segunda-feira, 18 de junho de 2012

Família adota o uso do banheiro seco como resposta ao desperdício de água







Foto: Gustavo Belarmino | NE10
Há dez anos, família que mora na zona rural de Olinda adota hábitos de biosustentabilidade, que também inclui o ato de ir ao banheiro








Gustavo Belarmino
Do NE10
SJCC | Rio + 20
As cidades estão inchadas. E pequenos atos, como o simples fato de ir ao banheiro, se não forem feitos de forma consciente, podem colaborar para o agravamento de problemas como o desperdício de água, recurso que é finito e se tornará cada vez mais escasso no planeta. Estimativas apontam que 60% da água consumida em uma residência vai para o esgoto, em forma de vetor para transportar dejetos, como urina e fezes, para as estações de tratamento ou mesmo para os rios e mares. "Este é um problema não só de higiene, mas também econômico. Como podemos deixar que a água que chega tratada às nossas torneiras seja contaminada desta forma toda vez que damos uma descarga?", questiona o agrônomo Flávio Duarte, que há dez anos decidiu deixar a cidade, constituir e criar a família com bases na eco-sustentabilidade.
Proprietário do Sítio Nova Canaã, na Zona Rural de Olinda, na Região Metropolitana do Recife, Flávio é casado com Chivi Marincola,permacultora formada pelo Ocidental Arts Ecology Center, na Califórnia, EUA, e pai de três crianças, dois meninos e uma menina, totalmente integrados à vida na natureza. Colhendo o que dela vem e devolvendo o que é dela. O agrônomo mostra com orgulho as culturas que ali se desenvolvem, como pés de açaí, cana-de-açúcar, pimenta, amora, abacaxi, jaca, cacau e outras árvores frutíferas, espalhando sombra pelos 6 hectares de terreno. Ainda há um pequeno curral com cabras, galinhas e outros animais. Da padaria com fogão à lenha vem os pães, biscoitos e bolos integrais que a família consome e comercializa em feiras orgânicas no Recife e em Olinda. E, lá no alto, depois de passar por um riacho, está a "biocasa" da família, projetada com conceitos de arquitetura ecológica, que busca uma melhor interação com o meio ambiente - comunhão observada por exemplo no aproveitamento do vento, que entra pelas frestas projetadas no teto da casa, ou pelo uso de materiais na construção e acabamento da residência, como a taipa, e os banheiros secos ecológicos.
COMO FUNCIONA O BANHEIRO SECO 

A versão mais comum do sanitário ecológico traz uma separação para as fezes e para a urina. Quando os excrementos são descartados, caem em recipientes separados. Nas fezes, é jogado material orgânico seco (pó de serra, argila etc), para retirar a umidade e neutralizar os odores. A urina é diluída em água e pode ser usada para regar as plantas. 


Uma vez coletadas, as fezes são levadas para compostagem por alguns meses, para que as reações livrem o material de elementos patológicos e assim possa ser usado como fertilizante ou descartado no meio ambiente.
A família já usa a técnica dos sanitários secos antes mesmo de José, o caçula da família nascer. Há cerca de seis anos foi construído, na área de eventos do sítio, um banheiro ecológico, que dispensa o uso de água para funcionar. Em contrapartida, pode transformar as fezes e urina humanas em adubo orgânico, para ser utilizado na agricultura. "Este banheiro é desenvolvido com uma tecnologia muito simples, que consiste em separar o cocô do xixi, em tonéis". O material armazenado posteriormente passa por um processo de compostagem, que atinge mais de 100 graus, deixando o adubo livre de patógenos. "Nas fezes, são jogados materiais secos orgânicos, como pó de serra, cinzas, folhas, areia ou barro. Já o xixi, ao ser diluído, pode resultar em um rico fertilizante, cheio de hidrogênio", explica Chivi, que também é instrutora na área de Permacultura.
O marido comenta que as pessoas ainda veem os banheiros secos com preconceito, pois lembram das latrinas usadas antigamente que, sem a tecnologia adequada, não tinham higiene e deixavam mau cheiro no ambiente. Hoje, esta técnica tem sido defendida como eficiente para diminuir o déficit de saneamento em comunidades que não possuem rede de água e esgoto. Embora esteja muito próximo à cidade e com acesso à rede de abastecimento da Compesa - o Sítio Canaã fica a apenas 5 quilômetros do Centro do Recife -, o casal optou pelo uso deste tipo de banheiro - inclusive dentro de casa, onde os dejetos são acondicionados em baldes menores - e mostra que a iniciativa pode ser copiada em outras propriedades. "Áreas rurais e comunidades isoladas podem fazer uso de tecnologias alternativas devido ao baixo adensamento das casas e pessoas, mas a técnica normalmente não é suficiente nem adequada para os enormes volumes de água e esgotos das grandes cidades", comenta Edison Carlos, presidente do Trata Brasil, instituto que coordena uma mobilização nacional pela universalização do acesso à coleta e ao tratamento de esgoto no País.
Experiências com projetos de saneamento ecológico estão em desenvolvimento em outras partes do mundo, contando com apoio de ONGs internacionais, como a Care e a Wateraid, doações de países como Áustria, Alemanha e Suécia, além de organizações locais e internacionais, como o Pnud e Unicef. Apesar das iniciativas serem semelhantes às do Sítio Nova Canaã, nem todas visam a reciclagem de nutrientes para reutilização como adubo. Elas procuram muito mais enfrentar outros problemas específicos, como escassez de água e poluição.
DEJETOS - Para se ter uma ideia, no Recife somente 38% da população (177.313 domicílios) são atendidos pela rede de esgoto. Este número cai drasticamente quando se fala de Pernambuco. Apenas 18% dos municípios operados pela Compesa (372.371 residências) são saneados. "O Nordeste está entre as regiões com maiores desafios em termos de falta de serviços de saneamento básico. No nosso ranking, não há nenhuma grande cidade do Nordeste (acima de 300 mil habitantes) entre as 20 melhores do País", pontua. "As perdas de água nestas cidades também quase sempre superam a média nacional, que é de 37%", alerta Edison Carlos, destacando que o impacto da falta de saneamento costuma acarretar em altos índices de doenças com consequentes gastos elevados em saúde. “Ainda há problemas na educação, no turismo, com poluição de rios, praias etc. Apesar de óbvio, muitas autoridades não atentam ao fato de que investimentos em água e esgotos significam economia para as cidades".
O VALOR DO EXCRETA HUMANO 
Foto: Internet
Os excretos humanos são constituídos por dois componentes básicos: a urina e as fezes. Cada um deles tem propriedades muito diferentes, são produzidos em quantidades diferentes, e requerem cuidados e processamento diferentes. Os estudos publicados indicam que um ser humano adulto produz mais de 1 litro de urina e pouco menos de 200 g de fezes (incluindo sua umidade) por dia, variando um pouco com o tipo de dieta, idade, atividade, localização, e condições de saúde.
A urina contém aproximadamente 80% do total de nitrogênio encontrado no excreta humano, e cerca de 2/3 do fósforo e do potássio eliminados. A maior parte do carbono excretado - até 70% - é encontrada nas fezes. As quantidades acima podem sugerir que o excreta humano contém poucos nutrientes, porém essa impressão desaparece quando consideramos que cada pessoa urina anualmente cerca de 4,5 kg de nitrogênio, mais de 0,5 kg de fósforo, e cerca de 1,2 kg de potássio. Esses nutrientes são suficientes para adubar por um ano o cultivo dos grãos consumidos por uma pessoa.
CURIOSIDADE - A urina já foi usada na Europa para a limpeza de residências, para amaciar lã, reforçar o aço, curtir o couro e tingir roupas. Os gregos e romanos usavam o líquido para tingir os cabelos e os africanos usavam para fermentar plantas para produzir tinturas. Na China, farmacêuticos utilizavam a urina para produzir coagulantes.
Fonte: César Añorve