A menos de dois meses da Rio+20, o país anfitrião e presidente da Conferência 
das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável guarda uma pequena carta na 
manga, discutida ainda discretamente nas negociações que envolvem 193 países. 
Trata-se da proposta de criação de um piso mundial de proteção socioambiental 
preparada pelo Brasil. 
A proposta aparece no debate do desenvolvimento sustentável como prima mais 
robusta do piso de proteção social, uma espécie de Bolsa-Família em âmbito 
global já incorporado como experiência-modelo pela Organização das Nações Unidas 
(ONU). E tem elementos de outro programa elogiado do governo, o Bolsa Verde, que 
remunera famílias que vivem em unidades de conservação na Amazônia e adotam 
páticas ambientais sustentáveis.
Além de garantir uma renda mínima para combater a extrema pobreza, o piso 
socioambiental proporcionaria uma remuneração extra aos pobres pela proteção de 
florestas e a recuperação de áreas degradadas, de acordo com o esboço a que o 
Estado teve acesso. 
A expectativa do Brasil é de que o piso de proteção socioambiental conste da 
declaração final a ser assinada pelos chefes de Estado e de governo e pelos 
demais representantes das Nações Unidas. “Esse será um dos principais produtos 
da Rio+20”, diz documento que detalha a proposta do piso e aponta como uma das 
possíveis fontes de financiamento a cobrança de tributo sobre movimentações 
financeiras. 
O documento final da Rio+20 vem sendo negociado oficialmente desde novembro 
do ano passado, quando cada um dos países apresentou suas propostas. Até aqui, 
os rascunhos produzidos vêm sendo criticados pela falta de avanços esperados 
para a conferência que se realiza 40 anos depois de a Organização das Nações 
Unidas adotar formalmente a defesa do “desenvolvimento sustentável”, em que o 
crescimento econômico reconhece os limites dos recursos naturais e considera o 
combate à exclusão social como um de seus objetivos. 
A começar pelo título dado ao rascunho da declaração final, “O futuro que 
queremos” - muito próximo de um relatório da ONU nos anos 80, chamado “Nosso 
futuro comum” -, as negociações seguem acanhadas. A expectativa de um fracasso 
da cúpula fez os negociadores brasileiros prometerem, na semana passada, 
resultados “ambiciosos”. 
‘Ponto de partida.’ A promessa é uma forma de tentar driblar 
a expectativa de fracasso da conferência e, sobretudo, garantir a presença de 
líderes mundiais importantes, essencial para que o Brasil avance no projeto de 
consolidar sua própria liderança no debate mundial do desenvolvimento 
sustentável. “Temos obrigação de pensar grande”, explicou um diplomata. 
A liderança reivindicada pelo Brasil se baseia nos resultados obtidos, até 
aqui, pela redução da pobreza e pelo combate ao desmatamento da Amazônia, além 
de uma matriz energética em grande parte renovável. 
Pensar “grande” não significa, para os negociadores brasileiros, esperar por 
resultados imediatos da Rio+20. A proposta mais importante dos debates, até 
aqui, prevê o estabelecimento de metas do desenvolvimento sustentável a partir 
de 2015, com três anos de prazo para o detalhamento das metas em torno das quais 
os países assumiriam compromissos, e mais 15 anos de prazo - até 2030 - para o 
alcance das metas. 
Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) seguem o modelo dos 
Objetivos do Milênio, definidos pelas Nações Unidas em 2000, com metas até 2015. 
A principal diferença é que todas as nações assumiriam compromissos e não apenas 
os países em desenvolvimento.
Outra diferença é um conjunto mais amplo de compromissos, envolvendo não 
apenas o combate à pobreza, mas provavelmente o uso de energias sustentáveis e 
acesso à água, por exemplo. Não está certo que os temas serão definidos já.
Parece pouco lançar o debate de metas para uma economia verde 20 anos depois 
de a Eco-92 lançar a Agenda 21, com compromissos de produção e consumo 
sustentáveis - grande parte deles ainda no papel. Mas os principais negociadores 
brasileiros acertaram o discurso de que a próxima conferência das Nações Unidas 
não é uma conferência “de chegada”, para o fechamento de acordos, mas uma 
“conferência de partida”, com o lançamento de propostas.
Embora seja realizada exatamente 20 anos depois da Eco-92, para o governo 
brasileiro, a Rio+20 deve ser vista como o primeiro passo de um projeto para os 
próximos 20 anos. 
Os negociadores brasileiros alegam que o mundo mudou muito nos últimos 20 
anos e um novo pacto sobre o conhecido paradigma do desenvolvimento sustentável 
é necessário depois da crise financeira internacional iniciada com a bancarrota 
do banco norte-americano de investimentos Bear Stearns, em março de 2008, e dos 
mais recentes sinais de empobrecimento de populações na Europa. 
O rascunho zero da declaração final da Rio+20 registra “retrocessos” nos 
últimos anos para a agenda: “O desenvolvimento sustentável continua sendo uma 
meta distante e ainda restam grandes barreiras e lacunas sistêmicas na 
implementação de compromissos aceitos internacionalmente”, diz o texto, que 
ganhará novas versões até o Dia D da Rio+20, 22 de junho. 
Resistências. Os negociadores lidam com resistências grandes 
de países em desenvolvimento reunidos no Grupo dos 77, do qual o Brasil faz 
parte, a restrições que venham a ser impostas por compromissos com a economia 
verde à comercialização de produtos desses países. O temor é de que a defesa da 
economia verde sirva à imposição de barreiras comerciais. 
A saída para o imbróglio seria adotar um conceito mais flexível do que vem a 
ser “economia verde” ou com baixo consumo de carbono, anteciparam representantes 
do Itamaraty na semana passada. Foi mais um sinal das dificuldades em lidar com 
o assunto mais complicado da agenda do desenvolvimento sustentável, que também é 
obstáculo na agenda do combate ao aquecimento global: a redução das emissões de 
gases de efeito estufa. 
O tema da mudança climática será tratado de forma superficial na declaração 
final, segundo a versão em discussão no momento. Alega-se que esse não é o tema 
de convocação da Rio+20. 
Outro ponto em que falta acordo até aqui é o arranjo institucional das Nações 
Unidas que cuidará do acompanhamento das metas do desenvolvimento sustentável e 
temas como a transferência de tecnologias.
Para compensar temas de pouco apelo popular, a organização da Rio+20 resolveu 
promover dez mesas com especialistas e sem a presença dos governos, para que a 
sociedade civil encaminhe sugestões à declaração final. O pior cenário para os 
negociadores é a Rio+20 chegar ao final sem um consenso mínimo entre os 193 
países nas Nações Unidas.