram o grupo, além de diversos mais interessados em participar da chamada. “Estamos tentando construir a maior aliança possível de países para otimizar a utilização dos recursos que serão aplicados na chamada”, disse Victoria.
Chamada em 2013
A primeira chamada de propostas do Belmont Forum foi lançada em abril de 2012 e contou com recursos de cerca de 20 milhões de euros, dos quais 2,5 milhões foram investidos pela FAPESP, sendo 1,5 milhão de euros para projetos de pesquisa sobre segurança hídrica e 1 milhão de euros para pesquisas sobre vulnerabilidade costeira.
Os projetos serão executados por pesquisadores do Estado de São Paulo nessas áreas em parceria com pesquisadores de, pelos menos, outros dois países participantes do fórum.
Os valores para a segunda chamada serão definidos em 2013, durante reunião do Belmont Forum em fevereiro. Pesquisadores ligados a instituições de ensino superior e de pesquisa, públicas e privadas, no Estado de São Paulo poderão participar da chamada.