domingo, 27 de janeiro de 2013

Cidade de São Paulo rumo à sustentabilidade?

27/01/2013-03h00

Saiba como o Plano Diretor pode mudar a vida do paulistano

http://www1.folha.uol.com.br/saopaulo/1220772-saiba-como-o-plano-diretor-pode-mudar-a-vida-do-paulistano.shtml

 

 VANESSA CORREA
DE SÃO PAULO

 

Falta planejamento para São Paulo. Esse bordão, repetido desde os botecos mais simples da zona leste até os refinados restaurantes dos Jardins, é parcialmente verdadeiro. A cidade tem, sim, seus planos. O maior deles é o Plano Diretor Estratégico, de 2002.
Mas esse plano, que serve para orientar os diferentes aspectos da vida na metrópole --educação, meio ambiente, desenvolvimento, transporte--, produziu poucas mudanças no padrão de ocupação do solo paulistano.

Uma só cidade

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(e.g. © 2008 Google) (e.g. © 2013 Map Link/Tele Atlas)
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Paraisópolis - Assentamento precário
O mais correto, então, é dizer que a cidade de São Paulo não implanta o planejamento que possui.
A oportunidade de mudar isso é agora. Neste ano, a prefeitura vai começar a revisar o Plano Diretor vigente há dez anos. O desafio é elaborar uma minuta de lei que dê conta das distorções de sempre e das transformações recentes. O projeto está entre as prioridades da Câmara, onde a gestão Haddad (PT) tem maioria.
Há consenso entre mercado imobiliário, urbanistas e cidadãos de que a mobilidade é a questão mais urgente. Todos concordam, em maior ou menor grau, que é preciso diminuir os deslocamentos diários, aproximando moradores e empregos.
Mas a partir disso surgem os conflitos. Enquanto prefeitura e urbanistas buscam trazer mais moradores para as áreas desenvolvidas (adensar), entidades que defendem os bairros mais ricos querem regras rígidas para a chegada de mais prédios. Já o mercado brigará por mais flexibilidade.
"É preciso criar parâmetros de qualidade para o adensamento. Não adianta botar todo mundo pendurado um no pescoço do outro se não tem área verde, escola, transporte", diz Lucila Lacreta, do Movimento Defenda São Paulo, que reúne cem associações de bairro das regiões sul e oeste.

O QUE É
O trânsito e a violência são dois grandes vilões da capital. Mas, para resolvê-los, não basta ter uma estratégia para melhorar o fluxo de veículos e outra para conter o crime. Os problemas das metrópoles precisam ser tratados em conjunto, pois muitas vezes eles têm a mesma origem.
É o caso do trânsito e da violência, em grande parte gerados pela separação entre a população pobre, na periferia, e a rica, que vive nos bairros mais centrais, com melhores empregos, escolas, hospitais, lazer e transporte.
Essa separação gera distorções. Todo dia, cerca de 3 milhões de pessoas se deslocam da zona leste até o centro expandido para trabalhar. Daí o trânsito e a superlotação de ônibus e metrôs.
E quando a população de menor renda fica confinada à periferia, onde as oportunidades são escassas, ela tende a continuar pobre. Isso contribui para a desigualdade social e a violência.
Para resolver essas questões, é necessário um plano urbanístico que considere os aspectos conjuntamente. Isso é o Plano Diretor.

Ilustrações Raul Aguiar
OS OBJETIVOS
Urbanistas, mercado imobiliário, prefeitura e população têm visões diferentes sobre a cidade. Mas todos concordam em um aspecto: a questão da mobilidade urbana é urgente.
Por isso, um dos principais objetivos do próximo Plano Diretor é priorizar o transporte público e aproximar moradores e empregos. A intenção é trazer mais pessoas para viver perto de onde há grande oferta de trabalho e infraestrutura, como as antigas regiões industriais do Brás. Ao mesmo tempo, é preciso levar oportunidades de trabalho para a periferia.
Embora esses objetivos já apareçam no plano em vigor, é preciso aprimorar os instrumentos disponíveis para que se concretizem.
Criar mecanismos para que comércio, serviços e moradias estejam próximos um do outro também aparece como meio de melhorar a mobilidade. Essa aproximação, conhecida como uso misto, evita que as pessoas tenham de usar o carro até para comprar pãozinho, por exemplo.
"O modelo em que as atividades comerciais devem estar nos bairros mais consolidados, e a habitação social, na periferia, veio do começo do século 20. Há consenso de que esse modelo está esgotado. Pior, na verdade nunca deveria ter sido implantado", diz o urbanista e vereador Nabil Bonduki (PT).

Ilustrações Raul Aguiar
1. Urbanização consolidada
Distritos residenciais ou altamente verticalizados com ótimas condições de urbanização, altas taxas de emprego e trânsito; população de alta renda
- Objetivos: Conter adensamento, verticalização e grandes empreendimentos, como shoppings
- Como fazer:
a) Outorga onerosa do direito de construir: Se um empreendedor quiser erguer um prédio residencial com área total acima do limite básico, ele terá que comprar esse direito da prefeitura, que usa o dinheiro para fazer melhoramentos viários;
b) Manutenção do zoneamento restritivo: Comércio ou serviços só são permitidos em vias específicas de bairros residenciais
2. Urbanização e qualificação
Tem infraestrutura incompleta, poucos equipamentos culturais, comércio e serviços; favelas e baixa taxa de emprego
- Objetivos: Gerar empregos, estimular a habitação popular, criar novas centralidades e melhorar o transporte coletivo
- Como fazer:
a) ZEIS 1 e 2: Favelas consolidadas recebem urbanização da prefeitura e equipamentos sociais e culturais; 40% dos apartamentos construídos por empreendedores devem atender famílias com renda de até seis salários mínimos em terrenos demarcados para isso;
b) Áreas de intervenção urbana e polos de centralidade: No entorno de estações de trem e metrô, a prefeitura faz intervenção e incentiva a chegada de mais moradores, comércio e escritórios. Isso ajuda a diminuir os deslocamentos e o aumentar o acesso ao transporte
3. Proteção integral
Tem reservas florestais e biológicas e parques
- Objetivos: Permitir apenas pesquisa, ecoturismo e educação ambiental
- Como fazer:
a) Zoneamento ambiental: A prefeitura delimita em que áreas e sob quais condições pode haver construções
4. Reestruturação e qualificação
Tem galpões industriais ociosos e/ou áreas degradadas que sofreram esvaziamento populacional
- Objetivos: Estimular o uso habitacional
- Como fazer:
a) Operações urbanas: Uma área delimitada ganha regras específicas que permitem mais prédios. A prefeitura vende esse direito aos empreendedores e, com o dinheiro, faz obras de melhorias viárias, de transporte público e cria áreas verdes;
b) IPTU progressivo: A prefeitura pode cobrar IPTU mais caro a cada ano de um prédio desocupado e, após cinco anos, desapropriar esse imóvel
5. Urbanização em consolidação
Área com um grau básico de urbanização que apresenta taxas de emprego e condições socioeconômicas intermediárias
- Objetivos: Estimular a ocupação integral do território
- Como fazer:
a) Parcelamento e edificação compulsórios: A prefeitura induz proprietários a construir em terrenos subutilizados. Para isso, pode aplicar IPTU progressivo e desapropriar
o imóvel após cinco anos;
b) Planos de Bairro: A população planeja o próprio bairro, decidindo onde haverá escolas, áreas verdes, ruas só para pedestres e áreas para comércio
6. Conservação e recuperação
Áreas com vegetação nativa ou mananciais de água que foram ocupadas inadequadamente
- Objetivos: Qualificar os assentamentos existentes para minimizar o impacto ambiental
- Como fazer:
a) ZEPAG e ZEPAM - A prefeitura reserva, por meio de lei, áreas destinadas à proteção ambiental de vegetação ou a atividades agrícolas ou de mineração, com incentivo à agricultura orgânica e familiar;
b) ZEIS 4: Áreas não edificadas à beira de represas são urbanizadas pela prefeitura para receber famílias removidas de áreas de risco ou de proteção permanente
7. Uso sustentável
Reúne áreas de proteção ambiental (APAs) e reservas particulares do patrimônio natural (RPPNs)
- Objetivos: Uso compatível com a preservação, em atividades como agricultura, turismo e lazer
- Como fazer:
a) Termo de compromisso ambiental: Para licenciar um empreendimento que irá desmatar, a prefeitura exige contrapartidas como o plantio de árvores na região
OS INTERESSES
Embora exista consenso de que a mobilidade urbana é a questão maior da capital, os quatro principais interessados no Plano Diretor têm ideias distintas sobre como fazer isso.
Especialmente quanto ao adensamento das regiões mais centrais e mais desenvolvidas, que servirá para trazer, por meio da liberação de novos prédios, mais pessoas para morar perto das ofertas de trabalho.
O mercado imobiliário quer menos regras no zoneamento, para ter maior liberdade de construir.
Já urbanistas e entidades que representam os cidadãos paulistanos querem garantir que, nas regiões destinadas ao adensamento populacional, haja padrões mínimos de áreas verdes, transporte coletivo e espaços culturais.
Esses dois setores também querem participar das decisões. Por isso, defendem mecanismos que viabilizem a implantação dos Planos de Bairro. Esse instrumento já aparece no Plano Diretor de 2002, mas praticamente não foi usado. Não há consenso sobre como deve ser aplicado.

Editoria de Arte/Folhapress