Definição dos materiais de construção pelo desempenho desejado, e não pela marca, ainda é incipiente no setor. Entenda os benefícios da prática e por que ela ainda não está disseminada
Por Juliana Nakamura
O crescente movimento de valorização dos direitos do consumidor, associado à 
provável exigibilidade da Norma de Desempenho de Edificações (NBR 15.575) a 
partir de março de 2013, impõe às construtoras brasileiras algumas quebras de 
paradigmas. Uma das mudanças em curso mais importantes diz respeito à forma como 
se especifica e se adquire materiais e insumos para as obras. Hoje, ainda 
predominam no mercado as escolhas apenas com base em modelos ou marcas dos 
produtos. Mas, no longo prazo, a tendência é que, cada vez mais, seja necessário 
basear as decisões em análises técnicas de desempenho. Isso significa, por 
exemplo, que em vez de apenas definir o uso de uma telha da marca x e do modelo 
y, o especificador terá que informar índices de isolamento térmico, durabilidade 
e estanqueidade que aquele produto deverá proporcionar, entre outras tantas 
características técnicas, sempre de acordo com as particularidades de cada 
projeto. Na prática, será prepreciso um conhecimento mais profundo por parte dos 
projetistas a respeito dos materiais e de suas aplicações, com o respaldo das 
normas técnicas e de dados de desempenho transmitidos pelos fornecedores. 
Na especificação por desempenho, a organização das informações que devem 
constar no memorial descritivo difere significativamente do modo como é 
apresentado um memorial descritivo baseado em marcas. Segundo a arquiteta Miriam 
Addor, vice-presidente nacional de Grupos de Trabalho da Associação Brasileira 
dos Escritórios de Arquitetura (AsBEA), a especificação de materiais e sistemas 
com base no desempenho requerido durante a vida útil da edificação visa, em 
primeiro lugar, a proteger o usuário final quanto ao atendimento dos requisitos 
básicos que devem ser apresentados pelos produtos/componentes e pela edificação 
como um todo, dentro do tempo de utilização mínimo definido pelas normas 
vigentes, ou, de maneira mais particular, pelo usuário ou projetista.
Por que mudar?
A especificação 
por desempenho permite que em obras públicas ou privadas a construtora substitua 
o fornecedor do material quando necessário, sem que se perca o desempenho 
inicial previsto pelo especificador. Afinal, todas as características e as 
normas que devem ser atendidas estão claramente discriminadas no memorial 
descritivo do projeto. Isso por si só já elimina um problema corrente nas obras 
brasileiras, que é o da especificação não cumprida pelo construtor, que muitas 
vezes substitui produtos e soluções no canteiro em função de preço.
"Atualmente, os contratantes públicos já não permitem a especificação por 
marca. É o caso da Petrobras, que em seus editais exige a especificação por 
desempenho", conta o arquiteto Siegbert Zanettini, autor do projeto de ampliação 
do Centro de Pesquisas e Desenvolvimento da Petrobras (Cenpes), na Ilha do 
Fundão, Rio de Janeiro, em parceria com o arquiteto José Wagner Garcia. O 
projeto, concebido para adotar soluções construtivas industrializadas, foi 
inteiramente especificado com base em quesitos técnicos.
Para os construtores, se em um primeiro momento a especificação por 
desempenho significa mais trabalho, por outro traz maior segurança, uma vez que 
os fornecedores passam a ser corresponsáveis pelas características que devem ser 
apresentadas pelos materiais e sistemas fornecidos. "Uma vez que os fornecedores 
comprovem o atendimento ao desempenho requerido, os construtores ficam 
resguardados de suas responsabilidades", diz a arquiteta Bárbara Kelch Monteiro, 
que integra o Grupo Técnico de Trabalho de Normas da AsBEA.
Uma expectativa é a de que a exigência de desempenho fortaleça a cadeia da 
construção como um todo ao induzir a concorrência por produtos de qualidade 
semelhante, discriminando o desempenho mínimo a ser atendido por aquele 
determinado material ou sistema, criando uma proteção contra os fornecedores de 
preço menor, mas que trabalham fora das especificações mínimas exigidas por 
norma. "Os fornecedores deverão verificar o atendimento de seus produtos ou 
sistemas às normas técnicas vigentes, e a comprovação desse atendimento deve 
ficar clara em seu material de divulgação, assim como em seus documentos 
técnicos, uma vez que toda essa informação será utilizada pelos especificadores 
na escolha de determinado produto, e ainda deverá constar do manual de 
utilização a ser compilado e fornecido pela construtora ao cliente final", 
acrescenta Bárbara Monteiro.
| Os materiais e sistemas construtivos da ampliação do Centro de Pesquisas e Desenvolvimento da Petrobras (Cenpes), na Ilha do Fundão, no Rio de Janeiro, foram todos especificados por desempenho | 
A realidade atual
"Os 
especificadores que estão acostumados a trabalhar na especificação por marcas 
necessitarão de um empenho maior para reunir e conhecer as informações que devem 
ser consideradas em cada especificação", afirma Miriam Addor, ressaltando que é 
ampla a gama de itens que integram um memorial descritivo, e entender e definir 
o desempenho de cada um será um desafio.
Também para o profissional da área de suprimentos a nova forma de especificar 
gera impactos. Afinal, nesse modelo ele também passa a receber uma quantidade 
muito maior de dados que deverão ser organizados e compatibilizados de forma que 
as comparações de preços se restrinjam aos produtos que atendam ao desempenho 
mínimo especificado. "O trabalho de comparar preços certamente ficará mais 
complexo, volumoso e exigirá mais atenção diante da quantidade maior de 
informações. Porém, adicionará segurança e qualidade às construções", acredita o 
arquiteto Henrique Cambiaghi. O sócio-diretor do CFA Cambiaghi Arquitetura vê 
como consequência desse movimento a maior demanda de especialistas em diferentes 
áreas para apoiar as especificações, diante do número de dados técnicos a serem 
interpretados e analisados. "Mas é importante não achar que só a especificação 
do produto correto vai eliminar todos os problemas. No caso da cerâmica, por 
exemplo, muito do seu desempenho depende da execução. Não adianta o 
especificador selecionar a melhor cerâmica se o instalador não souber assentá-la 
corretamente. O desempenho estará comprometido", salienta Cambiaghi.
Para Bruno Carone, gerente de suprimentos da João Fortes Engenharia, o 
gerenciamento de um volume maior de dados é um dos desafios impostos às áreas de 
suprimentos das empresas e exigirá profissionais capacitados para avaliar esses 
produtos tecnicamente. Ele lembra que "o que normalmente acontece é que os 
profissionais conhecem o insumo/produto pelas marcas mais tradicionais e não 
pelas suas necessidades técnicas".
Diante disso, a expectativa é a de que a especificação por desempenho também 
induza a uma maior qualificação dos profissionais da área de suprimentos, que 
deverão ter maior domínio sobre as características técnicas dos materiais e o 
seu funcionamento quando instalados para poder adquiri-los corretamente.
Desafios à frente
Sem 
informações técnicas sobre os materiais, não há especificação por desempenho. 
Por isso, "um grande obstáculo a ser enfrentado por construtores e projetistas é 
a falta de informações de desempenho por parte dos fornecedores", diz Cambiaghi. 
Algumas empresas já se anteciparam a essa demanda e atualizaram seus catálogos 
impressos e virtuais, mas, de forma geral, o movimento é de adaptação, sobretudo 
porque requer por parte dos fornecedores investimento em adequações e testes 
comprobatórios de seus produtos. "Essa adequação, aliás, pode ser explorada como 
um diferencial dessas empresas perante seus concorrentes, sendo preferenciais em 
um processo de seleção de materiais aquelas que mais facilmente comprovarem seu 
atendimento às normas e auxiliarem os especificadores nesse trabalho", afirma a 
arquiteta Miriam Addor.
"De forma geral, sistemas construtivos inovadores e industrializados saem na 
frente na comprovação do desempenho porque já estão acostumados a apresentar 
certificados e atestados de qualidade para o mercado", compara Siegbert 
Zanettini. Segundo ele, embora possa parecer contraditório, tende a ser mais 
fácil especificar por desempenho produtos "novos" e fornecidos como sistemas, 
caso de painéis cimentícios e de drywall, do que os mais tradicionais, como 
alvenaria e estrutura de concreto moldada in loco. Ele conta que no caso do 
projeto do Cenpes para a Petrobras, por exemplo, não houve dificuldades, nem na 
especificação nem na realização das compras, justamente porque todo o projeto se 
apoiou em uma filosofia de construção industrializada. "Os problemas quando 
ocorreram foram mais ligados à produção da obra e à dificuldade das empreiteiras 
subcontratadas adotarem práticas de controle", revela Zanettini.
| Os investimentos em ensaios comprobatórios são fundamentais para uma especificação de materiais com base no desempenho desejado | 
O momento é de adaptação também para as construtoras. Em entrevistas à 
reportagem do Guia da Construção, empresas que atuam em diferentes 
praças revelaram que estão de olho nas mudanças em curso, mas que ainda 
especificam e compram seus produtos e insumos como de costume, com base em 
marcas e no relacionamento com fornecedores de confiança. É o caso da Racional 
Engenharia. A coordenadora de compras da construtora, Vera Gomes, conta que, nas 
obras do Tietê Plaza Shopping em São Paulo, a maioria dos produtos utilizados 
foi especificada por marca. "Em alguns casos, como com os elevadores e as 
escadas rolantes, são aceitos produtos similares, desde que de marcas conhecidas 
por sua qualidade e líderes de mercado", diz Vera, que completa: "Na hora de 
definir qual empresa iremos contratar, também levamos em conta o desempenho 
desses produtos em empreendimentos anteriores".
A coordenadora de compras da Racional enxerga aspectos positivos e negativos 
na especificação pautada por marca. "As vantagens estão no conhecimento amplo 
dos produtos disponíveis no mercado e nos cuidados especiais a serem tomados na 
utilização de cada um deles, que já são bem dominados. Por outro lado, a 
especificação por marca dificulta a negociação quando o fornecedor é único ou 
quando não há produtos similares no mercado", pondera.
O caminho a ser percorrido até se chegar ao que acontece em países 
desenvolvidos é longo. Diferentemente do que acontece por aqui, nos Estados 
Unidos, por exemplo, há uma numeração e uma formatação padronizada por 
institutos voltados à especificação na área da construção. Esse padrão se 
relaciona diretamente com os programas Building Information Modeling (BIM) 
utilizados para desenvolvimentos dos projetos. Há ainda softwares próprios para 
realização das especificações da indústria da construção.
Segundo Miriam Addor, nesse padrão definido constam a descrição básica do 
material, as características específicas, as normas a serem seguidas, as 
especificações de aplicação ou instalação, testes e verificação da qualidade a 
ser aplicada, informações como cores, tamanhos ou outros, e a marca de 
referência. "A padronização permite que todos os envolvidos na cadeia produtiva 
trabalhem com a mesma base de informações, diminuindo significativamente erros e 
desvios ligados a falhas nas especificações dos materiais e sistemas", conclui 
Addor.
Especificação por desempenho x marca| Requisitos fundamentais na especificação por desempenho ● Consistência, trabalhabilidade (slump); ● Habilidade passante/viscosidade; ● Método de transporte/colocação; ● Resistência à compressão; ● Módulo de elasticidade; ● Calor de hidratação; ● Retração; ● Resistência à abrasão; ● Coeficiente de carbonatação; ● Coeficiente de penetração de cloretos; ● Permeabilidade; ● Resistividade elétrica. Itens que costumam constar na especificação tradicional ● Resistência característica do concreto (fck); ● Consistência, trabalhabilidade (slump); ● Dimensão máxima do agregado; ● No caso do concreto dosado em central, no momento da compra, costuma-se especificar: o tipo e a marca do cimento, o tipo e a marca do aditivo, a relação água/cimento, o teor de ar incorporado, o tipo de lançamento, a cor, a massa específica, etc. Requisitos fundamentais na especificação por desempenho ● Resistência à abrasão; ● Coeficiente de atrito; ● Resistência às manchas e a ataques químicos; ● Carga de ruptura; ● Expansão por umidade; ● Espessura da junta, sempre de acordo com as características do local/tipo de instalação, entre outros. Itens que costumam constar na especificação tradicional ● Marcas e modelos, principalmente. Assim como ocorre em louças e metais sanitários, esse é um dos segmentos em que a especificação por marca está mais arraigada. Isso porque se entende que, determinadas marcas, conhecidas por seus produtos de qualidade, agregam valor técnico e institucional. Requisitos fundamentais na especificação por desempenho ● Permeabilidade ao ar (variável de acordo com a região); ● Estanqueidade à água; ● Comportamento quando submetido a cargas uniformemente distribuídas; ● Resistência às operações de manuseio; ● Deformação, módulo de elasticidade, coeficiente de dilatação térmica; ● Condutibilidade térmica; ● Resistência, durabilidade, vida útil de seus componentes, entre outros. Itens que costumam constar na especificação tradicional ● Dimensões; ● Matéria-prima da esquadria (PVC, alumínio, aço, etc.); ● Espessura dos perfis; ● Marca/modelo. Requisitos fundamentais na especificação por desempenho ● Pressão de serviço; ● Resistência mecânica de peças durante o uso; ● Resistência a impactos durante a vida útil de projeto; ● Temperatura máxima de trabalho; ● Estanqueidade à água e a gases; ● Durabilidade dos sistemas, elementos, componentes e instalação, entre outros. Itens que costumam constar na especificação tradicional ● Pressão de serviço; ● Matéria-prima (PVC, PPR, etc.); ● Tipo de conexão (roscável, soldável). | 
 
