São Paulo, domingo, 20 de maio de 2012 |
Folha visita coração do programa atômico do país, que afirma sofrer efeitos das sanções; analistas veem blefe
SAMY ADGHIRNI
DE TEERÃ
Uma porta de metal blindado desliza para o lado, desvendando uma ampla sala circular com teto em domo e iluminação amarelada.
Uma linha no chão sinaliza o limite onde não se pode pisar sem antes pôr os pés numa máquina que cobre os calçados com filme plástico. A proteção serve para evitar contaminação radioativa.
Alguns passos à frente encontra-se o reator nuclear de Teerã, ponto central do programa de energia atômica da República Islâmica do Irã.
O regime diz que só elevou o grau de enriquecimento de urânio para abastecer o reator, usado na fabricação de isótopos médicos. O Ocidente acusa o Irã de tentar fabricar a bomba atômica.
Numa rara concessão do governo iraniano à mídia estrangeira, aFolha e o jornal espanhol "La Vanguardia" puderam visitar a planta, área sensível sujeita a inspeções constantes da AIEA, a agência nuclear da ONU.
O giro de três horas pelo complexo que abriga o comando do programa nuclear iraniano, no centro de Teerã, ocorreu semana passada. Um segurança com uniforme militar esteve sempre presente.
Um cientista com inglês fluente foi escalado para guiar a visita: Ahmad Montazeri, um dos principais interlocutores do Irã com a AIEA.
Na sala do reator é preciso usar blusa branca e carregar no bolso da frente um medidor digital de radioatividade.
No centro da sala fica um tanque com bordas de concreto, chamado pelos físicos de piscina de água leve. O coração da máquina fica submerso, irradiando luz azul fluorescente na superfície.
"Esse azul mostra que há radioatividade. Significa que o reator está funcionando", diz Montazeri, sorrindo.
O ronronar da máquina domina o ambiente. Um leve cheiro de metal flutua no ar.
Quanto mais perto da borda do tanque, mais o medidor de radioatividade apita.
Para ver o núcleo do reator, é preciso ir à sala de controle, onde telas planas divulgam imagens das câmeras submersas. O coração da máquina roda graças a dezenas de barras de metal carregadas de urânio enriquecido.
É nesse miolo radioativo que os elementos químicos são inseridos para ser transformados em isótopos usados principalmente em diagnóstico e tratamento de câncer.
REATOR AMERICANO
O reator foi comprado em 1967 dos então aliados EUA, que cortaram o fornecimento de urânio após a Revolução Islâmica, em 1979.
O estoque usado hoje em dia foi importado da Argentina no início dos anos 90. Mas desde então a ONU, a União Europeia e os EUA impuseram sanções comerciais que impediram o Irã de renovar o estoque de combustível nuclear. O jeito foi investir em tecnologia nacional.
Em 2009, o Irã anunciou que elevaria o enriquecimento de urânio de 3,5% (usado para gerar eletricidade na central de Bushehr) para 19,75% (necessário ao funcionamento do reator de Teerã).
O aumento, processado nas usinas de Natanz e Isfahan, ambas no centro, está dentro do limite de 20% imposto pela ONU. Mas as potências ocidentais ficaram alarmadas, já que um país capaz de purificar urânio até esse nível fica, em tese, muito perto dos 80% necessários à confecção da bomba.
Em fevereiro deste ano, o presidente Mahmoud Ahmadinejad inseriu no reator de Teerã a primeira barra de urânio com combustível nuclear totalmente fabricado no Irã.
"A barra usada na cerimônia era de mentirinha. Foi um ato simbólico. A verdadeira barra foi inserida depois", confidencia Montazeri.
Mas o enriquecimento a 19,75% patina, e o Irã parece longe do objetivo de autossuficiência em combustível atômico. Especula-se que o sistema de comando das centrais nucleares tenha sido devastado pelo vírus informático Stuxnet, cuja criação é atribuída a Israel e aos EUA. "Não temos combustível suficiente", afirma o cientista.
Ele diz que a última parcela de urânio argentino foi inserida no reator em abril e que o governo já está racionando o uso da planta, usada apenas uma semana por mês. "Se continuar assim, daqui a um ano e meio teremos de parar o reator", prevê.
Não foi possível verificar a alegação sobre o declarado desabastecimento em combustível. Alguns analistas acusam o Irã de blefar.
O giro passou também por prédios administrativos. Boa parte dos funcionários é de homens com anéis de pedra nos dedos, usados para oração. Vestem roupa escura e mantêm o cabelo aparado e a barba rala pelos quais se reconhecem os simpatizantes do regime.
Num dos edifícios visitados fica o laboratório onde os isótopos extraídos do reator são transformados em kits prontos para o uso em hospitais.
As máquinas e equipamentos têm aspecto ultrapassado, com painéis de botões e luzes coloridas que lembram filmes de ficção científica dos anos 1970.
INSPETORES EM AÇÃO
Ao circular pelos corredores da agência, a Folha deparou-se com um grupo de pessoas falando inglês. Eram inspetores da AIEA. Montazeri conta que o trabalho deles consiste em colher amostras, medir a radioatividade e checar documentos.
"A relação com os inspetores é muito cordial. Conversamos numa boa e às vezes até almoçamos juntos", diz o cientista. "Mas, no nível político da AIEA, sentimos um ambiente menos amigável de uns anos para cá."
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