sábado, 1 de setembro de 2012

“Diretiva antecipada de vontade”: Morte sustentável?


Pacientes poderão registrar em prontuário a quais procedimentos querem ser submetidos no fim da vida
Qui, 30 de Agosto de 2012 09:33

http://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=23197:pacientes-poderao-registrar-em-prontuario-a-quais-procedimentos-querem-ser-submetidos-no-fim-da-vida&catid=3

A Resolução 1.995, do Conselho Federal de Medicina (CFM), estabelece os critérios para que qualquer pessoa – desde que maior de idade e plenamente consciente – possa definir junto ao seu médico quais os limites de terapêuticos na fase terminal

 
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Pacientes e médicos contarão, a partir desta sexta-feira (31), com regras que estabelecerão os critérios sobre o uso de tratamentos considerados invasivos ou dolorosos em casos clínicos nos quais não exista qualquer possibilidade de recuperação. Sob o nome formal de diretiva antecipada de vontade, mas já conhecido como testamento vital, trata-se do registro do desejo expresso do paciente em documento, o que permitirá que a equipe que o atende tenha o suporte legal e ético para cumprir essa orientação.
 
A regra consta da Resolução 1.995, aprovada pelo plenário do Conselho Federal de Medicina (CFM), que será publicada no Diário Oficial da União no dia 31 de agosto. Assim, o paciente que optar pelo registro de sua diretiva antecipada de vontade poderá definir, com a ajuda de seu médico, os procedimentos considerados pertinentes e aqueles aos quais não quer ser submetido em caso de terminalidade da vida, por doença crônico-degenerativa.
 
Deste modo, poderá, por exemplo, expressar se não quer procedimentos de ventilação mecânica (uso de respirador artificial), tratamentos (medicamentoso ou cirúrgico) dolorosos ou extenuantes ou mesmo a reanimação na ocorrência de parada cardiorrespiratória.  Esses detalhes serão estabelecidos na relação médico-paciente, com registro formal em prontuário. O testamento vital é facultativo, poderá ser feito em qualquer momento da vida (mesmo por aqueles que gozam de perfeita saúde) e pode ser modificado ou revogado a qualquer momento.
 
Critérios - São aptos a expressar sua diretiva antecipada de vontade, qualquer pessoa com idade igual ou maior a 18 anos ou que esteja emancipada judicialmente. O interessado deve estar em pleno gozo de suas faculdades mentais, lúcido e responsável por seus atos perante a Justiça.
 
Menores de idade, que estejam casados civilmente, podem fazer testamento vital, pois o casamento lhes emancipa automaticamente. Crianças e adolescentes não estão autorizados e nem seus pais podem fazê-lo em nome de seus filhos. Nestes casos, a vida e o bem estar deles permanecem sob a responsabilidade do Estado.
 
Pela Resolução 1.995/2012 do Conselho Federal de Medicina (CFM), o registro da diretiva antecipada de vontade pode ser feita pelo médico assistente em sua ficha médica ou no prontuário do paciente, desde que expressamente autorizado por ele. Não são exigidas testemunhas ou assinaturas, pois o médico – pela sua profissão – possui fé pública e seus atos têm efeito legal e jurídico. O registro em prontuário não poderá ser cobrado, fazendo parte do atendimento.
 
No texto, o objetivo deverá ser mencionado pelo médico de forma minuciosa que o paciente está lúcido, plenamente consciente de seus atos e compreende a decisão tomada. Também dará o limite da ação terapêutica estabelecido pelo paciente, Neste registro, se considerar necessário, o paciente poderá nomear um representante legal para garantir o cumprimento de seu desejo.
 
Caso o paciente manifeste interesse poderá registrar sua diretiva antecipada de vontade também em cartório. Contudo, este documento não será exigido pelo médico de sua confiança para cumprir sua vontade. O registro no prontuário será suficiente. Independentemente da forma – se em cartório ou no prontuário - essa vontade não poderá ser contestada por familiares. O único que pode alterá-la é o próprio paciente.
 
Para o presidente do CFM, Roberto Luiz d’Avila, a diretiva antecipada de vontade é um avanço na relação médico-paciente.  Segundo ele, esse procedimento está diretamente relacionado à possibilidade da ortotanásia (morte sem sofrimento), prática validada pelo CFM na Resolução 1.805/2006 , cujo questionamento sobre sua legalidade foi julgado improcedente pela Justiça.
 
A existência dessa possibilidade não configura eutanásia, palavra que define a abreviação da vida ou morte por vontade do próprio doente, pois é crime. “Com a diretiva antecipada de vontade, o médico atenderá ao desejo de seu paciente. Será respeitada sua vontade em situações com que o emprego de meios artificiais, desproporcionais, fúteis e inúteis, para o prolongamento da vida, não se justifica eticamente, no entanto, isso deve acontecer sempre dentro de um contexto de terminalidade da vida”, ressaltou.
 
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Compromisso humanitário - O Código de Ética Médica, em vigor desde abril de 2010, explicita que é vedado ao médico abreviar a vida, ainda que a pedido do paciente ou de seu representante legal (eutanásia). Mas, atento ao compromisso humanitário e ético, prevê que nos casos de doença incurável, de situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico pode oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis e apropriados (ortotanásia).
 
O documento orienta o profissional a atender a vontade expressa do paciente, sem lançar mão de ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas. “O médico deixará de levar em consideração as diretivas antecipadas de vontade do paciente ou representante que, em sua análise, estiverem em desacordo com os preceitos ditados pelo Código de Ética Médica”, aponta a resolução do CFM.
 
Segundo o doutor em bioética e biojurídica, Elcio Bonamigo, a mudança decorre do aumento da autonomia do paciente. “Os médicos deixam de ser paternalistas e os pacientes a cada dia ganham voz nos consultórios. Ele deve ter sua autonomia também preservada no fim da vida”, defendeu o médico, que também integra a Câmara Técnica de Bioética do CFM e colaborou com a formulação da Resolução 1.995/2012.
 
Adesão - No Brasil estudo realizado, em 2011, pela Universidade do Oeste de Santa Catarina, mostrou que um alto índice de adesão à possibilidade de cada pessoa estabelecer sua diretiva antecipada de vontade. Após ouvir médicos, advogados e estudantes apontou que 61% dos entrevistados levariam em consideração o desejo expresso pelos pacientes.
 
Pesquisas realizadas no exterior apontam que em outros países, aproximadamente 90% dos médicos atenderiam às vontades antecipadas do paciente no momento em que este se encontre incapaz para participar da decisão. A compreensão da sociedade e dos profissionais, no entendimento do CFM, coaduna com a percepção de que os avanços científicos e tecnológicos têm que ser empregados de forma adequada, sem exageros.
 
Para o Conselho Federal, as descobertas e equipamentos devem proporcionar melhoria das condições de vida e de saúde do paciente. “Essas novidades não põem ser entendidas como um fim em si mesmo. A tecnologia não se justifica quando é utilizada apenas para prolongar um sofrimento desnecessário, em detrimento à qualidade de vida do ser humano, também entendida como o direito a ter uma morte digna”, afirmou Roberto d’Avila.
 
Experiência mundial – A possibilidade de registro e obediência às diretivas antecipadas de vontade já existem em vários países, como Espanha  e Holanda. Em Portugal, uma lei federal entrou em vigor neste mês de agosto autorizando o que chamam de “morte digna”. Na Argentina, lei que trata desse tema existe há três anos.
 
Nos Estados Unidos esse documento tem valor legal, tendo surgido com o Natural Death Act, no Estado da Califórnia, em 1970. Exige-se que seja assinado por pessoa maior e capaz, na presença de duas testemunhas, sendo que a produção de seus efeitos se inicia após 14 dias da sua lavratura. É revogável a qualquer tempo, e possui uma validade limitada no tempo (cerca de 5 anos), devendo o estado terminal ser atestado por 2 médicos.


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PERGUNTA
RESPOSTA
As diretivas antecipadas de vontade devem ser registradas de qual forma?
O médico registrará, no prontuário, as diretivas antecipadas de vontade que lhes foram diretamente comunicadas pelo paciente.
As diretivas precisam ser registradas no cartório?
Não é necessário, mas pode ser feito caso o paciente deseje.
É possível cancelar o testamento vital?
Sim, desde que o paciente esteja lúcido para fazer isto. Portanto deve procurar o médico para manifestar esta mudança, bem como alterar no cartório, caso seja registrado.
É necessário ter testemunhas?
Não é necessário, mas pode ser feito como forma de segurança.
Quem pode fazer?
Maiores de 18 anos ou emancipados, desde que estejam lúcidos.
Posso eleger um representante que não seja da família?
Sim, um procurador pode ser qualquer pessoa de confiança.
Meus parentes tem prioridade acima do meu represente legal?
Não, as diretivas antecipadas do paciente prevalecerão sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos familiares.
Posso solicitar a interrupção de qualquer procedimento?
O médico deixará de levar em consideração as diretivas antecipadas de vontade do paciente ou representante que, em sua análise, estiverem em desacordo com os preceitos ditados pelo Código de Ética Médica. 


SAIBA MAIS

Qual é a orientação da resolução do CFM?
Os cuidados e tratamentos de pacientes que se encontram incapazes de comunicar-se, ou de expressar de maneira livre e independente suas vontades, o médico levará em consideração suas diretivas antecipadas de vontade. A norma da entidade também estabelece que em caso o paciente tenha designado um representante para tal fim, suas informações serão levadas em consideração pelo médico.

O que são as diretivas antecipadas de vontade (ou testamento vital)?
O instrumento permite ao paciente registrar, por exemplo, a vontade de, em caso de agravamento do quadro de saúde, não ser mantido vivo com a ajuda de aparelhos, nem submetido a procedimentos invasivos ou dolorosos. Nos países onde existe, o testamento vital tem respaldo legal e deve ser observado pelos profissionais de saúde; o documento recebe a assinatura de testemunhas e é elaborado enquanto o paciente ainda está consciente. O testamento também tem caráter de procuração: por meio dele, o interessado pode indicar uma pessoa de sua confiança para tomar decisões sobre os rumos do tratamento a que será submetido a partir do momento em que não tiver condições de fazer escolhas.

Esta medida antecipa a morte do paciente?
O Novo Código de Ética Médica, em vigor desde abril de 2010, já explicitou que é vedado ao médico abreviar a vida, ainda que a pedido do paciente ou de seu representante legal. Mas, atento ao compromisso humanitário e ético, o Código também prevê que nos casos de doença incurável, de situações clínicas irreversíveis e terminais, cabe ao médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis e apropriados.

E se não for conhecida as diretivas antecipadas?
Não sendo conhecidas as diretivas antecipadas de vontade do paciente, nem havendo representante designado, familiares disponíveis ou falta de consenso entre estes, o médico recorrerá ao Comitê de Bioética da instituição, caso exista, ou, na falta deste, à Comissão de Ética Médica do hospital ou ao Conselho Regional e Federal de Medicina para fundamentar sua decisão sobre conflitos éticos, quando entender esta medida necessária e conveniente.



CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA

RESOLUÇÃO CFM Nº 1.805/2006
(Publicada no D.O.U., 28 nov. 2006, Seção I, pg. 169)

http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2006/1805_2006.htm 

Na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal.


O Conselho Federal de Medicina, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, alterada pela Lei nº 11.000, de 15 de dezembro de 2004, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, e

CONSIDERANDO que os Conselhos de Medicina são ao mesmo tempo julgadores e disciplinadores da classe médica, cabendo-lhes zelar e trabalhar, por todos os meios ao seu alcance, pelo perfeito desempenho ético da Medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão e dos que a exerçam legalmente;
CONSIDERANDO o art. 1º, inciso III, da Constituição Federal, que elegeu o princípio da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil;
CONSIDERANDO o art. 5º, inciso III, da Constituição Federal, que estabelece que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”;
CONSIDERANDO que cabe ao médico zelar pelo bem-estar dos pacientes;
CONSIDERANDO que o art. 1° da Resolução CFM n° 1.493, de 20.5.98, determina ao diretor clínico adotar as providências cabíveis para que todo paciente hospitalizado tenha o seu médico assistente responsável, desde a internação até a alta;
CONSIDERANDO que incumbe ao médico diagnosticar o doente como portador de enfermidade em fase terminal;
CONSIDERANDO, finalmente, o decidido em reunião plenária de 9/11/2006,

RESOLVE:

Art. 1º É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal.
§ 1º O médico tem a obrigação de esclarecer ao doente ou a seu representante legal as modalidades terapêuticas adequadas para cada situação.
§ 2º A decisão referida no caput deve ser fundamentada e registrada no prontuário.       
§ 3º É assegurado ao doente ou a seu representante legal o direito de solicitar uma segunda opinião médica.

Art. 2º O doente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, assegurada a assistência integral, o conforto físico, psíquico, social e espiritual, inclusive assegurando-lhe o direito da alta hospitalar.

Art. 3º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogando-se as disposições em contrário.


Brasília, 9 de novembro de 2006





EDSON DE OLIVEIRA ANDRADE                            LÍVIA BARROS GARÇÃO
Presidente                                                       Secretária-Geral




30/08/2012 17h17- Atualizado em 30/08/2012 18h17

Paciente com doença terminal poderá abrir mão de tratamento, diz CFM

Ainda lúcido, paciente deve registrar desejo previamente com o médico.
CNBB se manifestou contra a decisão.



O Conselho Federal de Medicina (CFM) passa a permitir a partir desta sexta-feira (31) que um paciente deixe orientações ao médico sobre tratamentos que não queira receber em casos que já não haja mais possibilidade de recuperação. A nova resolução aprovada pelo órgão será publicada pelo Diário Oficial da União.
Qualquer maior de idade – ou menor emancipado – pode registrar a chamada “diretiva antecipada de vontade”. A pessoa precisa apenas estar lúcida e em pleno gozo de suas faculdades mentais.
Em nota, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) se disse contrária às novas regras.
Pelo Código de Ética Médica, o médico não pode praticar a eutanásia – matar um paciente, ainda que ele peça. No entanto, o texto prevê que o profissional ofereça os cuidados disponíveis e apropriados para uma morte mais humana, nos casos de doenças incuráveis e situações irreversíveis ou terminais.
Segundo a norma, o registro do documento poderá ser feito pelo próprio médico anexado ao prontuário, desde que o paciente autorize expressamente. Não é necessário registrar em cartório nem incluir testemunhas, mas isso pode ser feito, caso o paciente prefira. Ele pode ainda escolher um procurador que não seja da família.
Se o paciente quiser cancelar o desejo expresso na diretiva, deve procurar o médico para alterar o documento. Caso contrário, essa diretiva prevalece sobre qualquer parecer que não seja médico, até mesmo sobre a vontade dos familiares. O médico só não deverá seguir a diretiva se ela for contra o Código de Ética.


'Não havia orientação'
“Esse passo é mais direcionado a garantir o direito do paciente no momento que ele esteja incapaz de comunicar-se”, explicou Élcio Bonamigo, da Câmara Técnica de Bioética do CFM, que elaborou a resolução.

Com a publicação, os médicos passam a ter uma referência do próprio paciente para orientar os tratamentos. “Não havia orientação nesse caso. O que acontecia é que os familiares decidiam, e, às vezes, eles também não se entendiam”, apontou Bonamigo.
Segundo o médico, esse é um passo inicial para chegar a um ponto em que outros países já estão. Ele afirmou que na Espanha, por exemplo, esse documento pode ser preenchido em postos de saúde.
Dessa forma, um paciente pode expressar seus desejos mesmo que não tenha nenhuma doença. Ele pode prever a hipótese de algum acidente que o deixe em coma, e pedir para desligar os aparelhos após um tempo determinado, diante da impossibilidade de recuperação.


CNBB
O presidente da CNBB, o cardeal Dom Raymundo Dasmasceno, afirmou que "não cabe a cada um a decisão sobre a sua própria vida, no sentido de decidir quando ela começa, ou termina". Dom Dasmasceno disse que é preciso defender a vida "integralmente.

De acordo com ele, a “medicina só tem sentido quando está serviço da vida e da saúde”. “Um médico preocupado em terminar com a vida humana está como que negando a sua própria profissão, que é cuidar da vida e fazer com que seja vivida cada vez melhor, com dignidade”, afirmou.
“Doente terminal, eutanásia, aborto, são questões que hoje nos preocupam porque a vida para nós é o primeiro direito, dom, pelos quais se fundamentam os demais direitos da pessoa humana”, disse o cardeal.
Para Élcio Bonamigo, do CFM, a decisão não vai contra a vida em nenhum aspecto. “Essa resolução não se refere ao fim de vida do paciente, se refere ao tratamento”, afirmou o médico. “A forma de lutar vai ser vista de acordo com o ponto de vista do paciente”, completou.
Bonamigo lembrou um exemplo em que a religião se aplica a esse caso, e que os médicos já respeitam o desejo do paciente. “Mesmo não tendo nada escrito nos códigos de ética nem na lei, as Testemunhas de Jeová já têm isso. Eles não querem [receber transfusão de] sangue em hipótese nenhuma”, lembrou o representante do CFM.



Paciente poderá registrar quais procedimentos quer no fim da vida

Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) trata dos limites terapêuticos para doentes em fase terminal

30 de agosto de 2012 | 15h 45


Agência Brasil
O paciente vai poder registrar no próprio prontuário quais procedimentos médicos quer ser submetido no fim da vida, como prevê resolução divulgada nesta quinta-feira, 30, pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e que trata dos limites terapêuticos para doentes em fase terminal.
Veja também:

Regras estabelecem critérios para tratamentos considerados invasivos ou dolorosos - Divulgação
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Regras estabelecem critérios para tratamentos considerados invasivos ou dolorosos
As regras estabelecem critérios para o uso de tratamentos considerados invasivos ou dolorosos em casos onde não há possibilidade de recuperação. A chamada diretiva antecipada de vontade consiste no registro do desejo do paciente em um documento, que dá suporte legal e ético para o cumprimento da orientação.
O testamento vital, de acordo com o CFM, é facultativo e poderá ser feito em qualquer momento da vida – inclusive por pessoas em perfeita condição de saúde – e poderá ser modificado ou revogado a qualquer instante.
São aptas a expressar esse desejo pessoas com idade igual ou maior a 18 anos ou que estejam emancipadas judicialmente. O interessado deve estar em pleno gozo das faculdades mentais, lúcido e responsável por seus atos perante a Justiça.
O registro poderá ser feito pelo médico assistente na ficha médica ou no prontuário do paciente, sem a necessidade de testemunhas. O documento, por fazer parte do atendimento médico, não precisa ser pago pelo paciente. Se considerar necessário, o paciente poderá nomear um representante legal para garantir o cumprimento de seu desejo.
Caso o paciente manifeste interesse, poderá registrar o termo também em cartório. Conforme o CFM, a vontade do paciente não poderá ser contestada nem mesmo por parentes – o único que pode alterá-la é o próprio paciente.
Segundo as diretrizes, o paciente poderá definir, com a ajuda de um médico, se deseja passar por procedimentos como, por exemplo, o uso de respirador artificial (ventilação mecânica), tratamentos com remédios, cirurgias dolorosas e extenuantes ou mesmo a reanimação em casos de parada cardiorrespiratória.
O presidente do CFM, Roberto Luiz D’Ávila, considerou a resolução histórica, já que trata de um dilema provocado pelo próprio avanço da tecnologia. “Ela [resolução] tem permitido que tudo possa ser feito tecnicamente”, disse.
“Na medicina, trabalhamos com variáveis, as coisas se modificam. O que estamos tentando resgatar é que as pessoas morram no tempo certo, mas de maneira digna”, completou.
D’Ávila ressaltou que a diretiva antecipada de vontade não é válida para alguns casos, como um acidente de carro quando a pessoa tem chance de recuperação e, portanto, deve ser submetida a procedimentos de ressuscitação. “Com o documento, eu [paciente] só estou sinalizando que, quando estiver em uma fase terminal crônica, não quero nenhum esforço fútil ou extraordinário.”
O CFM informou que o Código de Ética Médica, em vigor desde abril de 2010, veda ao médico abreviar a vida, ainda que a pedido do paciente ou de um representante legal – prática conhecida como eutanásia. Entretanto, é previsto que, nos casos de doença incurável e de situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico pode oferecer cuidados paliativos disponíveis e apropriados (ortotanásia).
“A medicina paliativa é uma opção hoje muito interessante e regulamentada pelo conselho. A pessoa não será abandonada, o que é um medo muito grande dos pacientes”, concluiu o presidente do CFM.
A Resolução 1.995 deve ser publicada amanhã (31) no Diário Oficial da União.
Confira abaixo os principais pontos da resolução:
As diretivas antecipadas de vontade devem ser registradas de qual forma?
O médico registrará, no prontuário, as diretivas antecipadas de vontade que foram diretamente comunicadas pelo paciente.
As diretivas precisam ser registradas em cartório?
Não é necessário, mas pode ser feito caso o paciente deseje.
É possível cancelar o testamento vital?
Sim, desde que o paciente esteja lúcido para fazer isso. Assim sendo, ele deve procurar o médico para manifestar essa mudança, bem como alterar o documento em cartório, caso tenha sido registrado.
É necessário ter testemunhas?
Não. Porém, pode ser feito como forma de segurança.
Quem pode fazer?
Maiores de 18 anos ou emancipados, desde que estejam lúcidos.
Posso eleger um representante que não seja da família?
Sim. Um procurador pode ser qualquer pessoa de confiança.
Meus parentes tem prioridade acima do meu representante legal?
Não. As diretivas antecipadas do paciente prevalecerão sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos parentes.
Posso solicitar a interrupção de qualquer procedimento?
O médico deixará de levar em consideração as diretivas antecipadas de vontade do paciente ou representante que, em sua análise, estiverem em desacordo com os preceitos ditados pelo Código de Ética Médica.




30/08/2012 - 16h25

CNBB reage à resolução do Conselho Federal de Medicina




FLÁVIA FOREQUE
DE BRASÍLIA


A Igreja católica criticou nesta quinta-feira (30) resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina) que determina ao médico seguir o desejo de pacientes em fase terminal que não queiram seguir tratamentos "excessivos e fúteis".
"Um médico (...) preocupado em terminar com uma vida humana, em que fase for, está como que negando a sua própria profissão, que é cuidar da vida, prolongar a vida, fazer com que essa vida seja vivida cada vez melhor", disse nesta quinta-feira (30) o cardeal Raymundo Damasceno Assis, presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e arcebispo de Aparecida (SP).
A resolução do CFM estabelece a chamada "diretiva antecipada de vontade". Para o presidente do conselho, Roberto d'Avila, o texto permitirá ao médico, em casos de doença terminal, não continuar com um tratamento que "não dá a possibilidade de voltar ao estado de saúde prévio".
"Evidentemente nós não podemos estar de acordo com essa resolução. (...) O juramento [do médico] é defender a vida e a medicina só tem sentido nesse caso: quando ela está à serviço da vida, da saúde", afirmou o presidente da CNBB.



30/08/2012 - 15h01

Médicos deverão seguir desejo de pacientes terminais contrários a tratamento 'fútil'

DE BRASÍLIA
DE SÃO PAULO

http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/1145793-medicos-deverao-seguir-desejo-de-pacientes-terminais-contrarios-a-tratamento-futil.shtml


Atualizado em 31/08/2012 às 09h42.
Um doente terminal não terá mais de passar seus últimos dias sendo submetido a tratamentos que só vão atrasar a morte, mesmo que esse seja o desejo de sua família.
O CFM (Conselho Federal de Medicina) editou uma resolução que dá ao paciente o direito de não receber tratamento considerado inútil em casos de doenças terminais ou estados vegetativos.
A medida, divulgada ontem, determina que o paciente, em estado são, poderá informar o médico sobre que tipo de tratamento deverá receber quando estiver inconsciente e sem chance de cura.
A pessoa pode, a qualquer momento, registrar um documento em cartório com a declaração ou pedir ao médico que inclua determinações como não ressuscitar em caso de parada cardíaca, por exemplo, em seu prontuário.
"Defendemos a ideia da morte natural, sem a intervenção tecnológica inútil e fútil, que pode acalmar a família, mas não está fazendo a vontade do paciente", diz o presidente do conselho, Roberto d'Ávila.
Ele classifica como tratamento "fútil" aquele que não dá a possibilidade de voltar ao estado de saúde prévio. "A vontade do paciente é mais importante que a familiar."
Editoria de arte/folhapress

ASSUNTO TABU
Segundo especialistas em cuidados paliativos, hoje os desejos dos doentes são pouco ouvidos tanto por médicos quanto pelos parentes.
"Para que uma conversa delicada como essa aconteça, os profissionais de saúde precisam ter certas habilidades de comunicação, mas nem sempre há oportunidades para isso", diz o médico Daniel Forte, do comitê de terminalidade e cuidados paliativos da Associação de Medicina Intensiva Brasileira.
Forte diz que a falta de diálogo leva muitos doentes a serem submetidos a tratamentos que, se dependesse de sua vontade, não seriam realizados. "Muitos pensam nisso mas não têm com quem falar. A família quer passar um clima de otimismo e prefere não falar nesse assunto."
Para psicóloga Fernanda Rizzo di Lione, especialista em psico-oncologia, a nova regra do CFM deve enfrentar resistência dos médicos, que se formam "para lutar contra a morte". "Não ligar um aparelho não é deixar de fazer alguma coisa e sim respeitar a vontade do paciente."
De acordo com a regulamentação, o médico não é obrigado a perguntar o que o doente quer, mas deve registrar as orientações no prontuário se houver uma manifestação espontânea.
Essa vontade terá de ser ignorada se implicar infração ao Código de Ética Médica, como a prática da eutanásia.
O CFM diz que não se preocupa com as consequências jurídicas, caso uma família reclame de negligência médica. "Se estivéssemos [preocupados], falaríamos para o médico registrar no cartório e diríamos: 'Médicos, protejam-se'. O que queremos é saber a vontade do paciente", afirma Roberto d'Ávila.
A resolução provocou a reação da Igreja Católica. "Um médico (...) preocupado em terminar com uma vida humana, em que fase for, está como que negando sua própria profissão, que é cuidar da vida", disse ontem o cardeal Raymundo Damasceno Assis, presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).
Para o médico Daniel Forte, é normal que uma resolução como essa seja alvo de debate. "É preciso deixar claro que ninguém é obrigado a fazer isso. A regra só abre a oportunidade para quem deseja registrar sua vontade."
(FILIPE COUTINHO, FLÁVIA FOREQUE E DÉBORA MISMETTI)


31/08/2012 - 09h50

Análise: Tendência mundial é acatar desejos expressos do paciente

MARIA DE FÁTIMA FREIRE DE SÁ
ESPECIAL PARA A FOLHA

http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/1146251-analise-tendencia-mundial-e-acatar-desejos-expressos-do-paciente.shtml


É comum acompanharmos no noticiário a manifestação da vontade de pessoas que, em perfeito estado de consciência mental ou mesmo quando representadas por outrem, imploram que lhes seja permitido o exercício da autonomia para morrer.
Em casos como o da americana Terri Schiavo (1963-2005), foi necessária a reconstrução judicial da vontade porque ela era incapaz de expressar quaisquer contatos, cognitivos ou emotivos.
Sua sobrevivência estava assegurada pela alimentação e pela hidratação artificial por sonda.
Terri poderia ter feito seu "testamento vital". A experiência americana é avançada, e isso é comprovado pelo texto normativo intitulado "Patient Self-Determination Act" (PSDA, ou Ato de Autodeterminação do Paciente), que entrou em vigor em 1º de dezembro de 1991.
O PSDA reconheceu a autonomia privada do paciente, inclusive para recusar tratamento médico. Os centros de saúde, quando da admissão do paciente, registram as objeções dele a tratamentos em caso de incapacidade de exercício da própria autonomia. São as chamadas "advance directives".
A justificativa para o aparecimento dessas "diretivas antecipadas de vontade" era a limitação da intervenção médica não curativa a certas situações terminais ou de inconsciência irreversível.
Hoje, as diretivas têm a função de dar ao paciente o poder de recusar tratamentos e de escolher, dentre aqueles possíveis, o que lhe convém.
Esse instrumento serve para a manifestação de vontade para o futuro, em caso de estado de inconsciência.

INCIPIENTE
No Brasil, o tema ainda é incipiente, ao contrário de países como França, Espanha e, recentemente, Portugal.

Não há legislação sobre a questão. O que existe são as resoluções do Conselho Federal de Medicina, a nº 1.805, de novembro de 2006, que regulamentou a suspensão de procedimentos que prolonguem a vida do doente terminal e, agora, a nº 1.995, com critérios para os limites terapêuticos na fase final.
Contudo, a resolução não cria o direito, mas regula o exercício da profissão. Uma possível recusa do médico no cumprimento das determinações do paciente não gerará ilícitos penal e civil, mas apenas sanção de natureza ética.
Mesmo assim, na esteira do que vem ocorrendo no mundo, é bem possível defender juridicamente a validade das diretivas como manifestação escrita, feita por pessoa capaz que, de maneira livre e consciente, determina suas opções e seus desejos, que devem ser respeitados. E, sendo uma manifestação de vontade livre, ela poderá ser revogada a qualquer tempo.
MARIA DE FÁTIMA FREIRE DE SÁ é doutora em direito constitucional pela UFMG, coautora do livro "Autonomia para Morrer: Eutanásia, Suicídio Assistido e Diretivas Antecipadas de Vontade" e professora de direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais




01/09/2012 - 05h03

"Estou preparando a minha morte do jeito que eu quero"

DÉBORA MISMETTI
EDITORA-ASSISTENTE DE "CIÊNCIA+SAÚDE"

http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/1146792-estou-preparando-a-minha-morte-do-jeito-que-eu-quero.shtml


A aposentada Celina Maria Rubo, 71, decidiu pôr no papel suas vontades para o fim da vida depois que a mãe faleceu, há três anos.
Ela escolheu um primo como responsável por decidir sobre um tratamento específico ao qual não quer ser submetida.
"Minha mãe teve obstrução intestinal há seis anos. O médico queria operá-la e nós [os filhos] achamos que ela não deveria passar por uma situação como essa no fim.
Ela teria seu intestino retirado, ficaria com aquela bolsinha (de colostomia). É horrível. Não deixamos. Ela viveu por mais três anos com boa qualidade de vida, foi tratada com remédio paliativo.
Adriano Vizoni/Folhapress
A aposentada Celina Maria Rubo, 71, em sua casa, em São João da Boa Vista
A aposentada Celina Maria Rubo, 71, em sua casa, em São João da Boa Vista
Depois, descobri que eu tenho o mesmo problema, uma obstrução parcial do intestino e diverticulite. Estava morrendo de medo de ser operada à minha revelia.
O médico disse: 'Se você chegar no hospital desmaiada, em coma, a gente opera'. Mas eu não quero! Achei que deveria haver um jeito de ter minha vontade cumprida.
Pode operar pulmão, coração, cabeça. Só não pode operar o meu intestino. Até o nome da cirurgia está determinado no documento.
O maior problema foi encontrar alguém responsável em caso da minha incapacitação. Meu filho não quis nem ver. Meu irmão também não, irmã, nem pensar. Sobrinhos também não.
Disseram que gostam demais de mim para falar da minha morte.
Meu primo acabou aceitando. Tem de ser uma pessoa com muita força para lutar contra o resto da família.
O documento ficou pronto na semana passada.
Deixei também uma poupança para a minha cremação. Estou preparando minha morte do jeito que tem que ser.
A gente tem de encarar a morte de forma racional. Não estou doente, cuido bem do meu intestino, meu médico é bom, mas acho que a gente tem de preparar o fim.
Temos uma cultura que tenta esquecer que a morte vem. A morte é a única coisa certa. Por que não preparar uma morte boa?
Vivemos bem, por que não morrer bem?"