http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,o-que-pode-levar-a--uma-cidade-sustentavel-,906363,0.htm
27 de julho de 2012 | 3h 09
27 de julho de 2012 | 3h 09
Washington Novaes
Pois não é que, enquanto o eleitor se pergunta, aflito, em quem votar para 
resolver os dramáticos problemas das nossas insustentáveis grandes cidades, um 
pequeno país de 450 mil habitantes - a África Equatorial - anuncia (Estado, 
10/6) que até 2025 terá construído uma nova capital "inteiramente sustentável" 
de 40 mil casas para 140 mil habitantes, toda ela só com "energias renováveis", 
principalmente a fotovoltaica? Mas como afastar as dúvidas do eleitor brasileiro 
que pergunta por que se vai eliminar uma "florestal equatorial" - tão útil 
nestes tempos de problemas climáticos - e substituí-la por áreas urbanas?
Bem ou mal, o tema das "cidades sustentáveis" entra na nossa pauta. Com 
Pernambuco, por exemplo, planejando todo um bairro exemplar em matéria de água, 
esgotos, lixo, energia, telecomunicações, em torno do estádio onde haverá jogos 
da Copa de 2014, inspirado em Yokohama (Valor, 24/6), conhecida como "a primeira 
cidade inteligente do Japão". E até já se noticia (12/7) que o Brasil ocupa o 
quarto lugar no ranking de "construções sustentáveis" no mundo, depois de 
Estados Unidos, China e Emirados Árabes - já temos 52 certificadas e 474 "em 
busca do selo", por gastarem 30% menos de energia, 50% menos de água (com 
reutilização), reduzirem e reciclarem resíduos, além de só utilizarem madeira 
certificada e empregarem aquecedores solares.
"As cidades também morrem", afirma o professor da USP João Sette Whitaker 
Ferreira (Eco 21, junho de 2012), ressaltando que, enquanto há 50 anos se 
alardeava que "São Paulo não pode parar", hoje se afirma que a cidade "não pode 
morrer" - mas tudo se faz para a "morte anunciada", ao mesmo tempo que o modelo 
se reproduz pelo País todo. Abrem-se na capital paulista mais pistas para 800 
novos automóveis por dia, quem depende de coletivos gasta quatro horas diárias 
nos deslocamentos, os bairros desfiguram-se, shoppings e condomínios fechados 
avançam nos poucos espaços ainda disponíveis, 4 milhões de pessoas moram em 
favelas na região metropolitana.
Não é um problema só brasileiro. Em 1800, 3% da população mundial vivia em 
cidades, hoje estamos perto de 500 cidades com mais de 1 milhão de pessoas cada 
uma, quase 1 bilhão vive em favelas. Aqui, com perto de 85% da população em 
áreas urbanas, 50,5 milhões, segundo o IBGE, vivem em moradias sem árvores no 
entorno (26/5), seis em dez residências estão em quarteirões sem bueiros, 
esgotos correm na porta das casas de 18,6 milhões de pessoas. Quase metade do 
solo da cidade de São Paulo está impermeabilizada, as variações de temperatura 
entre uma região e outra da cidade podem ser superiores a 10 graus (26/3).
Estamos muito atrasados. Na Europa, 186 cidades proibiram o trânsito ou 
criaram áreas de restrição a veículos com alto teor de emissão (26/2), com 
destaque para a Alemanha. Ali, em um ano o nível de poluição do ar baixou 12%. 
Londres, Estocolmo, Roma, Amsterdam seguem no mesmo rumo, criando limite de 50 
microgramas de material particulado por metro cúbico de ar, obedecendo à 
proposta da Organização Mundial de Saúde. No Brasil o limite é três vezes 
maior.
E há novos problemas claros ou no horizonte, contra os quais já tomaram 
posição cidades como Pyongyang, que não permite a ocupação de espaços públicos 
urbanos por cartazes, grafites, propaganda na fachada de lojas, anúncios em néon 
(New Scientist, 19/5). É uma nova e imensa ameaça nos grandes centros urbanos, 
atopetados por informações gráficas e digitais projetadas. Quem as deterá? Com 
que armas, se as maiores fabricantes de equipamentos digitais lançam a cada dia 
novos geradores de "realidade ampliada", a partir de fotos, vídeos e 
teatralizações projetados? O próprio interior das casas começa a ser tomado por 
telas gigantescas.
Um bom ponto de partida para discussões sobre as áreas urbanas e seus 
problemas pode ser o recém-editado livro Cidades Sustentáveis, Cidades 
Inteligentes" (Brookman, 2012), em que o professor Carlos Leite (USP, 
Universidade Presbiteriana Mackenzie) e a professora Juliana Marques Awad 
argumentam que "a cidade sustentável é possível", pode ser reinventada. Mas 
seria "ingênuo pensar que as inovações tecnológicas do século 21 propiciarão 
maior inclusão social e cidades mais democráticas, por si sós". A s cidades - 
que se tornaram "a maior pauta do planeta" - "terão de se reinventar", quando 
nada porque já respondem por dois terços do consumo de energia e 75% da geração 
de resíduos e contribuem decisivamente para o processo de esgotamento de 
recursos hídricos, com um consumo médio insustentável de 200 litros diários por 
habitante. "Cidades sustentáveis são cidades compactas", dizem os autores, que 
estudam vários casos, entre eles os de Montreal, Barcelona e São Francisco. E 
propõem vários caminhos, com intervenções que conduzam à regulação das cidades e 
à reestruturação produtiva, capazes de levar à sustentabilidade urbana.
Mas cabe repetir o que têm dito vários pensadores: é preciso mudar o olhar; 
nossas políticas urbanas se tornaram muito "grandes", distantes dos problemas do 
cotidiano do cidadão comum; ao mesmo tempo, muito circunscritas, são incapazes 
de formular macropolíticas coordenadas que enfrentem os megaproblemas. No caso 
paulistano, por exemplo, é preciso ter uma política ampla e coordenadora das 
questões que abranjam toda a região metropolitana; mas é preciso descentralizar 
a execução e colocá-la sob a guarda das comunidades regionais/locais. Não custa 
lembrar que há alguns anos um grupo de professores da Universidade de São Paulo 
preparou um plano para a capital paulista que previa a formação de conselhos 
regionais e subprefeituras, com a participação e decisão de conselhos da 
comunidade até sobre o orçamento; mas as discussões na Câmara Municipal levaram 
a esquecer o macroplano e ficar só com a criação de novos cargos.
Por aí não se vai a lugar nenhum - a não ser a problemas mais dramáticos.
* JORNALISTA
E-MAIL: 
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